“O Papa Francisco conseguiu reunir os embaixadores da Rússia e dos EUA para respaldarem a paz na Colômbia”, revela Francisco De Roux

Foto: Catholic Church England and Wales | Flickr CC

12 Julho 2022

 

“Pedimos às nações amigas para nos ajudarem a fazer da Colômbia um exemplo da reconciliação, deixar de nos ver como um país que necessita de armas para sobreviver ao conflito. Não nos deem nada para a guerra”, foi o chamado do jesuíta Francisco De Roux, presidente da Comissão de Esclarecimento da Verdade, durante o lançamento do relatório final sobre o conflito armado colombiano, realizado na terça-feira, dia 28 de junho.

 

Por quais razões um jesuíta com tanta coragem como De Roux decide desafiar um governo autoritário?

 

Por quais razões o atual presidente da Colômbia está rejeitando o relatório final da Comissão de Esclarecimento da Verdade - CEV?

 

Quais são as responsabilidades internacionais dos EUA e de Israel no conflito colombiano?

 

Nesta entrevista o padre Francisco De Roux analisa as perspectivas da paz e da justiça no futuro próximo da Colômbia.

 

A entrevista é de Cristiano Morsolin, publicada por Religión Digital, 08-07-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

Francisco De Roux (Foto: Ministerio de Educación Nacional de Colombia | Wikimedia Commons)

 

Eis a entrevista.

 

”Há expectativas da paz. Da possibilidade de uma paz grande”, assegurou Gustavo Petro, o próximo chefe de Estado na cerimônia de entrega do relatório final da Comissão da Verdade. Para Petro, “a aproximação à verdade não pode ser considerada como um espaço de vingança, como se fosse uma extensão das mesmas armas tornadas palavras, ideias, concepções, interpretações. Petro manifestou que a intenção de “passar para uma era de paz na história da Colômbia” não busca “simplesmente encerrar alguns conflitos para que comecem novos conflitos armados”, mas sim que luta “para que desapareça o uso das armas como instrumento que define as possibilidade do acordo, como o instrumento da vingança, como o instrumento do conflito”

 

Padre De Roux, como avalia o discurso do presidente-eleito Gustavo Petro?

 

Nos encontramos há 15 dias, quando ainda não sabíamos os resultados do segundo turno das eleições. Havia um candidato que queria mudança contra a corrupção, Rodolfo Hernández, e o outro candidato, Petro, pedia mudanças estruturais profundas. Saiamos das acusações e ódios para fazermos com entusiasmo os desafios da política de mudança que Deus nos convoca para fazer florescer na Colômbia.

 

O presidente-eleito é um ser humano com suas fortalezas e suas fragilidades, porém na entrega do relatório da Comissão da Verdade, ele disse publicamente “eu atuarei a favor da reconciliação da nação”: está abrindo brechas importantes, nos convoca à mudança onde todos devemos colaborar juntos pelo bem comum do país.

 

Qual é a mensagem desde as vítimas?

 

Foram 30 mil testemunhos recolhidos pela CEV e nos indicam que queremos que as crianças pobres do Choco, as mulheres abusadas no Pacífico, as famílias sequestradas, todos nos identificamos com estas vítimas, é minha dor que se une a todo o país, às 9 milhões de vítimas do conflito armado, a 700 mil mortos, milhares de deslocados são crucificados hoje.

 

É um mal profundo de dor que o mundo não quer escutar porque incomoda. Temos que ter a coragem de nos amar, uns aos outros, até o final. Depois de quase 4 anos de busca da Verdade, da CEV ao lado das vítimas, dos povos indígenas, afro e campesinos, da irmã religiosa Yolanda Cerrón assassinada em Nariño (2001), com os camponeses assassinados no Bajo Atrato, milhares de sequestrados, entregamos esta colheita, como o grão de milho, enterramos profundamente para que floresça a verdade.

 

”Além da raiva há a grande surpresa que sinto com Francisco De Roux, primeiro por sua investidura porque ele tem que ser honesto com seus princípios, também por seu desejo de mostrar o paramilitarismo como o maior predador e esconder 80 anos de violência guerrilheira. Por que essa ânsia de esconder os mortos da força pública que na realidade derramaram sangue por nossa liberdade?”, comentou a senadora Fernanda Cabal, que classificou De Roux como mentiroso e apontou que sua versão dos casos da fazenda Bellacruz e da fazenda Las Pavas não é fiel ao que realmente aconteceu. “Sem nenhum remorso, ele mentiu para construir um contexto falso e colocar os camponeses pobres na cadeia”, disse.

 

A senadora do Centro Democrático indicou que tem muito o que conversar com o padre, mas não vai se convencer. “Não vou deixar de ser seu maior contraditório e ele deveria tirar essa batina mentirosa com a qual cobre todas as suas falácias.”

 

Padre De Roux, como você avalia os ataques da senadora Fernanda Cabal (Centro Democrático)?

 

Somos todos trabalhadores na construção de um novo futuro, sem violência, sem desigualdades, a partir da verdade. Somos cordeiros no meio de lobos, temos que nos perdoar para chorar na frente das vítimas, não odiar, serve a confiança no Outro. São gritos e raiva que te levantam e te atacam pessoalmente, me dizem que “você é um guerrilheiro”, deixo de lado esses ataques pessoais e penso na dor por trás dessa mulher – Cabal, quanta indignação explode e deve nos encher de compaixão, rejeitamos as mensagens cheias de acusações e ódio.

 

Acho que deve haver uma dor muito profunda nela e que sua família sofreu no meio de todo o conflito, e é daí que vem tanta dor e raiva. María Fernanda sempre disse que sou um guerrilheiro em quem não se pode confiar, mas dessas diferenças é preciso construir... Neste caminho de suspeita, seremos submetidos a perseguição.

 

São milhões de vítimas, indígenas, empresários, soldados, crianças, camponeses, somos um cordeiro no meio de lobos. Assumimos corajosamente a Cruz e expandimos o amor de Deus, que supera o ódio, o amor por quem doou a vida pela paz.

 

Os membros da Comissão da CEV receberam ameaças nesta busca pela verdade?

 

Nosso comissário Leyner Palacios está agora em Amsterdã, um guarda de sua escolta em Cali foi assassinado, ele próprio recebeu várias ameaças. Devemos lembrar de duas ocasiões de invasões, uma em nossa sede e outra no apartamento de um comissário, para subtrair material sigiloso das declarações de Otoniel.

 

Você indicou que durante a cerimônia convidaram o “presidente Iván Duque para estar presente e ser o primeiro a receber o relatório. Mas ele não esteve presente, saiu do país, pediu licença”, acrescentando que em seu lugar estaria presente o ministro do Interior, Daniel Palacios; porém, preferiu ir para um Posto de Comando Unificado de gestão de risco”.

 

Você acabou de se encontrar com o atual presidente da República, Iván Duque. Quais foram suas críticas?

 

O presidente Duque criticou o relatório da CEV porque pedimos várias mudanças no sistema de justiça. As vítimas nos dizem que a justiça atual é inútil. Quando as vítimas fazem queixas, sentem-se mal, ficam sem resposta com toda esta impunidade e as vítimas também correm perigo porque os perpetradores sabem quem fez as queixas, o que disseram em pormenor.

 

O presidente Duque, disse-nos que “já existe um sistema de justiça robusto”, mas nós da CEV pedimos uma justiça independente da Presidência da República, uma justiça independente dos partidos políticos ou do exército, uma justiça independente dos paramilitares e narcotraficantes.

 

A segunda crítica que o presidente Duque nos fez é que ele não entende por que se está propondo o Ministério da Paz, se já existe um Conselho Presidencial da Paz.

 

Nós da CEV queremos que o próximo presidente se reúna no gabinete presidencial, que ao lado do Ministério do Dinheiro (Fazenda), o Ministério do Exército (Defesa), tenha sempre o Ministério da Paz, que proteja sempre as vítimas e aplique os acordos de paz.

 

Qual a sua opinião sobre a responsabilidade da Igreja Católica no relatório final da CEV?

 

Em 7 de julho, todos os bispos da Conferência Episcopal Colombiana – CEC me convidaram para apresentar o relatório final da CEV. Eu tenho muita esperança. Acreditei que a CEC entregaria um relatório sobre as responsabilidades da Igreja e esperava que a Igreja Católica pedisse desculpas.

 

O arcebispo Rueda, recentemente eleito presidente da CEC, disse em termos gerais que a Igreja Católica pediu desculpas por suas responsabilidades no conflito colombiano.

 

Mas os bispos colombianos da CEC foram antecipados pelo núncio dom Luis Mariano Montemayor. Conto com exclusividade para o Religión Digital (Madri) e Agência SIR (Roma), eu não havia revelado para nenhum grande meio de comunicação internacional, que no dia seguinte à apresentação do relatório da CEV, 29 de junho, o núncio, como decano do corpo diplomático de todos os embaixadores na Colômbia, convocou todos os embaixadores presentes na Colômbia para conversarem comigo e com todos os membros da CEV.

 

Veja... o Papa Francisco, por meio da convocação do núncio, dom Montemayor, conseguiu que os embaixadores dos EUA e da Rússia se encontrassem na nunciatura, para se comprometerem a favor da paz na Colômbia.

 

Colômbia (Foto: CIA | Wikimedia Commons)

 

Perceba toda a complexidade geopolítica da guerra na Ucrânia, e o núncio convocou todos os Estados da Europa, EUA, Rússia, China, Cuba, todos os latino-americanos... uma mensagem de união dos povos em favo da paz, considerando que o novo presidente Petro respalda as recomendações da CEV que fizemos e se comprometeu diretamente a favor da reconciliação.

 

O presidente Iván Duque está a um mês de concluir seu governo, deixando um legado de “fome e guerra” que fez com que o país retrocedesse “em elementos fundamentais de Direitos Humanos”, denunciaram 500 organizações sociais, no dia 14 de junho.

 

O relatório “Fome e Guerra: o legado do aprendiz”, divulgado pela Plataforma Colombiana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento, pela Coordenação Colômbia-Europa-EUA e pela Aliança das Organizações Sociais, analisa seis dimensões desde a perspectiva dos Direitos Humanos.

 

“É um legado que vem de uma linha autoritária e que violou historicamente os direitos humanos”, assegurou Aura Rodríguez, porta-voz da Aliança das Organizações Sociais, durante a apresentação do relatório em Bogotá.

 

Qual sua opinião a respeito?

 

[De Roux não quis falar sobre a política do presidente Duque... Melhor esperar o fim de seu mandato em agosto de 2022].

 

O Instituto para Paz e Desenvolvimento IPAZDE da Universidade Santos Tomas de Bogotá, dirigido pelo Professor Andrés Inampues, acaba de entregar um relatório de apoio à Comissão de Esclarecimento da Verdade.

 

O que você acha das declarações da Comissária Lucia González, que conduziu uma lectio magistralis na Universidade Santo Tomas de Bogotá?

 

Agradeço ao Instituto de Paz e Desenvolvimento - IPAZDE pelo relatório que está me entregando e graças às contribuições da Universidade Santo Tomás.

 

Concordo com a comissária da CEV, Lucia González, que teve uma importante reunião na Universidade Santo Tomás. Estamos muito longe de ter uma sociedade e um Estado que reconheça a igual dignidade humana de todos, a começar pelos excluídos e empobrecidos, pelos jovens dos bairros marginais, indígenas, afros, camponeses.

 

”Jamais chamaria os jesuítas marxistas Javier Giraldo (CINEP) e Francisco de Roux (presidente da Comissão de Esclarecimento da Verdade)”, comentou a deputada Juanita Goebertus (Aliança Verde) durante a conversa organizada no último domingo, 24 de abril de 2022, por o jornal El Espectador e o projeto Colombia+20 (patrocinado pela Embaixada da Alemanha na Colômbia) na Feira Internacional do Livro FILBO 2022 em Bogotá, sob o título: O Acordo de Paz foi quebrado?”.

 

Padre De Roux, você e o padre Javier Giraldo (Cinep e Tribunal Permanente dos Povos) são jesuítas marxistas?

 

O padre Javier Giraldo e eu não somos marxistas, somos pessoas dedicadas a trabalhar pela paz e pela reconciliação. Sabemos que somos sinais de contradição porque onde houve tantas injustiças e mais de 10 milhões de vítimas, há muito medo da verdade. Mas vamos continuar trabalhando até o fim.

 

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