14 Agosto 2023
Nos documentos e discursos do Papa Francisco, o verbo "sonhar" ou o termo "sonho" são recorrentes. Isto ocorre desde o início, quando ele disse "sonhar com uma Igreja pobre para os pobres" até o convite dirigido aos jovens na Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, nos últimos dias, para que os participantes do encontro "sonhem grande".
A reportagem é de Antonio Dall'Osto, publicada por Settimana News, 10-08-2023.
Atualmente, dez anos após o início de seu pontificado, ele continua a sonhar, com o olhar voltado para Deus, mas ao mesmo tempo mantendo os pés firmemente no chão. A revista espanhola Vida Nueva, por ocasião da viagem do Papa a Portugal, aproveitou a oportunidade para entrevistá-lo, focando em duas questões fundamentais ligadas a esse convite que está no cerne de seu programa como pontífice: a primeira pergunta foi: "Quais são os sonhos de Deus hoje?" e "Quais são os seus sonhos para a Igreja neste momento da história?"
Não sem um toque de humor, ele reiterou seu desejo de continuar sonhando e se referiu a São José, dizendo: "Estou convencido de que ele sofria de insônia: não conseguia dormir porque temia que, sempre que adormecesse, Deus mudaria seus planos por meio de seus sonhos".
Mas, falando seriamente, ele afirmou que "uma pessoa que deixa de sonhar na vida é uma pessoa sem graça, envelhecida, insípida, chata. (...) Sempre há algo para sonhar, é assim que penso. Às vezes são planos, outras vezes projeções... O que sei lá. Mas é preciso sonhar. Uma pessoa, quando sonha, abre portas e janelas. Aquele que não sonha não tem futuro; tem um futuro repetitivo, banal".
Mas o que o padre Jorge Bergoglio sonha hoje? Ele ainda sonha com uma "Igreja pobre e para os pobres"? A resposta é muito clara:
"A expressão que usei há algum tempo é uma Igreja 'em saída': ou seja, não sabemos o que nos espera, mas não ficamos fechados em si mesmos. Não sonhar leva à pequenez, à incapacidade de ser generoso... Sonho com uma Igreja 'em saída', uma Igreja das periferias". "Na verdade", esclareceu o papa, "para dar um exemplo, o próximo consistório é um sonho nesse sentido. Se olharmos para o número de cardeais da Cúria que havia há dez anos e os que existem agora, ou a redução do número de cardinalatos ligados às sedes episcopais históricas, estamos falando daquela periferia que agora está no centro. Temos o novo cardeal de Juba (Sudão do Sul), que nunca teria sido considerado, ou a nomeação do arcebispo de Penang (Malásia), que muitos nem sabem onde fica".
"Esta é a Igreja que sonho e que, aliás, é a dos Atos dos Apóstolos: Partos, Medos, Elamitas... Aquela manhã de Pentecostes, em que todos falavam sua língua, mas todos se entendiam. Agora isso precisa acontecer: cada um diz o que pensa, mas todos nos entendemos, mesmo que um enfatize uma coisa, e o outro outra. Acredito que essa é a Igreja que devemos buscar, e não devemos nos escandalizar, porque confundimos tanto o essencial com o acidental! Quando nos fechamos em nós mesmos, acabamos nos tornando ridículos...".
No entanto, é difícil sonhar em um mundo como o de hoje, marcado por uma terceira guerra mundial em pedaços...
"Sim, é complicado, certamente. A dimensão trágica de hoje é séria. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, houve conflitos em várias partes. Agora estamos enfrentando a guerra na Ucrânia, o que nos assusta porque é próxima. Mas quem pensa no Iêmen, quem pensa na Síria, quem pensa em todos esses lugares na África, por exemplo, em Kivu, na parte norte da República Democrática do Congo, onde não pude ir? Estamos sempre em guerra, mas como está distante... Da mesma forma, parece-nos natural, por exemplo, que os Rohingya vaguem pelo mundo porque ninguém quer acolhê-los. Apenas o que está próximo nos assusta. Às vezes, vejo a cúpula de São Pedro e penso: 'Se um desses loucos lançar uma bomba aqui, tudo estará acabado'. No entanto, mesmo nessas circunstâncias, existem motivos de esperança".
O sonho que o senhor expressou há dez anos de uma "Igreja hospital de campanha" está se realizando?
"Há lugares onde isso acontece, depende. Às vezes, a Igreja se apressa em querer ser um 'hospital de campanha' e erra porque acelera. Assim, caímos em uma deriva onde oferecemos uma solução correta como orientação, mas não partimos das soluções contempladas no Evangelho. Não se pode reformar uma Igreja fora da inspiração evangélica. As soluções são muito eficazes, mas enganosas. É uma armadilha muito insidiosa: as soluções procuradas não vêm do Evangelho. São fruto do bom senso, da capacidade humana do que deve ser feito, mas não têm expressão evangélica. São adotadas rapidamente. Estão certos em querer resolver um problema, porque as pessoas estão indo embora. Acredito que isso seja o que está acontecendo no chamado Caminho Sinodal alemão".
Às vésperas da próxima assembleia do Sínodo em Roma, no próximo mês de outubro, foi uma oportunidade para voltar a um dos temas que mais lhe é caro, a sinodalidade.
"Continuo a apostar no processo sinodal iniciado pelo Papa Paulo VI. Quando se concluiu o 50º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos, as coisas estavam maduras para lançar um documento. Ele foi elaborado por uma equipe de teólogos de alto nível e eu o apoiei, porque nos permitia o caminho para chegar lá. Nos últimos dez anos, algumas coisas foram aprimoradas, mas não muitas. Por exemplo, antes nem passava pela cabeça interrogar os leigos. Se fosse um Sínodo apenas para bispos, então que os bispos votem, ponto! e todos fora, observando! Durante o Sínodo para a Amazônia, durante o "intervalo" dos trabalhos, havia, ao lado da sala, um escritório reservado ao papa. Eu estava indo para lá. No primeiro dia, as mulheres começaram a vir para falar sobre o voto. Foi o ponto de partida para um diálogo sincero. Então perguntei a opinião aos teólogos, que fizeram uma rápida pesquisa e disseram: "Sim, as mulheres podem votar". Mas o Sínodo já havia começado. Se são membros, podem votar. E pensei comigo mesmo: "Fazer isso agora pode causar escândalo, vou deixar para o próximo...", que é agora. O sonho amadureceu até tomar forma".
Outra pergunta foi sobre sua responsabilidade de liderar uma congregação de 1,3 bilhão de católicos, com problemas sérios contínuos em sua mesa. Muitos esperam grandes mudanças hoje em dia... É muita responsabilidade sobre seus ombros, você perde o sono?
"Eu nunca perdi o sono. É uma graça: chego à noite tão cansado que durmo. Graças a Deus, não caí na tentação da onipotência, de acreditar que posso resolver tudo. Claro, como um bom jesuíta, eu acordo muito cedo para aproveitar melhor o tempo...".
"O senhor", insistiu o entrevistador, "tem muita coragem em propor essas mudanças. Nunca lhe passou pela cabeça abandonar algum sonho muito arriscado?"
"Claro, e a primeira reação é um não. Mas depois peço conselhos e vejo se é possível fazer ou não. É preciso medir até que ponto se pode ir além do limite e até onde não. Experimenta-se uma certa impotência, mas acho que é bom, porque impede de se considerar um deus ou um ser onipotente. São os limites que a história e a vida impõem. Por exemplo, ainda não ousei pôr fim à cultura da corte [isto é, semelhante à cultura de realeza, nobreza] na Cúria".
Diante de propostas que uma parte da Igreja não está preparada para acolher, ele enfatizou que é necessário insistir na formação e, sobretudo, na capacidade de sair.
"Na Argentina, eu sentia um pouco de alergia quando via pastores que olhavam para o próprio umbigo, com o olhar voltado para si mesmos. Penso em um bispo, um grande teólogo, mas como pastor era nulo. Sempre enviava mensagens do tipo: 'Cuidado, na missa é preciso fazer assim e assado... fazer isso ou aquilo. Os pobres padres estavam sujeitos ao governo daquele homem. Existem pastores que não são pastores".
Muito interessante, ao fim da entrevista, é o que Francisco afirma sobre o estilo de vida que escolheu para o seu pontificado, ou seja, o de permanecer o mais próximo possível das pessoas comuns, sem preferências ou privilégios.
"Depois de ser eleito, houve um grande banquete. Eu já estava preparado. Lembro-me do que aconteceu. Depois de falar com as pessoas, depois de rezar pelo papa anterior, saí e havia um elevador pronto, tudo só para mim. Mas eu disse: 'Vou com os outros.' E, quando saí, havia uma limusine pronta. E eu disse novamente: 'Vou de ônibus junto com os outros.' Foi então que percebi que havia ocorrido uma mudança nas coisas que me aguardavam. Depois do banquete, liguei para o núncio na Argentina e disse a ele: 'Diga para não vir ninguém', porque eu imaginava que os bispos queriam vir, e sugeri que o dinheiro da passagem fosse dado aos pobres. Depois liguei para Bento XVI para cumprimentá-lo. No início, ele não respondeu porque estava assistindo televisão, mas quando consegui falar com ele, percebi que ele estava contente. Na manhã seguinte, não consegui colocar a gola da batina, não sei por quê. Saí e o bispo emérito de Palermo estava lá, e eu disse: 'Me ajude'. 'Sim, claro!', ele respondeu. Assim, naquele dia, também desci para comer na sala de jantar junto com todos os outros. E ali começou a vida comum que continuo levando hoje. Não mudei meu estilo de vida, e isso me ajudou. Foi um insight do momento. Vivo as coisas com naturalidade e as conto assim."
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os sonhos do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU