19 Julho 2022
É triste, mas o sandinismo como experiência histórica, politicamente não existe mais. O pouco que restou do sandinismo se encontra na dissidência sandinista e não no governo, escreve Cesar Sanson, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
Foto: Reprodução portal i21.
19 de julho. Invariavelmente nesta data lembro-me do triunfo da Revolução Sandinista e por dois motivos, primeiro porque coincide com a data do meu aniversário, a associação é automática; segundo, em função do entusiasmo que essa revolução despertou em minha geração. Uma revolução singular, particularmente para os cristãos, ao afirmar que entre cristianismo y revolución, no hay contradicción!
Acompanhava à distância os movimentos da Frente Sandinista de Libertação Nacional, vibrava com a bandeira rubronegra da FSLN e admirava, entre outros, Tomas Borges, Carlos Fonseca Amador, Daniel Ortega e Ernesto Cardenal. Lembro-me até hoje da impressionante foto da entrada triunfante dos guerrilheiros em Manágua, exatamente no dia 19 de julho de 1979. A vitória desta revolução despertou em nós uma alegria e um entusiasmo enorme. Confirmava as nossas convicções e certezas e, ainda mais, nos dizia o quanto a Teologia da Libertação se constituía na leitura hermenêutica correta do evangelho em solo latino-americano e auxiliava os oprimidos em sua luta pela emancipação.
Foto: Reprodução Tv8 Nicarágua.
Lembro-me de amigos que andaram pela Nicarágua após o triunfo da revolução e voltavam de lá entusiasmados pelo que viram, pelos esforços que estavam sendo feitos na reconstrução do país e no papel central da militância cristã em múltiplas frentes.
Retornemos agora a pergunta que intitula este artigo: O que sobrou da Revolução Sandinista? A resposta é dura: nada!
Evidentemente que o significado da revolução, a sua história, as lutas travadas, os mártires que caíram em combate e as conquistas não podem ser esquecidos. É claro que também se reconhece o cerco sistemático feito pelos EUA para sufocar a revolução. O governo Ronald Reagan patrocinou sabotagens, guerrilhas e terrorismo em território nicaraguense.
O fato, porém, é que o argumento da “intervenção do imperialismo” não justifica, não explica e não dá legitimidade aos atos autoritários e anti-democráticos da dupla Daniel Ortega e Rosario Murillo que se perpetuam no poder. O sandinismo foi substituído pelo orteguismo.
Ortega e sua companheira há muitos anos controlam a Nicarágua com mão de ferro. Aparelharam o estado, controlam a mídia, financiam grupo para-militares, dificultam a fiscalização transparente das eleições, desrespeitam os direitos humanos, perseguem e encarceram os opositores e adotaram políticas neoliberais ao gosto do capital. Ainda mais, são corruptos. Uma oligarquia familiar corrompida moral e politicamente é o que se tem na Nicarágua.
Ernesto Cardenal, já falecido, cristão, marxista, poeta e militante, há quinze anos, em 2007, alertava: "Ortega é falsamente de esquerda. Tem traído a esquerda, tem traído os princípios da Revolução, tem traído o sandinismo, tem traído o Sandino e o povo da Nicarágua". Sergio Ramírez, escritor nicaraguense, que fez parte da primeira junta de governo sandinista com Daniel Ortega, diz: “nunca teríamos imaginado, na época em que lutávamos pela utopia da revolução, que a Nicarágua pudesse algum mergulhar novamente na opressão. Os jovens de hoje, perseguidos até a morte, são como nós éramos naquela época, uma geração que, como esta, transformou seus ideais em convicções”!
Outra voz importante e que fala com legitimidade dos desmandos da dupla Ortega-Murillo é a ex-guerrilheira Mónica Baldotano, ex-comandante sandinista e ministra no governo revolucionário. Segundo ela, “o orteguismo se revelou como uma verdadeira ditadura institucional que se mantém com fraudes descaradas, desde 2008, controla com mão de ferro todos os poderes do Estado - Executivo, Judiciário, Eleitoral, Controladoria e Parlamento -. Toda tentativa de construir forças de oposição, em particular as que recuperam a tradição sandinista, foi esmagada”.
É triste, mas o sandinismo como experiência histórica, não existe mais politicamente. O pouco que restou do sandinismo se encontra hoje na dissidência sandinista e não no governo.
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O que sobrou da Revolução Sandinista? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU