Para o físico italiano Carlo Rovelli, a ciência e a arte têm em comum o fato de reconhecerem que a realidade é um conjunto mais complexo do que aquilo que podemos ver. O estudo da mecânica quântica oferece uma leitura do mundo que nos rodeia como um conjunto constituído por uma rede de relações entre entidades, longe de uma visão política que tenta circunscrever tudo em categorias.
A entrevista é de Giovanni Collot, publicada por Il Grand Continent, 05-08-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A ilha alemã de Helgoland, que dá o título a seu último livro, é o lugar onde Werner Heisenberg descobriu os fundamentos da física quântica. O que há de especial na ilha?
Helgoland, no Mar do Norte, é particular sob muitos pontos de vista. É uma ilha pequena (menos de um quilômetro quadrado), solitária, despojada, extrema, batida pelo vento do Norte. Goethe descreveu-a como um lugar na Terra que exemplifica o fascínio sem fim da Natureza – uma sugestão que retorna no próprio nome da ilha, que, em alemão antigo, significa “terra sagrada”. Nessa ilha, em Heligoland, Werner Heisenberg passou um período solitário no verão de 1925, imerso nos cálculos para entender como funcionam os átomos.
A história diz que ele foi para Helgoland porque a escassez da vegetação aliviava os sintomas da sua alergia, mas eu não consigo deixar de pensar que o que também desempenhou um papel foi a lenda de que Helgoland havia sido o esconderijo do terrível pirata Störtebeker, que Heisenberg amava desde criança. Quem pode dizer o quanto o lugar influenciou na descoberta, ou em geral, o quanto os lugares contribuíram para os momentos de criação? Talvez seja mais fácil ter uma ideia extrema em uma ilha extrema do que pegando o metrô.
Porém, para o seu livro – que apresenta e interpreta a teoria dos quanta –, você escolheu precisamente o nome da ilha como título. O que motivou a sua escolha?
A mecânica quântica nasceu em muitos lugares, de Viena a Zurique, de Copenhague às montanhas suíças, graças ao trabalho de muitas pessoas diferentes. Mas o momento realmente crucial que abriu o caminho para a nova compreensão do mundo é a passagem de Werner Heisenberg pela ilha de Helgoland. Foi aí que nasceu a ideia-chave, que está na base de todo o resto – a das matrizes.
Esse fato é reconhecido pela comunidade científica, tanto que Werner Heisenberg é o único que recebeu o Prêmio Nobel simplesmente pela descoberta da mecânica quântica. Mas, na minha opinião, muitas vezes ele é esquecido, e pensamos antes na formulação da mecânica quântica dada por Erwin Schrödinger, na qual as partículas são tratadas como ondas. Eu acho que é um erro. Por isso, quis, por meio do meu livro, chamar a atenção novamente para o verdadeiro momento do nascimento da teoria, em Helgoland, para enfocar aquela que, na minha opinião, é a ideia-chave.
De modo mais geral, há lugares que favorecem mais do que outros as invenções ou as descobertas?
Diz-se que Arquimedes compreendeu os princípios da flutuação em uma banheira. Newton teve as suas intuições fundamentais durante um retiro no campo devido a uma grande epidemia. Schrödinger escreveu a sua célebre equação (a função de onda) durante uma fuga amorosa nas montanhas com uma amante secreta. A mente humana é complicada, não sabemos o que guia os seus percursos.
Você fala de grandes homens que tiveram um “momento fatal” de revelação, para citar Stefan Zweig. Até onde o progresso da pesquisa científica está ligado a pontos de virada que se deveram a gênios individuais e solitários, e até onde ela é fruto de desenvolvimentos graduais e coletivos?
A ciência é uma obra coletiva. Cada um traz a sua pedrinha e a acrescenta ao topo do castelo já construído por outros. A ciência é organização coletiva do nosso saber sobre o mundo. Mas isso não exclui que haja momentos particulares e indivíduos específicos que fizeram contribuições cruciais e que representam momentos de virada. Eles não poderiam ter feito isso sem o trabalho de todos os outros que os precederam; mas, sem eles, sem essas viradas repentinas, provavelmente não teríamos chegado onde estamos.
Niels Bohr dizia que “quem não ficar chocado na primeira vez que entrar em contato com a teoria dos quanta não a entendeu”. Porém, embora inexplicável, ela demonstrou um indubitável sucesso. Por que ela funciona tão bem?
É a melhor teoria científica que temos: ela está na base de grande parte da tecnologia contemporânea, esclareceu o funcionamento de inumeráveis aspectos da natureza. Acima de tudo, ela é a única teoria que até hoje nunca errou. Ao mesmo tempo, porém, é uma inversão total do modo como estamos acostumados a pensar sobre o mundo físico. Por isso, certamente podemos falar de uma verdadeira “revolução quântica”.
Poderia explicar melhor em que consiste essa inversão do modo de pensar?
Antes da mecânica quântica, podíamos imaginar o mundo físico feito de objetos isolados, cada um com propriedades variáveis que determinam o seu estado. Por exemplo, uma pedra: em um certo momento específico, ela está em uma certa posição e se move a uma certa velocidade. Depois da descoberta da mecânica quântica, sabemos que esse modo de ver o mundo físico não funciona. As propriedades dos objetos físicos não descrevem o estado de um objeto isolado: descrevem apenas o modo em que influenciam os outros objetos.
Na sua carreira, você se mudou da Itália para os Estados Unidos, para depois se estabelecer no sul da França, onde, desde 2000, dirige o Quantum Gravity Group do Centro de Física Teórica da Universidade Aix-Marseille. Até onde essa experiência de superação das fronteiras contribuiu com a sua visão de mundo?
Certamente, viver em países diferentes e viajar muito contribuiu com a minha visão do mundo. Todos os seres humanos se assemelham muito. Mas também se diferenciam por uma vasta diversidade de ideias, atitudes, crenças, leituras do mundo. De um país ao outro e de uma região à outra dentro do mesmo país, as ideias são diferentes, assim como o são entre grupos diferentes, classes sociais diferentes, áreas culturais diferentes. Essa variedade é uma riqueza imensa. É o terreno fértil do qual brotam as novas ideias. Nós aprendemos e enriquecemos o nosso pensamento continuamente cruzando diversidades.
A sua carreira como físico, poderíamos dizer, também está na fronteira entre dois mundos: você nasceu (profissionalmente) em um mundo explicado pela física newtoniana, mas agora nos encontramos cada vez mais em um mundo quântico. Como você vivenciou essa mudança de paradigma?
Eu acredito que é o contrário. A minha carreira de físico não nasceu em um mundo explicado pela física newtoniana: eu pertenço à primeira geração que estudou a física, na universidade, quando a extraordinária eficácia da teoria quântica já estava plenamente adquirida. O meu professor de mecânica quântica na Universidade de Bolonha foi Bruno Ferretti, que era o “rapaz jovem” do grupo de pesquisa de Enrico Fermi e que, na juventude, acompanhou passo a passo o conturbado nascimento da teoria quântica. Quando eu a estudei, não era mais uma estranha novidade. Já era claramente a melhor descrição do mundo físico fundamental que tínhamos à disposição. Havia chegado o momento de levá-la realmente a sério.
Porém, a teoria quântica ainda é obscura e distante dos especialistas.
O motivo pelo qual é difícil esclarecer o que descobrimos sobre o mundo com a mecânica quântica é o fato de que, na realidade, não está totalmente claro para ninguém. A comunidade científica está profundamente dividida sobre o modo de pensar a teoria.
Voltemos por um instante para a França. Quais são as suas relações com o país? O que ele representa para você?
Sou muito grato à França. Ela me acolheu de braços abertos e me deu os meios para fazer crescer o maravilhoso grupo de pesquisa com o qual fiz e fazemos tanta ciência. Depois de uma década nos Estados Unidos, eu tinha muita vontade de voltar para a Europa, e a França me permitiu fazer isso da melhor maneira possível. Além disso, também estou ligado à França por outra razão, mais remota no tempo: ela foi o destino da minha primeira viagem sozinho.
Aos 14 anos, soube que na França, em Taizé, perto de uma estranha comunidade monástica interconfessional e anticonformista, reuniam-se jovens de todos os tipos, para falar e se encontrar. “Em busca”, como se dizia na época. Decidi ir para lá, sozinho, pedindo carona, certamente não fazendo a felicidade dos meus pobres pais. Foi um momento belíssimo: permitiu-me saborear a liberdade, as estradas do mundo, encontrar pessoas diferentes, contar e escutar. Acima de tudo, significou a descoberta dos vastos espaços do pensamento de quem é diferente de nós. Foi uma experiência esplêndida.
Falando de modo geral, para um italiano como eu, os franceses são primos um pouco diferentes. Em geral, os italianos geralmente estão convencidos de que a Itália não vale nada. Parece-me que os franceses não acham a mesma coisa da França. No fim, porém, obviamente, a variedade das pessoas, das culturas locais, da complexidade cultural, social e ideológica é bem superior a essas divisões em países, às quais se dá peso somente porque os Estados nacionais se esforçam, por motivos políticos, para construir e alimentar identidades nacionais que são deletérias.
Falando de nações: tradicionalmente existem escolas nacionais de pesquisa em física, com visões diferentes, interpretações diferentes, como ocorre em outras disciplinas (estou pensando por exemplo na economia), ou as diferenças não são de âmbito nacional, mas de outros âmbitos mais transversais?
Em geral, as diferenças são transversais às nações. No máximo, as escolas nacionais conseguem dar uma cor particular ao estilo da pesquisa, mas a ciência é desde sempre, naturalmente, um empreendimento fortemente cross-cultural.
Ainda falando de fronteiras, a cultura e a pesquisa são cada vez mais especializadas. Ainda há valor na pesquisa científica para o fato de pôr em diálogo disciplinas diferentes?
Acredito que o vento já mudou de direção. Fala-se de interdisciplinaridade por toda a parte. Para quem faz ciência hoje, é mais fácil obter financiamento para a pesquisa colaborando fora da própria disciplina. E eu talvez receba tantos pedidos de colaboração de artistas quanto de cientistas: muitos artistas me pediram para fazer algo juntos, ou simplesmente para conversar, ou para usar os meus textos em instalações. Uma bela amizade também nasceu com alguns deles: por exemplo, com Luca Pozzi, um bravíssimo jovem artista italiano.
Objetos que eu construí para as minhas pesquisas acabam sendo reutilizados muitas vezes em mostras de arte. O pedido mais emocionante para mim foi um convite de David Hockney, um dos mais importantes pintores britânicos: fui encontrá-lo na Califórnia, onde ele mora, e foi muito bonito conversar com ele sobre a realidade. Os artistas talvez saibam tão bem quanto os cientistas que a realidade é mais complicada do que aquilo que se vê.
Uma das chaves principais da sua leitura “relacional” da física quântica é que o mundo é feito de relações e interações: nada existe senão em relação com o outro. Uma visão com consequências profundamente “políticas”. A física teórica poderia indicar caminhos para a política?
Eu acho que nenhuma disciplina ou nenhuma parte da nossa complexa cultura propriamente “indica o caminho” para as outras. Mas todas se influenciam forte e constantemente umas às outras. A leitura racional do mundo não nasce da física teórica. Basta pensar na antropologia, na linguística ou justamente nos grandes pensadores políticos, por exemplo Alexander Bogdanov. Ao contrário: a física permaneceu por muito tempo ancorada em uma ideia não relacional do mundo, vendo-o como um fato de substância com propriedades definidas.
Na minha opinião, o que é extraordinário na mecânica quântica é o fato de ela pôr em discussão essa leitura do mundo e sugerir que pensar o mundo físico até mesmo mais elementar em termos de relações é mais eficaz. Isso fortalece, por tabela, todo pensamento relacional, também em nível político. A nossa realidade social não é feita de indivíduos, classes, Estados e nações. É feita do tecido das relações entre essas entidades. Eu acho que grande parte da política hoje, particularmente da política internacional, é imprudente: procuramos adversários sobre os quais queremos prevalecer ou dos quais queremos nos defender, em vez de colaborar para o benefício comum.
A física quântica abre a um mundo espetacular e mutante, mas também aterrorizante, no qual as certezas adquiridas parecem desmoronar. Como encontrar o justo equilíbrio entre admiração e cinismo?
Por que aterrorizante? Eu acho mais aterrorizante a rigidez da visão clássica do mundo. Acho mais aterrorizante ficar preso dentro de certezas que, no fundo, no fundo, sabemos que são ilusórias. Não há nada de aterrorizante na falta de certezas. Pelo contrário, há a leveza da vida, da liberdade e do prazer de poder soltar as amarras para ir aprender coisas novas.