27 Setembro 2022
"A questão então é: Putin perderá sozinho ou arrastará a Rússia com ele? Ele vai renunciar ou será deposto? Ou a Rússia passará de Pedro, o Grande, a Vladimir, o Pequeno? Pedro, o Grande, o herói de Putin, fundou São Petersburgo e começou a modernizar a Rússia, projetando-a na Europa e na Ásia, detendo mongóis e turcos e demonstrando ser parte do contexto político e cultural europeu”, escreve o sinólogo italiano Francesco Sisci, em artigo publicado por Settimana News, 23-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A mobilização anunciada pelo presidente russo Vladimir Putin em 21 de setembro certamente não é capaz de alcançar uma vitória nos campos martirizados da Ucrânia. No entanto, ele declara em altos tons o que um número crescente de observadores vem dizendo há meses: que a "operação especial" contra Kiev fracassou e que Moscou foi derrotada.
Diante dessa derrota, Putin agora está aumentando a aposta, enquanto as chances estão muito mais contra ele hoje do que em 24 de fevereiro, quando ele lançou a invasão. Especialistas militares afirmam que o recrutamento, treinamento e colocação em campo de centenas de milhares de homens levará meses, e os resultados são incertos porque os novos soldados estarão relutantes, assustados e talvez não adequadamente equipados.
Contra eles, em sete meses, a Ucrânia construiu um novo exército que agora possui cerca de 900.000 homens e mulheres, bem abastecidos, treinados e determinados, mesmo que alguns deles não tenham experiência no campo de batalha. De acordo com a teoria tradicional, a Rússia deveria ter o dobro de homens para vencer os ucranianos, mas até agora ninguém em Moscou está falando abertamente em enviar dois milhões de homens para a Ucrânia.
Isso cria um risco duplo para Putin. Ele admitiu a derrota e aposta em uma mobilização que abala, sim, a sociedade russa, mas não alcança o objetivo necessário. Tradicionalmente, a Rússia não tem clemência para os perdedores na guerra, e Putin perdeu por sua própria admissão; além disso, ele dobrou sua aposta inicial sem o crédito que tinha no início, quando ainda estava começando a apostar. Se ele perdeu então, mais uma razão para ele perder agora.
A questão então é: Putin perderá sozinho ou arrastará a Rússia com ele? Ele vai renunciar ou será deposto? Ou a Rússia passará de Pedro, o Grande, a Vladimir, o Pequeno? Pedro, o Grande, o herói de Putin, fundou São Petersburgo e começou a modernizar a Rússia, projetando-a na Europa e na Ásia, detendo mongóis e turcos e demonstrando ser parte do contexto político e cultural europeu.
Vladimir Putin, nascido em São Petersburgo, foi, ao contrário, excluído do Ocidente, esnobado na Ásia (veja-se como foi escanteado em Samarcanda pela China e Índia) e rejeitado pela Turquia no Cáucaso. Ele inverteu todas as conquistas de seu herói, que estão na base de quatro séculos de Rússia.
Além disso, Israel e países árabes moderados veem a presença russa no Oriente Médio como um contrapeso estratégico ao financiamento iraniano dos extremistas xiitas na região. No entanto, se o regime de Teerã fosse abalado e derrubado, como parece possível com a onda de protestos em curso, o Irã poderia assumir uma orientação mais pró-ocidental e a presença estratégica russa poderia ser redundante ou contraproducente. Ou seja: os problemas internos do Irã poderiam acelerar o isolamento político e econômico da Rússia.
A Rússia pode sobreviver a essa inversão de tendência? Neste ponto é incerto, e a medida mínima é a remoção da causa raiz: Putin. Ele pode ser apenas um bode expiatório para uma situação muito mais complexa na qual ninguém é isento de culpas, mas agora sua remoção é o mínimo para ajudar a Rússia a sobreviver.
Fora as ameaças nucleares de Putin no estilo "fim dos tempos", para além de qualquer outra consideração além da loucura, é muito improvável que a Rússia reverta a tendência da guerra na Ucrânia e suas enormes consequências políticas. Então a Rússia deveria pensar em salvar o que é possível, e isso poderia não ser muito.
Esta também é uma lição importante para a China, que há sete meses pensava se aproveitar de uma carruagem que não era sua, apoiando a Rússia em sua aventura ucraniana. Agora Pequim educadamente virou as costas a Moscou, certificando-se de não afundar junto com Putin. Mas há uma lição mais poderosa a ser aprendida.
Do ponto de vista dessa derrota, dever-se-ia repensar todas as experiências de Gorbachev.
Ao contrário da narrativa oficial russa, que Pequim assumiu, Gorbachev não desistiu quando poderia ter resistido, mas tirou o melhor de uma situação impossível em que a URSS estava desmoronando até o último pedaço, como afirmou com agudez Anna Zafesova.
Se Gorbachev não tivesse iniciado a perestroika, a URSS poderia ter desmoronado completamente e ser devastada por uma cruel guerra civil. Tanto que primeiro Yeltsin e depois Putin tentaram refundar a Rússia juntando o legado czarista e soviético de forma desordenada e mal digerida.
A tentativa falhou porque Putin acreditou em sua propaganda, esqueceu as incríveis dificuldades da URSS que estava desmoronando e pensou que era o herdeiro do czar Pedro. A invasão ucraniana está prestes a dissolver o pouco que Gorbachev salvou do legado soviético e a Rússia de Putin poderia se tornar um pária global, como a Alemanha nazista.
Se Gorbachev estava certo em sua análise da URSS, e talvez ele também estivesse certo em enfrentar situação soviética, a China tem muito espaço para repensar sua difícil situação.
O confronto com o Ocidente é algo real? O fechamento do país é uma resposta eficaz? Seguir o exemplo norte-coreano de isolamento político é a verdadeira solução?
A Rússia fornece à China o experimento de laboratório para suas teses e perguntas. A derrota de Putin e os problemas da Rússia deixam a China mais sozinha, mais preocupada, mas também com um precioso precedente para pensar em si mesma e em sua história sob uma luz diferente. A China poderia assim olhar repensar em todos os seus últimos trinta e três anos, desde que deixou de acreditar nas reformas políticas.
Aqui, pensando na experiência de Gorbachev, também poderia haver uma lição para Putin. A verdadeira grandeza também está em reconhecer a derrota e uma situação incontrolável. Com o conhecimento dos fatos do passado, Putin poderia ter se encontrado em uma situação impossível de levantar as sortes de seu país. Em 2007, antes de a Iniciativa do Cinturão e Rota da China decolasse, com Anna Zafesova [1] havíamos sugerido que a Rússia poderia se tornar uma ponte cultural, econômica e terrestre entre a Europa e a Ásia.
Para se tornar tal, a Rússia devia se transformar em uma economia de mercado sob todos os efeitos e concluir um acordo político abrangente com os Estados Unidos. Talvez este ainda seja o caminho a seguir e 15 anos atrás Putin não tinha o peso interno para persegui-lo.
No entanto, se não se consegue atingir o objetivo, um político ainda pode ser grande em admitir a derrota e salvar a situação e o país. Nem todos podem levar à vitória, mas para Vladimir pode haver um heroísmo mais verdadeiro em uma trágica derrota - e então ele seria, sim, o Grande.
[1] “Why EU and China Need Russia”, La Stampa 2007, in: In the Name of Law.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
De Pedro, o Grande, a Vladimir, o Pequeno? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU