01 Agosto 2023
A ouvi-lo nesta manhã de domingo, 30 de julho, no grande auditório do Colégio de São João de Brito, Lisboa, estiveram mais de quatro centenas de jovens que participam no Magis, o advérbio latino que significa “mais, maior” e que designa as iniciativas dos jesuítas na pré-Jornada Mundial da Juventude.
Entre as 26 tendas diferentes – oração, debate, aprofundamento bíblico, oficinas de arte… –, o encontro com o padre James Martin, que trabalha com cristãos LGBTQ, foi o mais concorrido dos mais de dois mil participantes do Magis. Os jovens não querem fazer parte de uma Igreja que não os aceita na condição de homossexual – ou que não aceita os seus amigos homossexuais, como dirá o padre Martin nesta curta entrevista ao 7MARGENS, na qual também admite que “há uma grande dose de homofobia dentro da Igreja”.
No fim do encontro, e durante largos minutos, o jesuíta norte-americano respondeu ainda a muitas perguntas de jovens que o rodearam. No encontro, Martin tomara o episódio bíblico de Zaqueu, quando Jesus pede ao cobrador de impostos – um homem que, por causa da sua profissão, era proscrito pela sociedade do seu tempo – para ficar em sua casa. Jesus vai ao encontro dos malvistos e malqueridos, responde James Martin aos jovens. E vários deles querem saber mais sobre a interpretação da Bíblia em relação ao tema da homossexualidade e à forma como a Igreja Católica tem lidado com a questão.
Respeito, compaixão, sensibilidade – são as atitudes em que insiste, repetindo o que propõe no seu livro Construindo uma ponte, publicado recentemente em Portugal.
A entrevista com James Martin, padre jesuíta e colunista da revista America, consultor do Dicastério para a Comunicação, é de Jorge Wemans e António Marujo, publicada por 7MARGENS, 30-07-2023.
A questão LGBTQ é um dos grandes fatores de fratura na Igreja Católica nos EUA.
Infelizmente, é uma fonte de divisão na Igreja em alguns sítios, o que é muito triste, uma vez que penso que a Igreja em todo o lado precisa de cuidar deste grupo de pessoas que são frequentemente alvo de violência, espancamentos e assédio. São também talvez o grupo mais marginalizado da Igreja atual. Podemos pensar neles como o homem espancado que jaz à beira da estrada na Parábola do Bom Samaritano.
Tem sido muito criticado por isso. Como reage às críticas que recebe por causa do seu trabalho?
Lembro às pessoas que não estou a desafiar os ensinamentos da Igreja; na verdade, estou a apoiá-los, uma vez que Jesus nos pede para irmos “às periferias”, como o Papa Francisco nos recordou. Tudo o que faço, faço-o dentro do pensamento da Igreja, não desafiando o pensamento da Igreja. Tem a ver com o respeito às pessoas, ter compaixão e sensibilidade com elas. Isto é o ensino da Igreja, não é desafiar o ensino da Igreja.
Quanto à forma como lido com isso internamente, lembro-me de que nem todos podem gostar, amar ou aprovar a minha pessoa. (Não o fizeram com Jesus, por que haveria eu de ser diferente?) E também que algumas dessas pessoas são apenas homofóbicas ou, para usar uma palavra pouco utilizada, más. Então, porque é que eu haveria de prestar atenção?
Tendo Jesus Cristo aceitado e desejado que todos os tipos de pessoas se aproximassem dele, sem quaisquer pré-condições, de onde lhe parece que vem esta dificuldade da Igreja Católica e dos católicos em acolherem as pessoas homossexuais?
Há várias razões para esta oposição. Em primeiro lugar, temos de admitir que há uma grande dose de homofobia na Igreja. Assim, algumas pessoas simplesmente não gostam ou até odeiam as pessoas LGBTQ. Porquê? Porque são muitas vezes vistas como “diferentes”, “estrangeiras” ou “outras”. E isso significa que podem ser um grupo que podemos tratar como quase menos do que humano, ou mesmo como bodes expiatórios. É sempre assim nas sociedades. Mas isto depende do sítio onde se vive e da cultura de onde se vem.
Em segundo lugar, algumas pessoas pensam que aceitar e acolher pessoas LGBTQ é de alguma forma contra os ensinamentos da Igreja, o que não é o caso. O Catecismo, de facto, diz que temos de as tratar com “respeito, compaixão e sensibilidade”…
Palavras que retoma no seu livro…
Sim. E isto, para não falar do acolhimento de Jesus às pessoas marginalizadas – o centurião romano, a Mulher do Poço, Zaqueu, entre outros. Por fim, há quem pense que todas estas pessoas são “pecadoras”. Mas é claro que todos somos pecadores, e a vida de ninguém está 100% em conformidade com os ensinamentos da Igreja.
Como exemplo, pense em todos os casais heterossexuais que usam contraceptivos. Nos Estados Unidos, são cerca de 80%. Não tenho a certeza se em Portugal é assim um número tão elevado, mas é uma parte significativa da população. Mas ninguém diz: “Os casais casados são repugnantemente pecadores. Porque é que os deixamos entrar nas nossas igrejas?” É apenas a pessoa LGBTQ que é chamada de “pecadora”. No geral, porém, trata-se sobretudo de homofobia.
Para si, que trabalha há tanto tempo com a comunidade homossexual, quais seriam as boas notícias da próxima assembleia sinodal de outubro? O que é que espera que a assembleia afirme em relação a essa comunidade?
A primeira boa notícia já aconteceu! Ou seja, o mais recente Documento de Trabalho do Sínodo incluiu um apelo para ouvir as vozes das pessoas LGBTQ em todo o mundo. Acontece que, há alguns meses, enquanto estava em Roma, conheci um jovem que estava a trabalhar com o Sínodo, que me disse que cerca de metade de todos os relatórios das dioceses de todo o mundo incluíam um apelo ao acolhimento das pessoas LGBTQ. É um grande passo em frente, algo que teria sido inconcebível há 15 anos.
E quanto ao que a assembleia afirma, isso depende do Espírito Santo, mas o primeiro passo é ouvir as suas vozes, tanto quanto possível, no Sínodo. Porque o Espírito Santo está ativo e vivo também neles.
Acha que é possível uma verdadeira abertura da Igreja Católica à comunidade e às pessoas homossexuais sem uma profunda revisão da doutrina e do pensamento católicos sobre a sexualidade?
Bem, não estou a pôr em causa nenhum ensinamento da Igreja. A principal abertura é a que acabei de mencionar: ouvir. Durante demasiado tempo, esta comunidade foi em grande parte invisível para a Igreja ou, pior ainda, tratada como se fosse sub-humana. Por isso, a “revisão profunda” tem de ser a escuta.
Mais recentemente, um número crescente de líderes da Igreja reconhece que, para muitas pessoas LGBTQ, os ensinamentos da Igreja são uma verdadeira barreira para que se sintam bem-vindas de qualquer forma. O cardeal Robert McElroy, bispo de San Diego, apelou recentemente a uma mudança na linguagem da “desordem objetiva”, que muitas pessoas LGBTQ têm apontado como um verdadeiro obstáculo, algo que as faz sentir como se fossem um erro.
Uma das coisas interessantes é que este ministério é para uma percentagem pequena de pessoas – cinco, dez por cento; mas atrás deles, há mães e pais, irmãs, irmãos, sobrinhos, tios, amigos… mas especialmente muitos jovens não quererão estar numa Igreja que não aceita os seus amigos. Mesmo sendo uma pequena percentagem, é muita gente…
A carta que o Papa lhe escreveu, encorajando-o no seu trabalho pastoral com a comunidade homossexual, surgiu pouco depois do Responsum que fechou a porta à possibilidade de abençoar os casais homossexuais. Como encara estas dinâmicas contraditórias da Cúria Romana em relação aos gestos do Papa?
Bem, antes de mais, é uma Igreja grande. E o Papa Francisco, tal como Jesus, ensina com palavras e atos. Por isso, o apoio que mostra a várias pessoas da comunidade LGBTQ – quer seja uma carta a alguém que lhes dá assistência ou um encontro com elas ou mesmo a menção de pessoas LGBTQ numa homilia ou numa audiência geral – é um grande passo em frente. Esta parece ser a forma como o Santo Padre faz avançar as coisas neste domínio, passo a passo, mais com gestos do que com declarações. E estes têm sido uma série significativa de passos em frente.
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O trabalho com os cristãos LGBTQ está dentro dos ensinamentos da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU