05 Mai 2023
Há uma transição do Sínodo dos Bispos, instituído por Paulo VI em 1965, para o corpo sinodal que agora está tomando forma com o Papa Francisco. Com quais consequências?
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos Estados Unidos, em artigo publicado por La Croix International, 04-05-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Sínodo dos Bispos está programado para realizar duas assembleias focadas no tema da sinodalidade – uma em outubro próximo e a outra exatamente um ano depois. Elas abrirão uma nova era na história dessa instituição que Paulo VI criou em 1965 durante a quarta e última sessão do Concílio Vaticano II.
As próximas assembleias do Sínodo apresentarão diferenças significativas em comparação com as anteriores, até mesmo aquelas realizadas entre 2014 e 2019 sob o Papa Francisco. Esse é o resultado das modificações que o atual papa fez no mês passado em sua constituição apostólica Episcopalis communio de 2018.
Os antigos estatutos do Sínodo dos Bispos estabeleciam que os membros votantes das assembleias sinodais se limitavam aos bispos – aqueles eleitos por seus coirmãos ou nomeados diretamente pelo papa – e a 10 clérigos que chefiam as congregações religiosas masculinas. Agora, serão cinco homens e cinco mulheres, eleitos respectivamente pela União dos Superiores Gerais (USG) e pela União Internacional das Superioras Gerais (UISG).
Existiam vários auditores (muitos deles leigos) que não tinham direito a voto. Agora serão 70 membros não bispos (incluindo clérigos, leigos e leigas) que serão escolhidos pelo papa a partir de uma lista de 140 pessoas escolhidas (e não eleitas) por sete organismos episcopais internacionais (a CCEE para a Europa, o Celam para a América Latina, a USCCB com a CCCB para a América do Norte, a Secam para a África, a FABC para a Ásia, a FCBCO para a Oceania e a Assembleia dos Patriarcas das Igrejas Orientais).
Essa “extensão da participação na Assembleia Sinodal aos ‘não bispos’ (presbíteros, consagrados e diáconos consagrados, leigos e leigas)” representará menos de 25% do total de cerca de 370 membros esperados. Obviamente, o Romano Pontífice tem o direito de nomear outros “não bispos” como membros, e, pela primeira vez, os países que não têm uma conferência episcopal – como Luxemburgo, Mônaco, Estônia e Moldávia – também poderão eleger um representante à assembleia.
Mas a mudança mais importante é a presença dos 70 membros votantes não bispos e o fato de que 50% deles serão mulheres. Isso é um marco, se considerarmos que o Papa Paulo VI – que criou o Sínodo dos Bispos no fim do Vaticano II – convidou 23 mulheres para assistir ao Concílio como auditoras, mas apenas nas duas últimas sessões (1964 e 1965). As mulheres pediram para ser admitidas como auditoras antes mesmo do início da primeira sessão. Elas acabaram sendo convidadas um ano depois que os homens leigos foram admitidos.
O entusiasmo com as mudanças que o Papa Francisco fez se justifica. Agora, teólogos e historiadores estão começando a olhar para o Sínodo com interesse, como deveriam. Desde a eleição do papa jesuíta, ele vem evoluindo e desenvolvendo essa instituição de uma maneira que se afasta, de algum modo, da forma que foi dada por seu fundador, Paulo VI, e confirmada por João Paulo II e Bento XVI.
Mas também é importante olhar para o quadro geral do novo Sínodo. O que não muda é que ele é apenas consultivo e não tem nenhum poder deliberativo, a menos que seu presidente – o papa – decida concedê-lo. E, em todo caso, os bispos mantêm uma supermaioria. No entanto, um quinto dos membros de uma assembleia do Sínodo serão não bispos. Isso pode mudar a situação de uma forma significativa.
Mas, cuidado, ele não se torna o parlamento da Igreja Católica. Mesmo para aqueles que são eleitos (os membros das ordens religiosas pela USG e UISG, e os bispos pelas conferências episcopais), sua eleição deve ser confirmada pelo papa. “Se alguém for eleito pelas realidades eclesiais competentes para cada ‘tipologia’ de membros (bispos ou não bispos) da assembleia, não é automaticamente membro da assembleia. De fato, todas as eleições devem ser ratificadas pelo Romano Pontífice”, diz a nova modificação emitida por Francisco.
É por isso que os nomes dos membros sugeridos devem ser enviados à Secretaria Geral do Sínodo com sede em Roma cinco meses antes da abertura da assembleia – ou seja, no início de maio.
Uma questão diz respeito à inclusão de leigos e leigas. Uma certa ênfase na mídia sobre a participação de leigos e leigas no Sínodo – especialmente das mulheres – é típica da nossa cultura que enfatiza a “identidade”. Mas ter na sala leigos e leigas com direito a voto será importante apenas na medida em que tenham experiência, sabedoria, conhecimento das questões e compreensão do Sínodo da maneira como Francisco o entende. Caso contrário, será a versão vaticana da já conhecida aplicação burocrática da ênfase na “diversidade e inclusão”.
Isso nos leva ao modo como os leigos e as leigas terão acesso à assembleia sinodal. Poderia ter se deixado que as conferências episcopais os nomeassem ou permitissem que outros órgãos representativos do laicato os elegessem. Ao invés disso, a escolha será feita por Roma, a partir de listas elaboradas por homens que foram nomeados bispos por Roma, até porque não existem organismos que representem ou reúnam os leigos e as leigas católicos em nível universal ou internacional.
Será muito revelador ver como as autoridades da Igreja escolherão os leigos e as leigas para serem membros de uma assembleia do Sínodo – especialmente que tipo de leigos e leigas. Além das chefes de ordens religiosas femininas, haverá também representantes de movimentos e associações? Mas de que tipo? Haverá teólogos, intelectuais, políticos católicos? Representantes das vítimas de abuso? Mulheres encarregadas de organizações que defendem o diaconato e o sacerdócio femininos? Haverá defensores da inclusão radical de católicos LGBTQ? E quanto aos proponentes da missa em latim pré-Vaticano II?
Não é apenas um problema de diversidade “ideológica” na Igreja. Quando a sinodalidade cruza o limiar da idealização ingênua da mudança, surgem problemas muito práticos que não temos quando aqueles que são chamados a participar de eventos eclesiais de uma semana de duração como as assembleias do Sínodo em Roma são todos celibatários e trabalham em tempo integral para a Igreja.
Os jovens e as famílias estarão presentes? Mães ou pais com filhos pequenos? (Um problema semelhante diz respeito à inclusão de leigos e leigas – particularmente de mulheres – na nova Cúria Romana reformada pela Praedicate Evangelium em 2022.)
Francisco tem medo do elitismo na sinodalidade, mas apenas um certo tipo de elite católica pode realisticamente deixar tudo para trás – trabalho e família – e ir a Roma por um mês inteiro para uma assembleia do Sínodo. Por exemplo, ter na assembleia empregados leigos em tempo integral (ou seja, aqueles que trabalham nas dioceses, na Cúria Romana e nas organizações católicas) dificilmente tornará o Sínodo mais representativo das preocupações do Povo de Deus. E isso tem pouco ou nada a ver com as visões teológicas diferentes e às vezes opostas na Igreja hoje.
Também é interessante o fato de que será o papa quem indicará quais representantes da Cúria Romana deverão participar do Sínodo, enquanto antes os chefes dos dicastérios eram membros ex officio. O novo arranjo pode criar mais distância entre o papa, a Cúria e o Sínodo, cuja secretaria tem sede em Roma, mas não faz parte da Cúria Romana.
A era em que a Cúria pilotava os Sínodos acabou – pelo menos durante o pontificado de Francisco. Mas isso pode criar mais ressentimento na Cúria – uma instituição que está fadada a sobreviver a qualquer papa e estará lá também para ajudar a celebrar o conclave e contribuir (ainda que silenciosamente) para a eleição do próximo papa. Além disso, seria importante que todos as altas autoridades da Cúria ouvissem e interagissem com os Padres e Madres sinodais.
Coisas muito interessantes certamente ocorrerão com o Sínodo nos próximos meses. Mas, olhando para sua história como instituição, a assembleia de outubro certamente será mais representativa (pelo menos visualmente) dos vários componentes da Igreja. Ao mesmo tempo, no entanto, também poderia ser menos representativa (no sentido da representação “constitucional”) desses componentes. Isso tem a ver com a forma como os membros leigos devem ser escolhidos. De fato, seus perfis serão muito reveladores.
As recentes mudanças que o Papa Francisco fez na constituição do Sínodo podem acabar sendo um movimento centralizador. A passagem da “colegialidade episcopal” (o Sínodo dos Bispos criado por Paulo VI) para a “sinodalidade eclesial” (o Sínodo de acordo com Francisco) poderia, paradoxalmente, dar mais poder ao papado. E é uma mudança que pode significar algo muito diferente depois de Francisco, quando houver outra pessoa na Cátedra de Pedro.
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Um Sínodo menos episcopal, mas talvez mais papal? Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU