09 Setembro 2021
“É verdade que o Código de Direito Canônico dedica um cânone (1172) aos exorcismos, considerados “sacramentais”, um ritual piedoso. Mas não mais que isso. Isso nem pertence à fé cristã. Nem há para acreditar em tal cerimônia. Não entendo por que, nem para que, existem líderes na Igreja que estão determinados a manter o diabo vivo e em ação. E aqui eu paro. Porque não quero falar do dinheiro que alguns exorcistas recebem dos ingênuos e dos pacientes que pagam o que pedem por um serviço supostamente religioso, que só serve para encher o bolso do exorcista”, escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado por Religión Digital, 08-09-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Primeiramente, um aviso: não falarei aqui do bispo de Solsona e seu comportamento (Nota: Xavier Novell, bispo de Solsona, pediu renúncia do ministério, por questões pessoais. Posteriormente, foi revelado que Novell promoveu em sua diocese e participou de terapias de cura gay para reafirmar sua heterossexualidade. O motivo da sua renúncia, segundo informações publicadas pela imprensa espanhola, é o namoro com uma escritora). O que pretendo é lançar luz sobre três temas, que se mencionam frequentemente com motivo do que, segundo se diz, ocorreu com este bispo, seja qualquer for a responsabilidade que o prelado teve neste episódio. Nisto, atenho-me às duas excelentes cartas que publicaram os teólogos José Ignácio González Faus (artigo em espanhol) e Xabier Pikaza (artigo em espanhol). E sem mais preâmbulos, entro diretamente na explicação mais elementar do que aqui quero deixar claro.
Em relação à conduta (verdadeira ou falsa) do bispo de Solsona, os meios de comunicação falam, com frequência, do “demônio”, do “satânico”, e dos remédios que se costumam usar para expulsar os demônios. Remédios que normalmente são os “exorcismos” e os que os administram, os “exorcistas”. Como é lógico, toda esta terminologia e seu conteúdo dependem da religião e sua linguagem.
Pois bem, hoje está bem demonstrado que o “demônio” – e tudo que é relativo a “demoníaco” – não provém da revelação de Deus ao povo de Israel. Tudo isso do “demônio” e do “satânico” foram introduzidos na religião bíblica durante o desterro dos israelenses na Babilônia. Tanto o do “demônio” como o dos “anjos” aparecem como poderes espirituais que são poderes danosos ou prestam auxílio, que intervém no povo para o bem ou para castigar pelos seus bons ou maus comportamentos. Os estudos sobre esse assunto são abundantes e muito bem documentos (cf. O. Böcher, em Diccionario Exegético del N.T., vol.1, 815-824). Empenhar-se em seguir mantendo o do demônio, os exorcistas e seus exorcismos não é nada mais que a torpeza e a mentira com que se enganavam os “babilônios” de vários séculos antes de Cristo. E com o que muita gente de hoje ainda segue se enganando.
É verdade que o Código de Direito Canônico dedica um cânone (1172) aos exorcismos, considerados “sacramentais”, um ritual piedoso. Mas não mais que isso. Isso nem pertence à fé cristã. Nem há para acreditar em tal cerimônia. Não entendo por que, nem para que, existem líderes na Igreja que estão determinados a manter o diabo vivo e em ação. E aqui eu paro. Porque não quero falar do dinheiro que alguns exorcistas recebem dos ingênuos e dos pacientes que pagam o que pedem por um serviço supostamente religioso, que só serve para encher o bolso do exorcista.
O inferno existe? Não existe uma “Definição Dogmática”, do Magistério da Igreja, que tenha afirmado que a existência do inferno é um “Dogma de Fé”. Não existe uma “definição dogmática” no Magistério da Igreja sobre este assunto. Os documentos mais importantes sobre a possível existência do inferno são uma Constituição de Bento XII, do ano 1334 (Denz. - Hünn. 1002). E a afirmação genérica do Concílio de Florença (Denz. - Hünn., 1306), que repete o que já foi dito por Bento XII. O que o Magistério ensina é que “as almas dos que morrem em pecado mortal estão condenadas”. Mas em nenhum documento oficial da Igreja foi definido que alguém morreu em pecado mortal. Pela simples razão de que ninguém pode alegar (muito menos definir) que alguém (não Judas) morreu em pecado mortal. A Igreja não pode definir isso. Portanto, ele não pode definir a existência do inferno.
Mas há algo mais em todo esse caso. Defender a existência do inferno seria e representaria um ataque direto a Deus. Por quê? Muito simples: o inferno é, por definição, um “castigo”. Ora, o critério humano mais elementar diz-nos que um “castigo” não pode ser um “fim” ou um “objetivo”. Uma “punição” é – e sempre será – um “meio”, para obter um outro fim: a educação de uma criança, a correção de um criminoso, a manutenção da ordem na sociedade e os direitos dos cidadãos, e assim por diante. Fazer sofrer com o único propósito de fazer sofrer a vítima e sem esperança ou possibilidade de solução, que só pode surgir de um mal absoluto, que é incompatível com a bondade absoluta de Deus. Portanto, ou o inferno ou Deus.
Falarei sobre a homossexualidade, em outro artigo, o que me parece o mais certo e pertinente no momento.
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Demônio, inferno, homossexualidade: uma reflexão à luz do “caso Novell”. Artigo de José M. Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU