13 Outubro 2021
O jornal francês La Croix teve acesso exclusivo à Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos em Roma.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix, 11-10-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
As coisas estavam movimentadas na última semana nos escritórios da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, em Roma.
Funcionários carregavam carrinhos cheios de pequenas caixas pelos corredores de piso preto e branco, similares a um tabuleiro de xadrez.
Via della Conciliazione, 34, núcleo do Sínodo, e La Croix teve uma permissão especial de passar uma manhã com 11 pessoas que estão trabalhando em turno integral para facilitar o processo da Assembleia do Sínodo sobre Sinodalidade até 2023.
A ideia de um Sínodo sobre a Sinodalidade foi tratada com sarcasmo há alguns meses, visto como se referisse a um conceito abstrato e solto.
Mas a ênfase nesses escritórios está, sobretudo, na necessidade de consultar todos os católicos.
Isso não é menos que “imaginar um futuro diferente para a Igreja e sua instituição, fazer valer a missão que recebeu”, como pode ser lido no prelúdio do questionário que em breve será enviado para os fiéis de todo o mundo.
“O risco seria permanece no estágio das ideias”, reconheceu dom Luis Marín de San Martín, o.s.a., uma das duas pessoas nomeadas no último mês de fevereiro como subsecretário do Sínodo.
O frei agostiniano foi tem sido o elo entre a Secretaria Geral e os bispos dos mundos de língua portuguesa, espanhola e italiana.
Ele é também coordenador da Comissão Teológica do Sínodo, onde, por exemplo, uma reforma do direito canônico está sendo considerada.
A irmã francesa Nathalie Becquart, membro da Congregação das Xavières, é outra subsecretária.
Sua nomeação causou um pouco de agitação, sendo ela a primeira mulher a assumir um cargo deste nível de responsabilidade no Vaticano.
Poucas horas antes do “Sábado de reflexão” no Salão do Sínodo, a irmã Becquart contou ao La Croix que estava profundamente afetada pelo chamado Relatório Sauvé, sobre a violência sexual na Igreja da França.
Esse relatório foi publicado quatro dias antes e a irmã francesa disse que teria um impacto sobre o processo sinodal.
“Está claro que a sinodalidade deve nos tirar de uma cultura clericalista que permite o abuso”, disse ela.
“Acrescentado aos crimes sofridos pelas vítimas, estava o fato de não serem escutadas. Esse é também um dos nossos desafios, escutar a todos e escutar o Espírito Santo. Nós precisamos que todos sintam-se participantes”, insistiu Becquart.
Ela admitiu que o processo sinodal pode ser um pouco disruptivo, precisamente porque nem tudo está “em planejamento avançado”.
“Os aspectos operacionais nos mantêm muito ocupados”, disse ela sobre a agitação nos escritórios da secretária.
Enquanto conversávamos, um bispo polonês entrou sem avisar no escritório da irmã Becquart para falar sobre o processo sinodal que se aproximava.
“Não pense que se trata de virar a mesa. Não é o caso”, disse ela.
“Mas a Igreja deve ser fiel à sua missão, de anunciar Cristo, e assim fará, de uma forma particular, em cada tempo, ancorada em uma era”.
Ela expressou entusiasmo pelo “caminho da criatividade” que a Igreja está percorrendo atualmente.
Na grande sala de reuniões a poucos metros de distância, há mais de 260 sacos de juta empilhados em mesas dispostas no formato de ferradura. São para os participantes do dia de reflexão.
Nesse ínterim, Lukas Schibowski está terminando de reunir em cinco idiomas os documentos que embasarão a reflexão.
O estudante de teologia de 29 anos veio de Munster, Alemanha, para ajudar na preparação para o Sínodo.
“Quando vim para cá, queria apenas aprender com a Igreja”, disse ele.
Mas agora, algumas semanas depois, diz ele que está convencido das virtudes desse amplo processo de escuta.
“É assim que os temas vão surgir”, destacou.
Schibowski, que retornará à Alemanha em alguns dias para iniciar sua tese sobre teologia dogmática, disse que há “uma atmosfera sinodal no escritório” onde “a opinião de todos conta”.
O escritório ao lado dele foi ocupado durante esse tempo por Marie Kolbe Zamora, membro das Irmãs Franciscanas da Caridade Cristã nos Estados Unidos.
Professora de teologia e latim em Green Bay, Wisconsin, ela recebeu um e-mail em junho passado de um certo Mario Grech que a convidou para trabalhar em Roma.
Irmã Zamora não reconheceu o nome do homem. Quando ela pesquisou no Google e descobriu que ele era o cardeal secretário-geral do Sínodo dos Bispos, ela sabia que tinha que responder rapidamente.
A religiosa americana, que é fluente em pelo menos quatro línguas, conta que imediatamente disse “sim, para ajudar a Igreja e o Papa”.
Zamora, que já tem experiência com um sínodo paroquial em Wisconsin, é a única estadunidense na equipe.
“Nos Estados Unidos, alguns veem o sínodo como uma ameaça, outros o aguardam com grande expectativa e alegria”, disse ela.
O que ela espera de sua Igreja, que é muito afetada por divisões?
“Se a Igreja na América Latina, que tem muita experiência, pudesse ensinar a Igreja nos Estados Unidos a ser mais sinodal, isso poderia ser um grande passo”, disse ela com um grande sorriso.
Quando pedimos ao cardeal Grech que definisse o processo sinodal, ele repetia continuamente a importância da escuta.
“O mais importante é que todos aprendam a ouvir uns aos outros. Devo eu fazer isso, e também meus colegas bispos”, reconheceram o cardeal e teólogo maltês.
Ele descreveu os bispos como as “antenas” da Igreja que devem captar “o que o Povo de Deus está dizendo, e o Espírito Santo por meio deles”.
O cardeal Grech disse que o que está em jogo aqui é nada menos do que a implementação do Concílio Vaticano II, que definiu muito claramente a Igreja como Povo de Deus.
“É verdade que não conhecemos os caminhos que vamos abrir hoje. Mas nos primeiros dias, os apóstolos também estiveram numa terra estrangeira. Sejamos como eles: perguntemo-nos como facilitar o encontro de Cristo com as mulheres e os homens de hoje”, disse o cardeal de 64 anos.
Ele deixou uma mensagem para aqueles que acusam o Papa Francisco de querer implementar um processo burocrático.
“Não se trata de produzir documentos, mas de fazer florescer esperanças e sonhos”, insistiu Grech.
“Também há pessoas que não querem ceder. Tento compreendê-las”, disse o secretário-geral do Sínodo.
“É nosso trabalho entender quais medos estão em jogo e por que eles surgem. E então, em toda essa cacofonia, você tem que encontrar harmonia”, acrescentou.
Na opinião do cardeal Grech, é claro que a implementação da sinodalidade não será alcançada em apenas dois anos. E disse que não terminará quando a próxima assembleia do Sínodo dos Bispos for concluída em 2023.
“É um estilo, um método novo. Não vai acabar. E se você realmente acredita na presença do Espírito Santo, você tem que se deixar surpreender”, disse ele.
Pegando em sua mesa um panfleto sobre o processo sinodal, ele colocou o dedo na logo – a imagem de uma pequena multidão caminhando junto.
“Você vê o bispo ali com sua mitra e sua cruz?”, perguntou.
“Ele está no meio do povo de Deus. Não à frente, mas no meio”.
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Nos bastidores do Sínodo, escutando “todos os católicos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU