15 Julho 2021
A Santa Sé desautorizou a plataforma civil espanhola “Verdad y libertad”, vinculada a práticas de “terapias de conversão gay”.
Roma pediu aos bispos para que informem de que estas práticas não contam com respaldo eclesial.
A reportagem é de Miguel Ángel Malavia e José Beltrán, publicada por Vida Nueva Digital, 09-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A Santa Sé se desvincula das popularmente conhecidas “terapias de cura da homossexualidade”. E o fez por meio da Congregação para o Clero, que desautorizou a atividade do grupo ‘Verdad y libertad’, que desde 2013 oferece a prática, através de circunlocuções para esquivar sanções administrativas, como um itinerário para restaurar as feridas do que denomina “atração ao mesmo sexo”, e que se resume com o acrônimo AMS.
Ainda que sua atividade principal seja concentrada em Granada, onde reside Miguel Ángel Sánchez Cordón, o pediatra reconhecido como o promotor desta plataforma. Jovens e adultos de distintos pontos da Espanha teriam se deslocado para lá em busca de cura.
Trata-se da primeira vez que o Vaticano se manifesta diante práticas deste tipo, na qual foi uma das últimas decisões tomadas pelo cardeal italiano Beniamino Stella como prefeito da Congregação, aposentado em junho, mas deixando a questão resolvida para o seu sucessor, o sul-coreano Lazzaro You Heung-sik.
Roma chegou a essa decisão de rechaço das iniciativas promovidas por esta instituição que atua na Espanha e na qual teriam participado padres, religiosos e leigos, depois de uma exaustiva investigação em diferentes fases, segundo Vida Nueva pôde corroborar. Este processo de estudo do caso culminou na Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Espanhola, celebrada entre 17 e 23 de abril de 2021, quando veio a conhecimento o relatório final de Roma, no qual se insta aos bispos a não referendar, não recomendar, nem participar dos tratamentos executados por “Verdad y libertad” devido à metodologia e ao objetivo perseguido.
Mas, o que levou o Vaticano a se opor de forma taxativa a este tratamento? Segundo relatam os protagonistas do relatório que respalda a Santa Sé, o itinerário base se estenderia por 270 dias sob um controle exaustivo e direto de seu mentor, ademais de um seguimento coletivo por outros companheiros de caminho através de grupos nas redes sociais onde compartilha várias vezes por dia avanços no estado de ânimo.
“Em hipótese alguma é uma associação eclesial, a Conferência Episcopal como tal nunca a apoiou ou autorizou”, dizem as fontes de Añastro a esta revista, detalhando como “muito menos há respaldo à entidade”. “Além disso, encorajamos aqueles que se consideram afetados ou vítimas a entrar com uma ação civil, porque do ponto de vista canônico não podemos impedir o que eles fazem”, reafirma a Casa da Igreja.
“O fato de os fiéis terem participado não pode levar à identificação de uma atividade da Igreja, porque não o é. Foi assim que a Santa Sé deixou claro e é assim que nos foi pedido que o manifestássemos e comunicássemos com transparência nas nossas dioceses”, salienta um bispo. Ao mesmo tempo, ele lamenta que os próprios promotores de ‘Verdad y libertad’ tenham assumido o nome de ‘católicos’ e procurado candidatos em espaços cristãos.
A verdade é que, ao longo destes oito anos, seminários, congregações, movimentos e paróquias tornaram-se caçadores de candidatos dispostos a “curar” a sua homossexualidade, que chegariam à entidade através do boca-a-boca de colegas, orientadores espirituais ou psicólogos afins. Nesse sentido, um pequeno grupo de bispos — “cerca de cinco ou seis”, digamos ex-membros da ‘Verdad y libertad’ — teria colaborado em seus retiros, compartilhando seu testemunho e encaminhando jovens e adultos. Mesmo um desses pastores teria experimentado o “caminho da cura” e proclamado sua experiência em diferentes fóruns.
A declaração romana deste mês de junho surge na sequência de um primeiro aviso da Santa Sé, chegado em novembro de 2019, quando os participantes no Plenário dirigiram um relatório sobre esta sociedade que havia sido enviado ao cardeal Stella. O documento reúne os depoimentos de vários clérigos que denunciam ter sofrido práticas que rotulam de “humilhantes” justificadas a partir do conceito de “homossexualidade reversível”.
Em resposta a isso, Stella o enviou diretamente ao Episcopado e depois pediu aos bispos que têm padres ou seminaristas em sua diocese que participaram das atividades da entidade que o investigassem. Algo que, de acordo com evidências de outra fonte interna em uma diocese onde este movimento teve uma presença significativa, esta auditoria interna não foi realizada.
Naquela reunião episcopal do outono anterior à pandemia, foi dada a palavra ao autor do estudo, um religioso e sacerdote que expôs em primeira pessoa os danos causados a seis consagrados que acompanhou em seu caminho particular de reconstrução afetiva após experiência traumática sofrida ao passar pela Verdad y libertad.
Após seu discurso e depois que ele deixou a sala plenária, os pastores abordaram o problema. Apenas uma minoria de não mais do que uma dúzia de prelados — dos cem presentes — apoiava o itinerário de “conversão” como algo “necessário” para combater a ideologia de gênero. Um deles chegou mesmo a negar “de forma beligerante” — lembram os que assistiram à reunião — a veracidade do relatório apresentado, ao qual a Santa Sé não colocaria “mas” algum.
“Para mim, é um salto na minha recuperação que a Igreja tenha oficialmente pronunciado esta condenação. Alegra-me que a Madre Igreja não se envolva no que considero uma seita, porque eu sofri e, sobretudo, que ninguém possa dizer que o que se pratica ali é feito em nome de Jesus”, expõe um sacerdote que pertencia à Verdad y libertad, e que viu durante sua estada em Granada como o fato religioso impregnava aqueles encontros com orações, meditações e preces do tipo “Deus não te fez assim”. Agora ele conseguiu reconstruir sua vida “aceitando que, por meu afeto e coerência, sou fiel ao Evangelho e à minha própria vocação”.
“Vivo conforme a minha fé — defende abaixo —, como diz o Papa a James Martin na sua recente carta sobre o seu trabalho pastoral com o coletivo LGTBI”. Por esta razão, ele não hesita em compartilhar que “me entristece que ainda haja um pastor que ainda está determinado a justificar este engano e tenta argumentar considerando que se esta terapia sofre perseguições é porque é autenticamente cristã”. “Além do mais, por muito tempo eles foram apresentados como mártires do ‘lobby gay’, do relativismo, da secularização...”.
Outro dos atingidos adverte que, para além desta entidade, “menos pessoas cairiam nestas garras como aconteceu comigo, se da Igreja realmente acompanhássemos a afetividade tanto dos padres como dos leigos de forma abrangente”.
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O Vaticano freia as terapias de cura gay - Instituto Humanitas Unisinos - IHU