04 Dezembro 2023
"O Santo Padre convida a uma comparação. Justamente no que diz respeito ao Fundo de Perdas e Danos, nos últimos dias vários países (mais desenvolvidos, por assim dizer) declararam a sua participação com grandes somas de dinheiro. Não há comparação, porém, com as despesas que essas nações destinam todos os anos à militarização. Com a promessa de 100 milhões, Itália e Alemanha pareceram as mais generosas. No último ano (2022), porém, alocaram respectivamente 33 e mais de 55 bilhões de dólares para as despesas militares. (...) O óbolo, não se pode chamar de outra forma, que a maior potência econômica decidiu destinar a esse fundo soma 17,5 milhões de dólares. A proporção com os 877 bilhões de dólares (cerca de 40% da despesa militar mundial) que pode ser conferido no orçamento de 2022 sob o título 'despesas militares' é evidentemente inexistente", escreve Carlo Petrini, fundador do Slow Food, ativista e gastrônomo, sociólogo e autor do livro Terrafutura (editora Giunti e Slow Food), no qual relata suas conversas com o Papa Francisco sobre ecologia integral e o destino do planeta, no artigo publicado por La Repubblica, 03-12-2023.
Mais uma vez uma mensagem forte e significativa. A carta assinada pelo Papa Francisco, lida na COP28 em Dubai, conseguiu transmitir com eloquência e lucidez a situação atual. Há uma tendência a considerar as palavras do Pontífice como conselhos dados por uma autoridade religiosa e, portanto, opiniões que pouco se conciliam com o pragmatismo político.
O incrível é que Bergoglio fala de concretude. Sua mensagem é profundamente política, e exorta-nos a "uma mudança de ritmo que não seja uma modificação parcial da rota, mas uma nova forma de proceder juntos”; mas isso não está passando dentro da governança internacional. Por um lado, o consumismo compulsivo que depaupera os recursos ambientais, pelo outro, a impressionante dimensão da indústria dos armamentos que não dá sinais de parar. Aquilo é que Francisco novamente nos lembrou é que a mudança climática é “um problema social global, que está intimamente ligado à dignidade da vida humana” (Laudate Deum, 3).
À luz disso, é muito pequeno o passo adiante que foi dado nos últimos dias com a implementação do Fundo de Perdas e Danos (Loss and Damage em inglês, ou seja, a compensação econômica voltada aos países menos desenvolvidos e mais vulneráveis aos efeitos da crise climática). O acordo que em seu interno admite que “uma mitigação insuficiente contribui para aumentar as perdas e os danos e que a adaptação não previne todas as perdas e os danos”, e que por esse motivo sublinha os seus próprios limites ligados a uma atividade de prevenção ainda imperceptível. Isso evidencia que a realidade está bem longe do caminho desejado.
Enquanto em Dubai o presidente francês Macron declarava que “investir no carvão é uma verdadeira absurdo" (sem mencionar os outros combustíveis fósseis), a OSCE e a IEA publicavam uma análise na qual se apreende que o apoio global (medido nas 82 principais economias) aos combustíveis fósseis passou de 769,5 bilhões de dólares em 2021 para 1.481,3 em 2022. Em vez de procurar caminhos alternativos, o investimento quase duplicou para mitigar custos de energia extremamente elevados. Um enorme aumento dos preços que, por sua vez, dependeu em grande parte do conflito russo-ucraniano. Prova do realismo bergogliano, que liga a crise climática às profundas crises sociais do nosso tempo.
Ontem o Papa Francisco quis insistir novamente no tema da paz: “Quantas energias a humanidade está gastando nas muitas guerras em curso, como em Israel e na Palestina, na Ucrânia e em muitas regiões do mundo: conflitos que não resolverão os problemas, mas irão aumentá-los! Quantos recursos desperdiçados em armamentos, que destroem vidas e arruínam a casa comum!”
O Santo Padre convida, portanto, a uma comparação. Justamente no que diz respeito ao Fundo de Perdas e Danos, nos últimos dias vários países (mais desenvolvidos, por assim dizer) declararam a sua participação com grandes somas de dinheiro. Não há comparação, porém, com as despesas que essas nações destinam todos os anos à militarização. Com a promessa de 100 milhões, Itália e Alemanha pareceram as mais generosas.
No último ano (2022), porém, alocaram respectivamente 33 e mais de 55 bilhões de dólares para as despesas militares.
Aliás, a Itália destinou mais de um bilhão só para o envio de armas para a Ucrânia. Dados que já fornecem uma ideia dos reais interesses políticos. A posição dos Estados Unidos, porém, grita por vingança.
O óbolo, não se pode chamar de outra forma, que a maior potência econômica decidiu destinar a esse fundo soma 17,5 milhões de dólares. A proporção com os 877 bilhões de dólares (cerca de 40% da despesa militar mundial) que pode ser conferido no orçamento de 2022 sob o título “despesas militares” é evidentemente inexistente.
Ensurdecedor o silêncio chinês.
O apelo à paz não pode, portanto, ser atribuído a uma dinâmica exclusivamente espiritual ou religiosa. O que aconteceria se a política do Papa Francisco fosse adotada? Provavelmente com um verdadeiro multilateralismo também haveria espaço para instituir fundos que ajudem a prevenir (e não apenas “curar”) desastres climáticos, ou que ajudem a desenvolver políticas de transição energética onde o abandono dos combustíveis fósseis ainda resulta demasiado caro.
Apesar de tudo, das palavras do Santo Padre ainda transparece um pouquinho de confiança para esse tipo de encontros. Mas até agora devemos constatar que não estão funcionando, ao ponto da autoridade da ONU ser cada vez mais posta em discussão. A questão é que se continuarmos a sair desses encontros com “expedientes” que visam o futuro da crise climática (outro exemplo, o acordo entre a UNFCCC e a Microsoft para a utilização de inteligência artificial para o estudo dos dados da crise climática), sem levar em consideração as soluções já hoje viáveis e renunciando a uma verdadeira mudança de rumo a seguir todos juntos, então o verdadeiro risco é comprometer irremediavelmente o futuro de todos.
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Palavras fortes e significativas de Francisco sobre clima e desarmamento, segundo Carlo Petrini, criador de Slow Food - Instituto Humanitas Unisinos - IHU