19 Março 2015
Eleito papa no dia 13 de março de dois anos atrás, com o nome de Francisco – como Francisco de Assis –, nunca escolhido por outros papas antes dele, Jorge Mario Bergoglio terá um destino como o de Mikhail Gorbachev? Ou seja, de ser mais popular no exterior do que entre as suas fileiras?
A reportagem é de Henri Tincq, publicada no sítio Slate.fr, 12-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Essa comparação pode ser engraçada, mas muitas vezes volta nos debates sobre a avaliação dos dois anos desse estranho pontificado.
Mikhail Gorbachev, secretário-geral da URSS de 1985 a 1991, continuará sendo o homem que se esforçou para salvar o sistema soviético com reformas estruturais ousadas como a perestroika (reestruturação) e a glasnost (transparência).
Realizou uma liberalização cultural e política do seu país e de um regime que se acreditava inatacável. Mas, impotente diante das mudanças que ele mesmo tinha ativado, a sua renúncia marcou o fim da implosão da URSS, precedida, dois anos antes, pela queda do Muro de Berlim e do colapso das democracias populares do Leste.
Como ele, o Papa Francisco, por sua vez, tenta para salvar o "sistema" católico, uma Igreja de dois mil anos e que tem mais de um bilhão de fiéis nos cinco continentes.
Salvar, porque foi justamente uma terrível constatação de crise que encerrou o reinado do seu antecessor, Bento XVI (2005-2013), precedida pela sua renúncia e que estivera no centro das discussões do conclave de março de 2013 na Capela Sistina: a crise de "governança" na cúpula, com uma Cúria devorada por lutas de poder, uma crise das finanças da Igreja devastada pelos escândalos e pela corrupção; uma crise moral provocada pelas inúmeras revelações de abuso sexual no clero; uma atonia geral do pensamento teológico freado pelo Vaticano; uma queda em algumas partes, como a Europa, das vocações e das práticas religiosas.
Além da idade e da fragilidade física, é precisamente porque ele se sentia incapaz de renovar um edifício em ruínas que o Papa Bento XVI havia renunciado ao seu cargo vitalício, surpreendendo o mundo. E foi justamente para purificar e salvar o "sistema" com importantes reformas que os cardeais eleitores foram recrutar um papa "que veio do fim do mundo", argentino e jesuíta, arcebispo de Buenos Aires, aquela grande metrópole símbolo do mundo globalizado, isto é, muito distante da Cúria Romana, que muitas vezes centraliza, e também da Itália, que, entretanto, tinha fornecido, até o polonês Karol Wojtyla (João Paulo II) em 1978, todos os papas por quase cinco séculos.
Um homem de "processos"
A dois anos de distância, seria simplista afirmar que o Papa Francisco já respeitou amplamente o contrato e poderia até ir embora, como desejam algumas vozes amigas que não ignorem a sua idade avançada (78 anos) e a sua intenção já manifestada de fazer como o antecessor e renunciar.
"Ele sabe que não vai ter tempo para ir até o fim das suas reformas, mas, como bom jesuíta, inicia, com discernimento, processos libertadores e adere a eles firmemente", diz Andrea Riccardi, historiador italiano, fundador da Comunidade de Santo Egidio, muito versado no Vaticano e que acaba de publicar o livro Comprendre le pape François (Ed. L'Emmanuel).
Esse homem de "processos" já tinha iniciado uma reforma da burocracia romana, sacudindo cardeais acusados de mundanidade e de ambições desmedidas (as "15 doenças" da Cúria denunciadas no Natal), preparando remodelações e fusões de grande importância. Deslocou as pessoas à frente dos organismos financeiros, impôs uma "glasnost" no banco vaticano (IOR, Instituto para as Obras de Religião) e deu nova credibilidade à Igreja nos ambientes profissionais.
Propondo um grande Sínodo dos bispos em Roma sobre a família, tema explosivo, sacudiu a "doutrina moral" católica sobre questões como a homossexualidade, os divorciados em segunda união privados dos sacramentos, o casamento, a contracepção, todas questões ligadas aos conservadores.
Continuando o seu trabalho de "descentralização" da Igreja, deu início a outra revolução, dando mais poder aos episcopados locais. Ampliou o Sacro Colégio – que irá nomear o seu sucessor –, nomeando cardeais provenientes de pequenos países distantes que não são personagens de destaque na Igreja (Haiti, Myanmar, Panamá, Cabo Verde, Tonga etc.), excluindo sedes católicas de mais prestígio como Bruxelas ou Veneza.
As suas primeiras viagens foram, na Itália, a Lampedusa e, na Europa, à modesta Albânia, muito antes do que às grandes nações de tradição católica, como Alemanha, França, Espanha ou Polônia.
Fundamentado na sua experiência de jesuíta e de "pastor" na América Latina, na sua proximidade aos pobres, às favelas de Buenos Aires e à "teologia do povo" cara à Argentina (que deve ser distinguida da "teologia da libertação" influenciada pelo marxismo), o método do Papa Francisco é o do pragmatismo.
Ele sabe que tem o tempo contado, mas não se apressa. Consulta, abre debates, não teme o contraditório, como no Sínodo sobre a família, distribuído criteriosamente em dois anos. Mas sempre decide de modo autoritário.
"Nele, a realidade leva a melhor sobre a ideia", acrescenta Bernadette Sauvaget, jornalista do Libération, recordando que o papa não teve medo de chocar os mais próximos, batizando pessoalmente o filho de uma mãe solteira e casando religiosamente casais que já tinham filhos!
Os "lobos" escondidos nas sombras
Mas já se podia esperar: dois anos depois, o Papa Francisco não tem um consenso unânime dentro da sua Igreja. E é aí que encontramos a "síndrome de Gorbachev". O líder soviético dos anos 1980 era mais popular no mundo exterior, no Ocidente, do que no seu país e no bloco comunista.
A imagem do Papa Francisco como verdadeiro reformador ou revolucionário também é um dos pontos mais enfatizados por todos os comentaristas externos.
Elogia-se a sua humildade e a sua simplicidade de vida em Roma, a sua "severidade totalmente franciscana", como nos diz Alexandre Adler, o seu discurso econômico de ênfases contrárias ao liberalismo, a sua abertura aos homossexuais, aos divorciados em segunda união uma vez vilipendiados, o seu modo positivo e caloroso de defender e de expressar a fé católica, de ir ao encontro das "periferias", isto é, daqueles muitos cristãos que abandonaram a Igreja (um esforço acolhido positivamente na França por Cécile Duflot, que diz ser uma ex-fiel) e de todos aqueles que, distantes do mundo católico, se surpreenderam com o seu discurso de "misericórdia", satisfeitos de ver a Igreja finalmente renunciar à sua arrogância, ao tom de "certezas" dogmáticas e morais, às suas reflexões identitárias de cidadela sitiada, de medo do mundo moderno ou do Islã.
À distância de dois anos, o papa argentino continua gozando de uma imensa popularidade no mundo. Mas o vento mudou justamente entre as suas fileiras, como mostra o excelente livro Franceso tra i lupi [Francisco entre os lobos], de Marco Politi, um dos mais bem informados vaticanistas italianos.
Ali, ele denuncia os "lobos" escondidos na comitiva desse papa, em analogia aos "lobos" que, na lenda, cercavam o seu modelo, Francisco de Assis. Os "lobos" são aqueles que resistem abertamente às reformas ou aqueles que consideram que Francisco não avança rápido o suficiente. Ou aqueles, mais numerosos, que evitam se expor, visam à usura do Papa Francisco e esperam o fim de um pontificado que imaginam que será breve.
E depois dele?
Esses "lobos" são cardeais de alto escalão, membros daquela Cúria Romana que Francisco não poupa em nada, mas também uma parte dos episcopados locais, divididos contra ele (na África ou nos EUA). O ressentimento deles põe na mira o modo com que esse "papa dos pobres" enfraquece, segundo eles, a imagem do papado.
Eles questionam o seu estilo, considerado popular ou demagógico, o seu exercício solitário do poder, os seus desvios da doutrina católica sobre a família, sobre o lugar das mulheres, os divorciados recasados, os homossexuais.
Outros adversários, mais resistentes, estariam resolvendo os seus negócios sujos depois dos ataques de Francisco contra a máfia, a sua reforma das finanças no Vaticano, a sua busca de dinheiro sujo.
Uma ameaça pesa hoje sobre o papa argentino, assim como pesava ontem sobre Mikhail Gorbachev. Sendo um homem de processos lentos mais do que reformas brutais, não haveria, talvez, o risco de que as mudanças iniciadas se revelem, a longo prazo, reversíveis e apenas um fogo de palha?
Esse pontificado, tão surpreendente, não será apenas um parêntese? Depois de Francisco, voltaremos à monarquia absoluta de antigamente, a um papado absoluto, hierático, autoritário?
Foto: Alessandro Bianchi/Reuters
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Papa Francisco, o Gorbachev da Igreja Católica? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU