11 Outubro 2022
"Hoje, seis décadas após a abertura do Concilio, recordamos essa data num contexto de revisionismo e muitos questionamentos sobre o evento conciliar e sua recepção".
O artigo é de Reuberson Ferreira, padre, religioso Missionário do Sagrado Coração, vigário paroquial na Paróquia S. Miguel Arcanjo - SP, mestre em Teologia, especialista em docência do Ensino Superior e em Teologia, Cultura e História judaica e Doutorando em Teologia pela PUC-SP. Também é membro do grupo de pesquisa no CNPq Religião e política no Brasil contemporâneo e assessor de Cursos Populares de teologia.
Eis o artigo.
Há sessenta anos, após um singular período de preparação, em 11 de outubro de 1962, iniciava-se um dos maiores eventos da Igreja católica em sua história recente, o Vaticano II. Ele foi adjetivado pelo próprio Papa que o convocou como uma inesperada flor de primavera. Sua abertura, além de encetar o princípio de uma assembleia provocou mudanças medulares no catolicismo, foi um episódio emblemático. A data de abertura do Concílio, fora estabelecida por João XXIII através do Motu proprio Consilium, de fevereiro de 1962. O texto, curto e sucinto, previa que o início do Concílio ficaria estabelecido para o dia da solenidade da Maternidade Divina de Maria, festa instituída por Pio XI. Entre as razões, estava a de que a data se associava “à lembrança do grande Concílio de Éfeso, que teve suma importância na história da Igreja,” pois havia condenado Nestório e definido as naturezas de Cristo, arrogando, por consequência, à Maria a Maternidade Divina.
Naquela quinta feira, 11 de outubro, manhã de um outono de 1962 iniciou-se o Vaticano II. Bispos, vindos de várias partes do mundo, tomavam conta da cidade eterna. A cerimônia de abertura foi, ao lado do discurso de João XXIII, o mais midiático evento dos primeiros dias do Concílio. Comentadores descrevem-na como um evento singular e simbólico. A expressiva procissão de entrada, com seu magno número de cardeais, patriarcas e bispos finalizada com a figura do Papa João XXIII cruzando a praça São Pedro, na sedia gestatória, sobressaía-se aos olhos da mídia e do mundo, quer pela extensão, quer pela duração. Seguiu-se a esse ato, a missa “do Espírito Santo”, o juramento de obediência dos diversos partícipes do Concílio, a profissão de fé e finalmente o discurso de João XXIII, Gaudet Mater Eclesia.
O discurso de João XXIII foi redigido desde sua versão inicial até o texto final pelo próprio pontífice. Bem mais do que definir metas, o Papa Roncalli “sugeria um caminho ao longo do qual trabalhar” adaptando aos novos tempos a mensagem eclesial que deveria ser mais afeita ao “remédio da misericórdia que a punição”. Essa postura, após intensos debates e longos anos, foi cristalizada nos documentos aprovados a durante a assembleia conciliar (1962-1965).
Hoje, seis décadas após a abertura do Concilio, recordamos essa data num contexto de revisionismo e muitos questionamentos sobre o evento conciliar e sua recepção. O Papa Francisco ante tal situação, pontificou que é falta grave contra a Igreja negar o Vaticano II, pois “o Concílio não pode ser negociado.” Deve-se por isso, hodiernamente, como Igreja, buscar as ideias conciliares como fonte e inspiração para novos e mais profundos caminhos de atualização eclesial face aos desafios humanos do tempo presente. Deve-se vestir a Igreja de uma pastoralidade que tenha como critério de autenticidade o serviço aos pobre e as periferias existências; Trajada de uma liturgia que seja expressão e coroa do compromisso com a humanidade e não culto vazio e sibilino; Moldada por um tom prenhe de respeito a diversidade e liberdade religiosa; Um comunidade calcada num laicato adulto e atuante bem como num clero, que seja, a um só passo, fecundado pela oração, pela caridade pastoral e pelo diálogo com a sociedade. Enfim, a efeméride da abertura do Concílio, deveria mover olhares e coração para essa assembleia e mais ainda, para o seu espírito que dela nasceu.
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