Por: Jonas | 24 Julho 2013
James Alison (foto) é um teólogo especial. É inglês, mas está há muitos anos na América Latina, onde vive atualmente. É definido como “o sacerdote católico que procura, a partir da teologia, saídas para todo tipo de amor, incluindo o amor gay”. Alison apresenta argumentos científicos para sustentar que “a homossexualidade é uma variante minoritária, e não patológica, da condição humana”.
Fonte: http://goo.gl/2MY23k |
Ele explica o empenho da Igreja em definir a homossexualidade como uma desordem, porque “no momento em que se reconhece que uma relação entre duas pessoas do mesmo sexo pode ser boa, é reconhecida a possibilidade de que existam atos sexuais em si, não abertos à procriação, e com isso toda a moral sexual tradicional desmorona”. Contudo, a porcentagem de católicos que concordam com esta doutrina sexual é muito baixa, “porque requer que os gays sejam considerados heterossexuais defeituosos”.
Alison afirma que “aqueles que mais perseguem os gays na Igreja, são gays reprimidos”, e conclui confessando, a partir de sua experiência pessoal, que aquilo que mais lhe doeu “não foi a violência das pessoas más, mas o silêncio dos bons”.
A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada no sítio Religión Digital, 10-07-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Bem-vindo, James.
É um prazer estar aqui. Há tempo acompanho vocês, desde o México, Brasil, Chile ou de onde estive, e é um prazer estar aqui, “no miolo”. Muitos dos articulistas de Religión Digital são meus amigos ou conhecidos, como X. Pikaza, que fez um epílogo lindíssimo para o meu primeiro livro e, desde então, nós nos correspondemos.
Você é um teólogo com obra?
Sim. Tenho pelo menos sete livros publicados em inglês, e agora acaba de sair o oitavo, que é inteiramente um curso de introdução à fé cristã, acompanhado de um DVD, pensado para que pequenos grupos possam se aprofundar na fé cristã. Três de minhas obras foram traduzidas para o espanhol: “Conocer a Jesús”, que foi a obra para a qual Pikaza fez a gentileza de escrever o epílogo, “El retorno de Abel”, editada por Herder e que é de escatologia; e a outra se chama “Una fe más allá del sentimento”, que é meu primeiro livro, em espanhol, que trata da questão gay.
Sempre digo, com bastante insistência, que eu não faço “teologia gay”. Faço teologia católica a partir de uma perspectiva gay. É muito importante fazer esta distinção, porque, caso contrário, transforma-se numa questão de gueto.
Você foi dominicano?
Sim, há muito anos. Agora sou um presbítero desocupado, em certo sentido. Quando organizaram a papelada para a dissolução dos meus votos, os dominicanos me fizeram o grande favor de não mexerem em nada no tocante ao meu sacerdócio. Então, de acordo com o Direito Canônico, descobri que posso ser sacerdote, em boas condições, sem estar incardinado, e também apto para ser incardinado, caso houvesse um bispo suficientemente louco para me querer em sua diocese. É curioso, porque um alto eclesiástico, certa vez, tentou resolver esta questão e não pude, porque quando alguém é sacerdote ordinário e não tem nenhum responsável é muito difícil fazer alguma coisa.
Apesar disso, você continua trabalhando como teólogo, missionário e catequista.
Sim, às vezes, mas sempre em lugares onde não cause escândalo. Quando estou em retiro, por exemplo, ou para a comunidade LGBT. Porque quando todo mundo é “irregular”, já não existe escândalo.
Como objetivo de sua vida, você assumiu buscar uma saída, dentro da Igreja e da teologia católica, para a realidade da homossexualidade?
Espero não causar surpresa, mas eu me identifico muito com uma coisa que Ratzinger fez e que me pareceu muito interessante: recuperar o sentido de que a fé cristã é boa nova. E isto significa escavar no espaço dos escombros do moralismo dos últimos dois ou três séculos, para tentar recuperar algo do frescor do Evangelho, e não do pensamento moralista de sacrifício, que até recentemente pareceu normal na fé cristã, tanto do lado protestante como do lado católico. E, é claro, sair deste “mundo de escombros moralistas” afeta tanto as pessoas gays como as pessoas heterossexuais. Faz parte do mesmo processo.
Ou seja, você está pedindo uma mudança na doutrina moral e sexual da Igreja.
Não, o que estou buscando é um novo paradigma para entender a fé, a salvação, a caridade e a natureza... retornando a um paradigma muito mais antigo, de uma completa ortodoxia. Por isso, não significa mudar a doutrina, porque me parece inconveniente. Se o que Jesus disse está correto, como se explica esta miséria de tramas moralistas que entramos? Porque é tão evidente que não foi assim no início! De fato, eu me considero radicalmente conservador, e não ao contrário.
A Igreja protestante alemã acaba de assinar um documento em que reconhece a existência de formas diferentes de família. Você acredita que isto é um exemplo de que certas mudanças começam a existir, nesse sentido?
Sim. De maneira explícita, a Igreja protestante reconheceu a homossexualidade, e na Igreja católica também já ocorreram mudanças. Não acredito que a questão gay seja algo sumamente difícil de ser aceita pelos fiéis católicos, mas pelo estamento clerical católico. Pelo que foi visto em pesquisas realizadas mundialmente, em países de maioria católica, a porcentagem de população católica que vê com bons olhos a normalidade de seus amigos ou parentes gays é até maior do que a média da sociedade.
Quer dizer que quem se escandaliza é o clero, não o povo?
Vocês viram isto, aqui, em seu país, que aprovou a lei do casamento igualitário. Se me recordo bem, 60% ou 70% da população estavam perfeitamente tranquilas com isto. Ao contrário, os bispos não. E aí está o problema. Diferente de outras questões de tipo moral, como o aborto, por exemplo, em relação à questão gay o povo não está alienado como os bispos. As duas questões não têm nada a ver uma com a outra. A diferença está no fato de que a convivência demonstra que isso de pensar que os gays são pessoas “objetivamente desordenadas”, nesta altura do campeonato, não tem pé e nem cabeça.
Nesta questão, a definição oficial reinante foi cunhada em 1986 (ou seja, muito recentemente), num documento do Vaticano que dizia: “Embora, em si, a inclinação homossexual não seja um pecado, supõe uma tendência mais ou menos forte para atos intrinsecamente maus, e por isso deve ser considerada objetivamente desordenada”. Está é a lógica eclesiástica que continua insistindo que não existem bons atos homossexuais, e que, portanto, define as pessoas gays como objetivamente desordenadas. Uma analogia seria a anorexia, que é uma patologia do desejo. Entretanto, caso alguém considerasse a anorexia como pertencente a uma natureza que não requer cuidados, a tendência seria a autodestruição. A anorexia é uma desordem alimentar, e a posição oficial sobre a homossexualidade a considera como algo parecido, como uma desordem. Isto é muito diferente de comparar a homossexualidade com a situação das pessoas canhotas. Ou seja, os canhotos são uma variante minoritária dos seres humanos, não uma patologia. A anorexia é uma patologia. Porém, para sustentar que todos os atos homossexuais são maus, a Igreja precisa manter a versão de que a homossexualidade é uma patologia.
Muitos bispos dizem aos homossexuais que eles não têm nada contra a homossexualidade, que nós somos todos irmãos, etc... mas, ao mesmo tempo, colocam a condição de que se abstenham de todos os atos que consideram intrinsecamente maus, como se fosse possível fazer uma distinção.
Nesse sentido, o Vaticano é mais honesto, porque sabe muito bem que caso queira dizer que os atos homossexuais são maus, precisa concluir que a homossexualidade é uma desordem objetiva. E nesta altura, em pleno século XXI, vale a pena se questionar sobre a verdade disto.
O que os cientistas dizem a este respeito?
Os cientistas (e não estamos falando apenas de “ciências brandas” como a psicologia, mas da química, endocrinologia e neurologia, etc.) que estudaram os hormônios intrauterinos, a configuração neuronal, etc., dizem que a homossexualidade é uma variante minoritária, e não patológica, da condição humana. Ou seja, muito mais parecida com o fato de ser canhoto do que ser anoréxico.
É frequente a pergunta sobre se o homossexual nasce ou se torna...
É uma mistura das duas coisas, mas está mais ligado ao nascimento. O mais provável é que seja uma questão intrauterina, embora as pesquisas sobre este tema ainda estejam começando (porque faz apenas 30 ou 40 anos que foi possível começar a pesquisar esta questão, sem o viés moralista). Os avanços na neurociência indicam que ninguém que já não seja gay ao nascer, torna-se gay depois.
Isso invalida a tese, sustentada por algumas pessoas, de que se trata de uma questão de vício.
Exatamente. Toda a tendência anterior consistia em tratar o assunto como se fosse uma patologia ou um vício, e isto era uma questão cultural, não apenas eclesiástica. Somente nos últimos 50 anos é que se começou a olhar para os gays de forma mais científica, perguntando-se sobre o que é e o que faz com que estas pessoas sejam diferentes, ao invés de pensar que estão fazendo maldades e de que é preciso castigá-las.
Essa dinâmica de revisão, percebida na sociedade civil, custa mais para a Igreja?
Muito mais.
Existem pessoas que continuam dizendo que a homossexualidade é reversível?
Sim. Infelizmente, precisam continuar dizendo, caso queiram manter a atual posição da Igreja. É uma ciência “concordista”, assim como os geólogos do século XIX, que queriam manter a teoria de que a composição da terra estava de acordo com o relato da Criação, em seu sentido pré-científico, e que buscavam infelizes formas de demonstrar como supostamente a ciência e a realidade se ajustavam aos ensinamentos eclesiásticos.
A moral dupla é uma das coisas que as pessoas mais reprovam na hierarquia, ou seja, dentro da instituição há muitos homossexuais (embora nem todos reconheçam).
Claro, mas não podem reconhecer isto.
Entretanto, o próprio Papa acaba de denunciar que no Vaticano há um lobby gay.
Bom, acredito que a palavra denunciar não descreve bem a intenção das declarações do Papa. O que ele fez foi reconhecer isto com bom humor. Pelo menos da forma como a informação nos chegou, parece que foram frases soltas, ditas com essa leveza que nós já sabemos que faz parte do estilo do Papa. Graças a Deus, porque isso significa que este Papa tem um estilo muito mais de encontro e diálogo.
Agora, quando o assunto do lobby gay sai da boca de altos eclesiásticos, costuma significar duas coisas. A primeira coisa é que consideram lobby toda pretensão científica de apontar que a realidade não é da forma como o Vaticano diz (por exemplo, qualquer pessoa que viesse a sugerir que, talvez, estejamos diante de uma variante minoritária não patológica), e que supostamente isto exerceria pressão (como parte do “poderoso e influente lobby gay”) contra aqueles outros cientistas que mantém a “linha dura” de pretensa cientificidade a respeito da questão homossexual. Mesmo que atualmente seja apenas uma minoria de psiquiatras, já é o suficiente para que a hierarquia eclesiástica se agarre em sua própria lógica. Nesta altura do jogo, isto soa um pouco paranoico, pois os gays seriam muito maus, mas, quem acredita que são tão poderosos? Portanto, neste caso, a palavra “lobby gay” é utilizada para se referir às pessoas que não estão dentro da cúpula do Vaticano, mas fora.
O outro uso veio à luz a partir da investigação feita por três cardeais com mais de 80 anos, que deixaram um tijolo de dossiês para Ratzinger ou para seu sucessor. Entre os vários assuntos investigados, estava a questão de um suposto lobby gay. Agora, para quem já visitou o Vaticano, não existe a menor dúvida de que, aí, há uma forte presença do setor gay. É evidente, e através de amigos dos amigos todo mundo mais ou menos se conhece. O que também se percebe é que o mundo romano é um mundo onde a regra moral está em evitar o escândalo. Portanto, para que não se evidencie ninguém, estas questões preocupam muito. E isto não supõe apenas uma dupla moral, como também uma antiquada maneira de viver. Grande parte do problema, no meu modo de ver, é que o mundo moderno e esse mundo antiquado não convivem juntos. Enquanto no mundo moderno a transparência e a honestidade são cada vez mais normais, o mundo antiquado é monossexual, masculino, e continua sendo regido pela regra básica de: “contanto que você não conte, você também pode fazer”.
Essa regra na sociedade civil já não pode se sustentar?
Não. Desde o início do século XX, influenciado por Freud e por outros autores, o mundo todo compreendeu a importância de poder ser sincero nesta matéria, de poder falar mais ou menos honestamente daquilo que se é e o que se faz em matéria sexual. E, atualmente, parece ser um fenômeno global, mais “popularizado” no Ocidente, e que exerce uma fortíssima pressão sobre as sociedades que quiseram manter seu “escudo sagrado” sobre um código ao qual se obedecia, mas não se cumpria.
O “escudo sagrado” da Igreja poderia vir abaixo, caso fosse reconhecida a liberdade sexual?
Isto será uma prova muito forte para o papa Francisco. Uma prova para a qual eu desejo tudo o de melhor para ele, porque não duvido que será doloroso, difícil e, sobretudo, muito custoso, porque há muitíssima pressão das próprias pessoas que vivem no Vaticano e do clero em geral. Confessar a homossexualidade significaria apenas ser honesto.
Precisar ficar ocultando a própria sexualidade não supõe uma esquizofrenia vital?
Sim. É uma esquizofrenia que tem consequências psicológicas muito duras, mas na qual se acostuma. E isto abre um mundo todo de chantagem, porque ninguém pode ser honesto, mas todo mundo sabe o que os outros fazem. Imagine os jogos de chantagem que podem ser feitos. Isto é evidente, e não estamos falando apenas de uma coisa eclesiástica. Se os governos norte-americano e britânico, nos anos 1950 e 1960, resolveram esta questão a respeito de suas próprias sociedades, suas próprias burocracias, seus próprios serviços de inteligência, etc., foi precisamente porque o assunto da chantagem resultava ser pior do que a questão da homossexualidade.
Ou seja, a Igreja deveria fazer o mesmo, ainda que fosse por pragmatismo?
Seria mais pragmático, sim, mas o caso é que quando se reconhece a homossexualidade e se vive honestamente (tenha ou não parceiro), torna-se necessário reconhecer também que uma relação gay pode ter boas consequências. Isto não obriga ninguém a segui-las, mas, no momento em que se reconhece que uma relação entre duas pessoas do mesmo sexo pode ser boa, fica reconhecida a possibilidade de que existam atos sexuais, não abertos à procriação, que também são bons, e com isso toda a moral heterossexual tradicional desmorona. Porque a moral tradicional depende do fato de todos serem intrinsecamente heterossexuais, e de que exista apenas uma forma sexual que pode ser boa.
Quer dizer que se a Igreja aceitasse a homossexualidade, seria preciso uma revisão de toda sua moral sexual tradicional, a partir dos alicerces?
Sim, mas é uma revisão que já foi feita. O que acontece é que para estes senhores custa reconhecer.
Em nível de práxis, já se vive, mas falta a aceitação na doutrina?
Na prática, qual a porcentagem de fiéis que está de acordo com a Humanae Vitae? Pouquíssimos. E é fácil imaginar que a porcentagem de fiéis gays, de acordo com essa doutrina, é menor ainda, porque requer que sejam considerados heterossexuais defeituosos, para que sejam mantidos.
Em razão desta situação, a Igreja provoca dor?
Muitíssima, porque a Igreja tenta dizer que a voz de Deus não está dizendo o que a voz de Deus está dizendo para você. Todo jovem gay, que mantém a fé (porque, é claro, ao escutar as malvadezas que saem da boca de alguns de nossos altos hierarcas, muitos ficam simplesmente escandalizados e abandonam), precisa passar pelo processo de superação do escândalo em distinguir a voz de Jesus (que disse que o ama, que quer acompanhá-lo e que quer viver com ele) da voz da Igreja, que faz vista grossa enquanto você não disser o que é. Para qualquer pessoa, isto é um doloroso processo de crescimento espiritual.
Para um seminarista, um noviço ou um sacerdote com vocação religiosa, ocultar sua homossexualidade suporia negar a si mesmo ou parte de si mesmo?
É um caso especialmente duro, no qual se percebe muito bem a dupla mensagem que a instituição eclesiástica oferece, pois, ao mesmo tempo em que mantém um discurso homófono, também (ao menos em muitos países do mundo) oferece acesso totalmente livre para seminaristas ou noviços de índole claramente gay, induzindo-os a viver uma vida dupla, baseada no “faça isso, não faça isso”. Com duas ordens contraditórias ao mesmo tempo, você fica paralisado. Um padre gay, por exemplo, pensa que precisa dizer a verdade porque mentir é contra o Evangelho; porém, ao mesmo tempo, sabe que caso diga a verdade, ele está fora. Pedem para que exijam transparência em tudo, mas eles próprios não podem ser transparentes.
Em sua vida pessoal, como você próprio conseguiu encaixar esta situação de duplicidade?
Bom, mais ou menos catastroficamente, aos trancos e barrancos. No passado, muitos e muitos anos atrás, graças a Deus, tive algumas experiências muito fortes, que me permitiram ver a absoluta diferença entre aquilo que é de Deus, nesta matéria, e o que, ao contrário, são os mecanismos humanos de criação de inimigos desnecessários.
Você passou por diferentes etapas (de pena, de indignação, de dor...) a respeito da Igreja?
Sim. Nesta altura do jogo, eu considero um enorme privilégio poder viver e falar tranquilamente desta realidade, mesmo sendo um fiel e um sacerdote católico, sem que isto seja um assunto de raiva. Porque a raiva destrói a própria pessoa, não os demais. No passado, o que mais me indignou não foi a violência das pessoas más, mas o silêncio dos bons. Isto é o que dói: as pessoas boas, as pessoas moderadas e as pessoas inteligentes (que existem) sabem que a situação é insustentável, mas guardam silêncio, preferem não dizer nada.
Você vê saída para esta situação?
Sim. Não sei como vai se dar, mas vejo saída pela necessidade da honestidade, que é uma regra cada vez mais imperativa. O papa Francisco poderia recorrer às armas sagradas, ou seja, retornar às soluções do tipo: “Se existe lobby gay, vamos fazer uma caça às bruxas”. O problema disto é que, embora pudesse dar prazer, durante determinado tempo, para alguns da linha dura, não funcionaria. E não funcionará porque os que fariam a caça às bruxas seriam tipicamente gays reprimidos. Aqueles que mais perseguem os gays na Igreja, são gays reprimidos. Aos heterossexuais não importa tanto, não parece ser tão interessante para eles, não se preocupam do mesma forma que os próprios gays camuflados.
Ou seja, os que mais perseguem e metem o pau são, no fundo, homossexuais reprimidos?
Ou reprimidos, ou que sabem muito bem o que precisam assumir para fazer carreira em certas coisas. Não há engano: diante da necessidade persistente de atacar os gays, costuma haver homossexualidade reprimida.
Você não acredita que Francisco assumirá a primeira saída?
Tomara que não, porque não resolve nada. Apenas prorroga uma situação.
A segunda saída é muito mais delicada, mas é a saída da maioridade. Consiste em reconhecer que existe um problema grave, que possui consequências em todos os âmbitos da vida (porque uma vez que você solta um dos parafusos do escudo sagrado, possui consequências em todos os níveis). Quantos sacerdotes existem, cujos votos ou promessas de celibato não são nulos? Porque foram feitos sob falsa consciência. Tiveram que dizer que acreditavam numa caracterização deles próprios para poder emitir um voto que não era correto. Imagine as consequências canônicas disto. Então, de que maneira se agirá para obter o início de certa transparência na discussão? Provavelmente, o máximo que pode fazer é motivar as congregações romanas para que, ao menos, concedam a possibilidade de que seja falado abertamente disto. Porque este assunto não irá desaparecer.
Porque o Povo de Deus não é o problema. A este respeito, o Povo de Deus está muito avançado. A dificuldade está em poder falar disto no mundo clerical. E isto significa que há um lobby gay fortíssimo dentro da Igreja, e que dominou o espaço nos últimos anos: o lobby dos gays auto-reprimidos. Porque eles são os que mais necessidades psicológicas possuem em manter as coisas como estão, o que permite que mantenham certa noção antiquada de bondade, além de manter claramente o sistema.
A chegada de Francisco causou esperança em você? Acredita que ele pode trazer ar fresco à Igreja?
Sem dúvida. E é um alívio perceber que o assunto da homossexualidade não é muito importante para ele. Quanto mais heterossexuais tivermos em lugares importantes da Igreja, mais facilmente será resolvida a questão homossexual, porque tradicionalmente os problemas são provocados por pessoas com muitas complicações internas. Parece que não é um grande problema para o papa Francisco, e que é capaz de tratá-lo com certo humor e com certa distância, e isso é um bom sinal.
Você acredita que ele irá conseguir fazer reformas?
Caso se deixe guiar por aquilo que até agora insistiu (retornar a Jesus e ao Evangelho), claro que conseguirá as reformas, porque isso significa que outras questões que são também um pouco barrocas, por si mesmas, irão perder importância.
Eles vão deixá-lo?
Bom, é preciso rezar para isso. Depende das agressões que sofrerá. O Papa é um alto funcionário de uma grande burocracia, e como todas as instituições, os grandes aparatos burocráticos têm suas formas de se defender e se proteger, além de cooptarem seus membros para que se comportem de determinadas formas.
Não podemos pensar em Francisco como uma espécie de salvador vindo de fora para remediar uma situação insuportável. Francisco é um homem eclesiástico que viveu seus últimos 76 anos dentro da própria instituição, e tomara que com seu frescor e sua capacidade pessoal de tomar decisões com tempo e de escolher pessoas com bons critérios para rodeá-lo, resulte melhor que os papas passados. João Paulo II tinha muitas qualidades, mas não exatamente com as pessoas que o rodeava. E, em definitivo, acredito que a questão gay é de muito maior fôlego (tanto para se abrir como para se fechar) para que uma só pessoa resolva.
Até agora estou encantado com Francisco, mas não acredito que preciso atribuir-lhe poderes divinos.
De alguma forma, ele poderia nos decepcionar?
Claro, porque as expectativas são altas. Há muita expectativa, e eu estou muito agradecido pelo trabalho que você realizou, junto com seus companheiros de Religión Digital, descobrindo uma grande ansiedade por uma Igreja mais fresca. É um alívio poder retornar ao Vaticano II sem tendências barrocas e clericais.
O medo está sendo rompido na Igreja?
Não apenas o medo. Estamos percebendo que o sentido de tudo isto é ser cristão, não o de entrar em infinitas discussões sobre a hermenêutica da continuidade ou se o Papa deve usar a mitra de Pio IX. Estas coisas, no final das contas, são bizarras.
Acredito que Francisco tem o dom de pessoas excelentes, e a capacidade de não se levar tão a sério, o que é uma característica importantíssima.
Algumas ideias-chave da entrevista:
- Para recuperar o sentido de que a fé cristã é boa nova é preciso escavar no espaço dos escombros do moralismo dos últimos dois ou três séculos, para tentar recuperar algo do frescor do Evangelho.
- O que busco é um novo paradigma de uma ortodoxia completa, porque se baseia em retornar a um paradigma muito mais antigo do que a doutrina moral sexual da Igreja.
- Se o que Jesus disse está correto, como se explica esta miséria de tramas moralistas que entramos? Porque é tão evidente que não foi assim no início!
- Não acredito que a questão gay seja algo sumamente difícil de ser aceita pelos fiéis católicos, mas pelo estamento clerical católico.
- Diferente de outras questões de tipo moral, como o aborto, por exemplo, em relação à questão gay o povo não está alienado como os bispos.
- A homossexualidade é uma variante minoritária, e não patológica, da condição humana.
- Ver-se obrigado a ocultar a homossexualidade é uma esquizofrenia que tem graves consequências psicológicas.
- No momento em que se reconhece que uma relação entre duas pessoas do mesmo sexo pode ser boa, é reconhecida a possibilidade de que existam atos sexuais em si, não abertos à procriação, e com isso toda a moral sexual tradicional desmorona.
- A porcentagem de católicos que concordam com esta doutrina sexual é muito baixa, “porque requer que os gays sejam considerados heterossexuais defeituosos.
- O que mais me indignou não foi a violência das pessoas más, mas o silêncio dos bons.
- Aqueles que mais perseguem os gays na Igreja, são gays reprimidos.
- Há um lobby gay fortíssimo dentro da Igreja, e que dominou o espaço nos últimos anos: o lobby dos gays auto-reprimidos.
- Até agora estou encantado com Francisco, mas não acredito que preciso atribuir-lhe poderes divinos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“A homossexualidade é uma variante minoritária, e não patológica, da condição humana”, afirma o teólogo James Alison - Instituto Humanitas Unisinos - IHU