20 Junho 2023
"Em última análise, as comunidades cristãs não são chamadas a proteger o passado, mas a viver no presente a novidade do Evangelho de Jesus, acolhendo com docilidade e disponibilidade o seu Espírito", escreve Paolo Cugini, padre italiano, da diocese de Reggio Emilia, foi missionário na diocese de Alto Solimões, AM, hoje é administrador paroquial de quatro paróquias da zona rural bolonhesa, em artigo publicado por Viandanti, 15-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O padre foi, sem dúvida, uma figura de grande importância na sociedade ocidental e, de certa forma, ainda é hoje. Ter em uma comunidade uma pessoa totalmente disponível não só para a vida religiosa, mas também para serviços fundamentais como o cuidado de pessoas idosas, a elaboração de propostas educativas para crianças e adolescentes, a atenção às famílias, entre outros, é de grande importância.
Em todo caso, porém, é uma figura que está vivendo uma grande crise não só de identidade, mas também e sobretudo de credibilidade. Por um lado, os escândalos de pedofilia contribuíram para corroer a imagem do padre como um ser ontologicamente diferente, como uma determinada espiritualidade havia contribuído a criar, como se fosse imune às paixões. Por outro lado, o atual contexto cultural cada vez mais pós-cristão e pós-teísta torna obsoleta a presença daquele modelo de padre que funcionava na época da cristandade, mas que hoje só tem valor para a velha guarda católica. Procurarei, então, indicar alguns caminhos que poderiam ser percorridos por um guia de comunidade que preside a Eucaristia na época em que estamos vivendo.
Em primeiro lugar, é preciso fechar os seminários: não são mais necessários. Foram inventados na época da cristandade e, graças a Deus, essa época acabou. Não é preciso pensar em inventar outras estruturas para substituí-lo: não servem. Na Igreja do depois, que para dizer a verdade já começou, os guias de comunidade não deverão ser celibatários nem mesmo separados do povo de Deus. Serão escolhidos entre aqueles homens e mulheres que a comunidade indicar. Sim, você leu corretamente: mulheres. Causa espanto que, passados séculos, um caminho que deveria ter encarnado a proposta igualitária e pacífica de Jesus continua firme e inflexível sobre esse ponto. O fim da cristandade permite olhar com mais serenidade a proposta inicial de Jesus e captar os aspectos que a instituição modificou ao longo do tempo.
Uma comunidade de discípulos e discípulas iguais, cuja igualdade se baseia no único batismo, exige um estilo de igualdade também nos guias de comunidade. Os seminários serviam para oferecer percursos de formação para os futuros presbíteros. A partir de agora será a comunidade que cuidará disso. Família e comunidade são os ambientes existenciais mais adequados para o caminho de formação humana daqueles que serão guias de comunidade. Será também necessário trabalhar na proposta cultural que deverá ser fornecida para os futuros guias. Um percurso muito mais simples, mais atento às temáticas da atualidade, conectado às faculdades de humanidades já existentes e integrado a propostas locais que podem ser modificadas de ano para ano.
Os guias de comunidade que presidem à Eucaristia devem ser pessoas adultas, com um caminho de vida evangélica às suas costas reconhecido pela comunidade. A ideia de que jovens de 25 anos possam presidir à Eucaristia numa comunidade, pelo simples fato de terem concluído um percurso de estudos, é realmente pouco evangélica. Mais do que anos de estudos, certamente importantes, o critério de discernimento para indicar um guia de uma comunidade reunida para celebrar a Eucaristia deveria ser o estilo de vida, um estilo transparente reconhecido pelos membros da própria comunidade. Trata-se de partir o pão da Palavra e da Eucaristia, que indica o estilo de amor gratuito e desinteressado de Jesus, a sua sede de justiça, o seu amor pelos pobres, pelos excluídos, a sua busca constante por caminhos de paz.
Pois bem, quem celebra deveria ser uma pessoa que vive esse estilo há anos, de forma tão evidente que seja reconhecida pela própria comunidade. É o que importa: viver o Evangelho, ser discípulos e discípulas do Senhor. Para sair das lógicas de egoísmo e de autorreferencialidade estimuladas pelo instinto de sobrevivência, é necessária uma intensa e profunda vida comunitária, que coloque no centro o serviço gratuito e desinteressado aos irmãos e irmãs, especialmente aos mais pobres, fracos e indefesos. É entre aqueles que se destacam no serviço humilde que os futuros guias serão indicados.
Desse aspecto deriva outro de grande importância. Na minha opinião, no caminho de Igreja que se forma sobre os escombros da cristandade, a comunidade não deveria mais se submeter passivamente à nomeação de seu guia, mas deveria ser envolvida.
Sabemos que nos primeiros séculos a escolha de um bispo muitas vezes se fazia por indicação do povo. O caso mais marcante é a eleição de Agostinho como bispo de Hipona. O envolvimento do povo na escolha do guia de comunidade seria um sinal claro da saída, por um lado, da mentalidade hierárquica sempre subjacente e nunca abandonada, que revela uma orientação autoritária e uma interpretação do poder que não deixa espaço para a imaginação; pelo outro, manifestaria o envolvimento efetivo dos leigos na vida da comunidade.
De fato, apesar das proclamações e de tantos documentos, é visível a clara separação entre clero e laicato. Um guia escolhido entre as pessoas e pelo povo seria um gesto que indicaria uma contratendência de estilo e marcaria o início de uma Igreja realmente povo de Deus. Seria a comunidade que indica ao bispo o guia escolhido entre as pessoas da própria comunidade e, após um caminho de discernimento, chegaria à nomeação. Dessa forma, tornar-se-ia visível que a escolha do guia da comunidade, mais do que estar baseada em critérios meritocráticos, típicos da mentalidade individualista que pouco tem a ver com o Evangelho, evidenciaria a disponibilidade para a vida comum, para o serviço humilde, para a escuta, todos elementos que não se aprendem nos livros, mas se assimilam a partir de uma vivência cotidiana animada pelo desejo de seguir o Mestre.
Continuando por essa linha, é possível perguntar-se: por que uma pessoa deve ser por toda a vida um guia de comunidade? De fato, a abordagem que estou apresentando levanta a questão do significado da vocação, que sempre teve um valor subjetivo e pessoal.
Se a escolha não é mais individual, mas comunitária, no sentido de que é a comunidade que indica o candidato e não vice-versa, pode ser um serviço temporário, um período estabelecido em conjunto com os membros da comunidade, também a partir da situação pessoal do candidato. Esse aspecto ajudaria a dissipar a aura de mistério em torno do escolhido, como se fosse um escolhido por Deus.
O período à frente da comunidade também poderia ser exercido por um casal, que recebe o sacramento da Ordem e, ao final do mandato, pode desempenhar outras tarefas. Se o centro do caminho de fé indicado pelo Evangelho é a comunidade, então deveria ser revista desde as raízes a teologia do sacramento da ordem sagrada.
Creio que, perante as mudanças marcantes, como a que estamos acompanhando, torna-se importante não se apegar às tradições como se fossem pedaços de mármore maciço, mas deixar-se guiar pelo Espírito Santo que sopra onde quer. Em última análise, as comunidades cristãs não são chamadas a proteger o passado, mas a viver no presente a novidade do Evangelho de Jesus, acolhendo com docilidade e disponibilidade o seu Espírito.
Por fim, essa forma de ministério não deveria ser remunerada. O guia de comunidade, de fato, é uma pessoa que realiza o seu trabalho e preside à Eucaristia dominical. Além disso, lidera os órgãos de coordenação da comunidade. Isso significa que na comunidade os diversos serviços são assumidos por várias pessoas de modo gratuito. Isso vale para funerais, casamentos, catequese, pastoral juvenil e outros serviços ainda. Portanto, não haverá mais necessidade de nenhum órgão administrativo em nível diocesano, como a sustentação do clero e nem mesmo de um imposto de estado como os oito por mil do importo de renda na Itália. Quem guia a comunidade terá que ser uma pessoa que se sustenta com o próprio trabalho. Isso permitiria que os guias fossem mais livres, menos dependentes da comunidade de um vínculo de tipo econômico. É como pessoas livres que temos a possibilidade de acompanhar os irmãos e as irmãs no caminho da liberdade dos filhos e das filhas de Deus vivida por Jesus.
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Presbíteros guias de comunidade: qual discernimento? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU