Entrevista com Anna Zafesova - jornalista do La Stampa - sobre a sociedade russa após a fuga de muitos cidadãos após a mobilização declarada por Vladimir Putin e quase oito meses após o ataque à Ucrânia.
A entrevista é de Giordano Cavallari, publicada por Settimana News, 15-11-2022.
Prezada Anna, quantos russos deixaram a Federação desde a declaração de 21 de setembro?
Não temos números exatos. Sabemos por fontes não oficiais – em todo caso atribuíveis ao governo russo – que nos primeiros dez dias do chamado às armas, como resultado da mobilização parcial, mais de um milhão de pessoas deixaram a Rússia.
Outros dados podem ser conseguidos de países limítrofes de expatriação - como Quirguistão ou Uzbequistão - que forneceram números sobre o cruzamento de suas fronteiras: no entanto, não podemos saber quantas pessoas as cruzaram por outros motivos além do medo de recrutamento, assim como não podemos saber quantas continuaram para outros países ou mais tarde retornaram à Rússia. No entanto, mesmo esses dados parciais confirmam a hipótese de um fenômeno de dimensões significativas.
É verdade que, passados os primeiros dias e semanas, o êxodo diminuiu, por várias razões. Uma delas é que a Federação Russa começou a bloquear a saída de homens sujeitos a obrigações de recrutamento. Muitos, a essa altura, não tentaram mais sair, porque estavam tomados pelo medo de serem presos nas fronteiras.
Então começou um êxodo alternativo - dentro da Rússia - para não ser encontrado em casa ou no local de trabalho: mas é claro que deste não temos, nem podemos ter, números precisos. Tenho sinais indiretos: muitos moscovitas dizem, por exemplo, que sua cidade parece mais vazia, que há menos gente em circulação e que as lojas estão menos lotadas, assim como bares e restaurantes.
Outro índice indireto é a quantidade de apartamentos colocados à venda e a relativa queda de seus preços, principalmente nos bairros nobres de Moscou e arredores.
A migração afetou as grandes cidades da Rússia, mais do que os centros urbanos das regiões? Para onde?
Sim, o fenômeno afetou principalmente grandes cidades como Moscou e São Petersburgo. O êxodo ocorreu principalmente para países que aceitam cidadãos russos sem passaporte para o exterior, ou seja, apenas com documentos de identidade internos, portanto, sobretudo para a Geórgia, no Cáucaso.
Outros russos - em menor número - fugiram para países onde é exigido passaporte. Considerando que menos de um terço dos russos possuem passaporte, é provável uma seleção por classe, padrão de vida, ideias, costumes, instrumentos culturais já adquiridos em viagens anteriores e frequentes ao exterior.
Certamente quem decidiu ir embora tinha e ainda tem recursos financeiros: senão não é fácil partir com toda a família ou mesmo sozinho sem recursos. Lembro que a maioria dos russos, segundo uma pesquisa de opinião pública - que acredito ser confiável - declara que não tem poupança, ou seja, gasta tudo o que ganha para viver.
Quem foi embora?
O perfil dos que saíram pode ser descrito como aqueles que solicitaram abertamente asilo ou autorizações de residência temporária nos países de transferência: lá eles alugam apartamentos e pagam os tributos para as operações corriqueiras.
Vejamos o caso da Geórgia: o custo dos apartamentos já atingiu níveis muito elevados. Segundo estimativas georgianas, há quase meio milhão de russos no país, somando os que saíram no início da guerra, entre fevereiro e março, e os que saíram com a segunda onda produzida pela mobilização, entre setembro e outubro.
A mobilização acabou ou não?
A impressão do exterior é que o efeito produzido pela declaração de mobilização não se tenha extinguido de forma alguma.
Como dizia e tenho a certeza, ainda há muitos russos que estão mudando de casa, que têm o cuidado de não abrir a porta a quem bate, que tiram férias ou se dizem doentes para não serem encontrados no escritório ou na fábrica; vão para o campo, escondem-se nas dachas de aldeias remotas onde esperam não ser alcançados por militares e polícias. Não temos números desses fatos, mas uma sensação generalizada.
Quanto ao fim da mobilização – como costuma acontecer na Rússia – está se apostando na incerteza. Putin e o ministro da Defesa, Shoigu, anunciaram repetidamente que a mobilização acabou, com um convite - implícito - ao retorno do pessoal que foi embora.
Mas numerosos testemunhos chegam da Federação Russa de que a mobilização ainda não acabou: as cartas de recrutamento continuam a chegar. Além disso, a situação do exército russo na Ucrânia não melhorou em nada. A taxa de mortalidade entre os combatentes continua muito alta.
O que sabemos sobre aqueles que vão para a guerra na Ucrânia como novos recrutas? Segundo alguns relatos, a expectativa média de vida dos recrutas que chegam ao front é de duas semanas. São pessoas não treinadas, enviadas para lutar em poucos dias, mal equipadas, até mal alimentadas e sem remédios.
Isso pode ser constatado em comunicados de monitoramento nas redes sociais, e-mails e cartas enviadas às famílias. Entende-se que houve muitas vítimas, especialmente no último mês. Pouco mais de um mês se passou desde o início do recrutamento e já chegam várias mensagens do exército às famílias comunicando a morte do familiar em combate.
Então o governo continua a recrutar?
É sintomático que Putin insista em afirmar publicamente que a mobilização acabou. A certa altura, pressionado, chegou a se justificar alegando que não era necessário um segundo decreto seu, após o primeiro, para a parar. Então não tem um decreto, mas, segundo o presidente, a mobilização parou.
Este é um indício claro, a meu ver, de que o governo tem perfeita consciência da impopularidade da mobilização, mesmo entre aqueles que sempre o apoiaram.
Acho e temo que, jogando, como sempre, com a ambiguidade, Putin possa induzir muitos que fugiram a retornar à Rússia. Estes não podem se permitir viver no exterior pelo resto de suas vidas longe de suas famílias e sem trabalho.
Recordo que a maioria dos homens deste segundo êxodo não coloca grandes objeções ideológicas a Putin, ao contrário dos que partiram nos anos anteriores ou na primeira hora da guerra: estão, portanto, mais inclinados a regressar.
Há um fluxo de russos também em direção à Europa?
A Finlândia foi a principal porta de entrada direta para a Europa: bem, desde as primeiras semanas de outubro, a Finlândia fechou suas fronteiras para os cidadãos russos dotados apenas do visto de turista. Todas as facilitações em vigor foram revogadas.
Somente os russos que conseguem fornecer às autoridades motivos válidos, como reencontro familiar, tratamento médico ou importantes motivos humanitários e culturais, podem agora entrar na Finlândia.
É difícil – para não dizer impossível – para os russos chegarem aos países europeus?
Não é impossível. A maioria dos países europeus – incluindo a Itália – não está impedindo a entrada de cidadãos russos. Existem países que aplicam rígidas restrições, como os Estados Bálticos, a República Tcheca e a Polônia. Mas as portas da Europa não estão fechadas. Claro que é difícil entrar diretamente.
A Europa só ser alcançada de avião a partir de um terceiro país, porque, como se sabe, as ligações aéreas diretas foram suspensas pelas sanções estabelecidas no início da guerra. Então, quem quiser chegar, por exemplo, à Itália, deve passar preferencialmente pela Turquia e não pelos Emirados Árabes Unidos.
Obviamente, é preciso ter vistos de turista ou vistos múltiplos emitidos por embaixadas europeias. Gostaria de lembrar que, ao longo dos anos, muitos russos obtiveram vistos para negócios, estudos, cultura ou porque possuem propriedades em países europeus. Portanto, ainda existem muitos motivos válidos para quem deseja entrar na Europa.
Cada país aplica suas próprias políticas a esse respeito, mas seguindo a indicação geral da União Europeia no âmbito do pacote de sanções aprovado em setembro: a indicação geral é dar mais atenção aos russos que visitam a Europa, verificando se podem ser perigosos para sua segurança. Estão sendo seguidos processos de obtenção de vistos mais complexos e as entradas estão sujeitas a maiores controlos.
Alguns países já estão aplicando ou estão discutindo a aplicação de vistos humanitários para aqueles que se sentem em perigo e querem deixar a Rússia.
A solução para esses casos não é simples: é possível obter o visto apenas nas grandes cidades da Rússia onde há consulados: alemão, italiano, francês, etc. Além disso, não está claro o risco que correm aqueles que solicitam um visto humanitário - um prelúdio para um pedido de asilo em um país europeu – enquanto ainda está no território da Federação Russa. Há muita reserva nesse aspecto, mesmo por parte das representações diplomáticas europeias, por razões compreensíveis.
Parece-me que a questão tenha despertado muito embaraço e posições divergentes na Europa.
Foi discutido e provavelmente ainda está sendo discutido. Certamente há posições conflitantes. Objetivamente, há países que correriam o risco de serem sobrecarregados a ponto de terem que montar campos de refugiados para os russos, outros países são totalmente indiferentes, outros ainda estariam prontos para abrir suas portas, mas sob certas condições.
Deixe-me dar o exemplo de Chipre, onde já existem muitos turistas russos e proprietários de imóveis, empresas e contas bancárias. Naturalmente, neste caso, um certo tipo de russos é interessante, aqueles mais ricos e com condições de levar dinheiro.
Com essas premissas, não creio que se chegue rapidamente a uma decisão comum em nível europeu.
Nos últimos meses, cidadãos russos também chegaram à Itália com a intenção de ficar?
Certamente houve e eu conheço alguns. Eu não tenho números. Deveriam ser solicitados ao Ministério do Interior. Os pedidos de asilo e proteção internacional são encaminhados aos departamentos do Interior, e não às representações diplomáticas. Não sei quantos dos que chegaram pretendem pedir asilo.
Eles vivem problemas que já discutimos: acima de tudo, têm medo de represálias contra familiares em casa. Efetivamente, conheço casos de perseguições, buscas, ameaças a famílias e pais. Muitos pensam e esperam que, no entanto, essa situação não dure muito.
Os russos chegaram à Itália com vistos de turista e – salvo alguns casos – não estão solicitando asilo, algo que não é tão simples – e rápido – de obter para todos os refugiados estrangeiros na Itália.
Os requerimentos devem ser acompanhados de documentos comprovativos do estado de perseguição. Aqueles que fugiram do chamado genérico de Putin às armas geralmente não trazem nenhum documento com eles. Cabe às autoridades italianas e europeias interpretar o fundamento do pedido de proteção.
Repito o que já disse: vemos casos de exilados russos que escaparam do chamado às armas, mas que por isso não começaram a entender e condenar os erros pelos quais a Rússia é responsável na Ucrânia ou a compartilhar boas ideias sobre direitos humanos ou democracia.
Infelizmente, também estou vendo cada vez mais casos de agressões a refugiados ucranianos por russos fora de seu país, por exemplo, na Alemanha. Portanto, considero justificada a prudência de muitos países europeus sobre o acolhimento aos russos.
Nos últimos dias, circulou a notícia do projeto de construção de um muro de centenas de quilômetros entre a Finlândia e a Rússia. O que você acha?
Penso que, se for construído, não será para travar ou impedir o êxodo humano de que estamos falando, mas por razões de segurança de duração muito diferente. A Finlândia sempre se sentiu ameaçada pela Rússia.
Recordo que a Finlândia foi vítima da agressão da União Soviética em 1940, de certa forma um modelo da agressão atual contra a Ucrânia: a chamada Guerra de Inverno foi perdida pela União Soviética porque a Finlândia conseguiu repeli-la. No entanto, o país agredido teve que ceder territórios que ainda estão em mãos russas, como a Carélia. As populações desses territórios foram obrigadas a fugir ou sujeitas a limpezas étnicas, ou à necessidade de esconder a sua identidade finlandesa.
Considero perfeitamente compreensível que a Finlândia se sinta ameaçada pela Rússia e aproveite a contingência atual para fortalecer defensivamente sua fronteira. Com a adesão da Finlândia à OTAN, a fronteira finlandesa está se tornando uma fronteira da OTAN.
Ainda não falamos do êxodo rumo ao Estado de Israel.
Muitos cidadãos russos foram para Israel nos últimos meses. Há algumas semanas, o próprio governo israelense anunciou o número de 60 mil pessoas, entre as que fizeram alliyah – ascendência – a Israel e as que realizaram o procedimento de cidadania israelense. Eles são cidadãos russos com raízes judaicas, embora bastante remotas.
Como se sabe, na Rússia, assim como na Bielo-Rússia, a diáspora judaica tem raízes muito profundas. Apesar das repetidas ondas de fuga e migração - causadas pelos pogroms e políticas antissemitas da URSS - bem como pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, ainda existem comunidades judaicas e numerosas pessoas que podem reivindicar tais origens. Tudo isso volta a ser atual novamente para aqueles – russos – que estão procurando um país para se mudar.
Judeus russos que não haviam ativado anteriormente essa opção agora estão recorrendo a ela. O fluxo que parecia praticamente parado ou reduzido a níveis endêmicos foi retomado após a década de 1990. A certa altura - recentemente - o governo israelense anunciou sua intenção de estabelecer voos adicionais da Rússia para "evacuar" os cidadãos judeus, caso sua estada fosse percebida por eles como perigosa.
Esse tipo de alliyah é bem aceita em Israel?
Certamente. Em Israel existe uma importante comunidade de origem russa. Os israelenses da Rússia são geralmente ricos, cultos, bem preparados e com excelentes capacidades profissionais. Eles são frequentemente empregados em ciência da computação, matemática e em pesquisa. Não surpreendentemente, o lado de língua russa em Israel – eleitoralmente – apoia a direita israelense.
Quanto pesa a componente religiosa nessa escolha por Israel, na sua opinião?
Na minha opinião, em última análise, a escolha religiosa é secundária. A maioria dos judeus na Rússia é secular, como resultado da educação "ateia" que receberam na União Soviética. Era então muito difícil, se não impossível, especialmente para os judeus, praticar abertamente sua religião.
Nos últimos anos, porém, estabeleceram-se boas relações entre as comunidades judaicas tradicionais e as autoridades de Moscou e das grandes cidades. Os judeus não tiveram e não têm problemas particulares em expressar suas origens, mesmo que sejam remotas.
No entanto, veremos o que acontecerá com isso: a ideologia do Russkij mir é fortemente nacionalista também do ponto de vista religioso e não pode deixar de implicar componentes antissemitas.
Quais são as reações das famílias russas e da sociedade em geral às notícias de mortes vindas da frente de batalha na Ucrânia?
Como dizia, notícias e reações passam principalmente pelos canais privados das famílias. As reações são controversas. Algumas mães ou alguns pais – entrevistados pelos meios de comunicação mais ou menos oficiais ou informais – justificaram a morte de seus filhos. Os psicólogos acreditam que se trata de uma elaboração um tanto inevitável: quando se perde um filho não é possível admitir que ele tenha morrido desnecessariamente ou por uma causa errada.
Muitas famílias, portanto, defendem que esses filhos morreram para defender sua pátria, cumprindo seu dever. Desta forma, eles se juntam claramente à retórica do Estado. A parte do protesto, portanto, não vem tanto das famílias envolvidas, como poderá vir mais tarde - segundo especialistas - do círculo mais amplo de amigos e colegas dos militares mortos, menos envolvidos emocionalmente.
Pelo que estou dizendo, fica claro que não há grandes reações: se houver, estão escondidas. Pensamos na campanha de convencimento alimentada pela Igreja Ortodoxa Russa, no patriarca e nos sacerdotes que continuam a dizer aos fiéis como é justo e glorioso morrer pela pátria. Por outro lado, o fato de tais justificativas serem continuamente oferecidas mostra o quanto elas são necessárias: é preciso encontrar uma justificativa ideológica – mesmo religiosa –para o que está acontecendo na Rússia.
Os caixões estão voltando da Ucrânia e testemunhos diretos falam de uma guerra mal organizada, com comandantes ameaçando soldados, obrigando-os a ir lutar, talvez até abandonando-os. A sensação de que as pessoas morrem mais pela responsabilidade dos comandos russos do que pelas armas nas mãos dos ucranianos parece-me cada vez mais difundida.
Entre os soldados das minorias étnicas - mais expostos à destruição da guerra - como vai?
De fato, questões étnicas estão surgindo por causa da guerra. Crescem as organizações étnicas de protesto e até instâncias separatistas das repúblicas povoadas por minorias étnicas da Federação Russa – evidentemente longe dos holofotes.
Temos relatos de numerosos Buriates e Tuvanes que fugiram para a Mongólia, não só porque a Mongólia é a fronteira mais próxima, mas também por causa de uma certa afinidade linguística e étnica. As províncias da Mongólia estão preparando programas de acolhimento para refugiados de minorias étnicas siberianas, aqueles que até agora pagaram o preço mais alto - em termos de vidas humanas - pela guerra.
De acordo com dados que circularam, um buriate tinha uma probabilidade 260 vezes maior de morrer na guerra do que um moscovita. A mobilização declarada em 21 de setembro talvez também tenha tido o sentido de equilibrar um pouco esse dado, mas os problemas são evidentes.
Que assistência a Igreja Ortodoxa Russa está prestando aos soldados no front?
O exército russo conta com a assistência de sacerdotes capelães, institucionalmente. Há alguns dias, notei um vídeo em que um padre ortodoxo batizava soldados antes que eles fossem ao ataque na linha de frente. Evidentemente não eram batizados. Esse fato já me impressionou.
Mas o que mais me impressionou é que, para o ritual, o pope usou caixas de munição e até, como reserva de água, com função de pia batismal, um saco preto normalmente usado para os corpos dos mortos: uma cena de intenso dramaticidade, com um pano de fundo de morte.
Não sei se há mais alguma contribuição de padres ortodoxos voluntários envolvidos na assistência aos soldados no front. Conheço com certeza o trabalho estreitamente realizado entre o exército e a Igreja Ortodoxa, com a expressão de cátedras de teologia nas academias militares e iniciativas como as capelas jogadas com paraquedas para o benefício de tropas de choque. Nas feiras militares - frequentes em Moscou e outras cidades - normalmente são exibidos equipamentos religiosos parabélicos.
A paz: é possível?
No último sábado, sob a insígnia da fraternidade com o povo ucraniano e o povo russo, realizou-se em Itália uma grande manifestação pela paz que, distinguindo claramente entre agredidos e agressores, pediu aos líderes russos e ucranianos que negociassem, auxiliados pela comunidade internacional. O que você acha? E o que pode ser feito da Itália?
O que eu digo aqui é muito duro. Acho que o povo russo hoje precisa de uma derrota militar para provocar a queda deste regime e deste sistema: uma solução dificilmente pacifista. O povo russo deve ser ajudado a se livrar de Putin e, juntos, a entender a extensão de suas responsabilidades nesta guerra.
Infelizmente, a realidade não é a que gostaríamos de abraçar da Itália, que esta é apenas a guerra de Putin e não do povo russo. Esta guerra segue outras guerras lançadas por Putin nos últimos anos: guerras que lhe trouxeram muita popularidade. Isto é um fato.
O que podemos fazer pelo povo russo? Penso acima de tudo nos próximos anos. Depois desta guerra, o povo russo poderá ser ajudado, na minha opinião, a voltar a certos valores, se quisermos inclusive autenticamente cristãos. Hoje em dia, vemos pessoas na Rússia comemorando os ataques bem-sucedidos às infraestruturas civis ucranianas – para mim, isso é uma aberração de todos os pontos de vista: militar, político, civil e, naturalmente, religioso. O regime personificado por Putin distanciou a grande parte da sociedade russa dos valores humanos universais.
Como isso pode ser feito, não posso dizer em poucas palavras. Certamente será necessária uma intensificação das trocas culturais, uma ajuda direta à sociedade civil, um grande e duradouro trabalho que envolverá o acerto de contas com o passado. É um discurso muito difícil, desgastante e amargo.
As responsabilidades europeias também precisam ser repensadas. Durante anos, nosso relacionamento com a Rússia foi informado pela remoção. Pensávamos que poderíamos adiar com segurança a falta ou total falta de democracia na Rússia.
Em suma, para nós estava bem uma democratura – ou seja, uma ditadura disfarçada de democracia liberal de mercado – que nos fornecesse gás a preços vantajosos. Essa atitude definitivamente precisa ser revista.