24 Março 2023
O italiano Carlo Rovelli, físico teórico e escritor, define seu último livro, Helgoland, como “uma longa meditação sobre a mecânica quântica”. Ela, diz Rovelli, está no centro da escuridão da ciência. Mais do que explicar como entendê-la, o que talvez esteja fazendo no livro é tentar explicar por que a sua compreensão é tão difícil. “Exige que renunciemos a tudo que parecia sólido e imexível em nossa compreensão do mundo. Exige lançar o olhar para um abismo, sem medo de afundar no insondável”, destaca.
A reportagem é de Ezequiel Alemian, publicada por Clarín-Revista Ñ, 22-03-2023. A tradução é do Cepat.
Certamente, como um recurso acadêmico, conforme avança, Helgoland vai dizendo o que está querendo explicar, em que ponto dessa explicação está e para onde se dirigirá depois. No entanto, contra qualquer ideia de sistematização rígida, há uma palavra que Rovelli utiliza várias vezes: “divagar”.
De fato, quase tudo que o livro vai dizer, como expectativa de sentido, já está dito no prólogo. Em Helgoland, Rovelli retorna quase ritmicamente ao que foi proposto, com abordagens a partir de diferentes lugares.
Neste ponto, o cientista se torna, digamos assim, poético, e o objeto em questão (as partículas elementares) se transforma em uma construção imaginária que o autor vai desenvolvendo com uma enorme capacidade de sedução. Como já havia demonstrado no conciso Sete breves lições de física, é a composição do livro que faz de Rovelli um ensaísta de primeira grandeza. “Para Ted Newman, que me fez entender que eu não entendia a mecânica quântica”, diz a dedicatória.
E em Helgoland, mais do que nos contar algo, e ao mesmo tempo que está nos contando algo, questiona a respeito do significado do que está nos dizendo. O tema do livro é esse não saber bem o que se está contando, que é o não saber bem como funciona o mundo a partir da teoria quântica.
A visão clássica do mundo é uma alucinação que não se confirma mais. “É como se não existisse... a realidade”, aponta. Rovelli desenvolve uma teoria científica como se fosse um objeto imaginário que não só desafia “a gramática conceitual de nosso modo de pensar o mundo”, como também não propõe outra. “O mundo fragmentado e insubstancial da teoria quântica é, no momento, a alucinação em melhor harmonia com o mundo”.
A mecânica quântica significa a extinção de qualquer tipo de gostinho metafísico na natureza das coisas, o que, por sua vez, significa a própria extinção de uma natureza das coisas. Não há substâncias com atributos. Tudo o que é possível dizer sobre o mundo entra no campo das invenções linguísticas, limitado por duas descobertas:
1) não há propriedades fora das interações;
2) as propriedades de um objeto que são reais em relação a um segundo objeto não são necessariamente reais em relação a um terceiro.
“Helgoland com sua única árvore”, escreve Joyce, em Ulisses, que Umberto Eco descreveu como o primeiro livro quântico. Helgoland é uma ilha desolada no Mar do Norte, sem pólen, para a qual, em 1925, o físico alemão Werner Heisenberg, de 23 anos, viajou para aliviar sua alergia. Obcecado com o comportamento dos elétrons, que saltam da órbita ao redor do núcleo do átomo, sem que nenhuma força pareça conduzi-los, nesse local, Heisenberg chega à conclusão de que a teoria descreve apenas observações e que as leis da natureza não são deterministas.
Um grupo de cientistas muito jovens e ousados desenvolveu e expandiu esses postulados. Por suas várias contribuições, foram reconhecidos com o Prêmio Nobel. Junto ao que Einstein recebeu, em 1921, somaram-se os de Niels Bohr (1922), Louis de Broglie (1929), o próprio Heisenberg (1932), Erwin Schrödringer e Paul Dirac (1933), Wolfgang Pauli (1945) e Max Born (1954).
Em abril de 1947, em Helgoland, os ingleses explodiram 1.700 toneladas de material bélico abandonado pelos alemães, a maior detonação da história com explosivos convencionais. A ilha foi destruída, diz Rovelli, “como se a humanidade quisesse apagar com ela a fresta aberta, naquele local, pelo jovem Heisenberg”.
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Carlo Rovelli e a melhor alucinação do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU