19 Mai 2021
Um teólogo e um filósofo se interrogam sobre o nascimento do GPT-3 (Generative Pre-Training Transformer 3), a mais recente conquista da inovação digital e sobre as questões que isso levanta.
Paolo Benanti é teólogo italiano e franciscano da Terceira Ordem Regular, além de professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e acadêmico da Pontifícia Academia para a Vida. Em português, é autor de “Oráculos: Entre ética e governança dos algoritmos” (Ed. Unisinos, 2020).
Sebastiano Maffettone é filósofo italiano e professor de Filosofia Política na Universidade LUISS Guido Carli, em Roma, onde dirige o Center for Ethics and Global Politics e é presidente da Escola de Jornalismo Massimo Baldini.
O artigo foi publicado por Corriere della Sera, 17-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Rainer Maria Rilke, na sua “Carta a um jovem poeta”, convida a “amar as perguntas”. Melhor ainda vivê-las agora, já que não sabemos se e quanto nos será permitido viver “até o distante dia em que você terá a resposta”. O que acontece se quem faz as perguntas é uma máquina, mesmo que especial?
Há um ano, uma empresa de Elon Musk, a OpenAI, deu à luz o GPT-3, o Generative Pre-Training Transformer 3, a última fronteira da inovação digital. Trata-se de um modelo linguístico baseado na inteligência artificial, no deep learning e em habilidades cognitivas inéditas.
O GPT-3 é considerado o progresso digital mais importante dos últimos anos, porque é capaz de usar a linguagem, por exemplo, entendendo e respondendo à interação com o usuário de uma forma não muito diferente de um ser humano.
O GPT-3 simula a escrita humana criando textos originais que vão desde um romance a um ensaio, passando por um ato notarial, uma tradução e uma declaração de imposto de renda. Mas, se você for um computador, ele falará na língua de vocês: a do código de programação.
Um fator único do GPT-3 é que ele tem um propósito geral, em vez de ser uma função que serve apenas a uma tarefa. Os casos de uso são infinitos e podem melhorar a eficiência de qualquer indivíduo ou empresa.
Falando de máquinas inovadoras, permanecendo na Califórnia, onde o GPT-3 nasceu, lembramo-nos de uma popular colheitadeira de tomate mecânica realizada no fim dos anos 1940. Essa máquina era capaz de colher os tomates de uma só vez em uma fileira, cortando as plantas do chão, sacudindo e soltando as frutas e separando os tomates eletronicamente.
Alguns estudos da época evidenciaram que a máquina reduzia os custos em cerca de 5-7 dólares por tonelada em comparação com a colheita manual. Mas esses benefícios não foram compartilhados equitativamente na economia agrícola: a colheitadeira produziu uma profunda reformulação das relações sociais.
Devido ao elevado custo de aquisição, as máquinas tornaram o mercado compatível somente com uma forma de cultivo altamente concentrada. Diante de um substancial aumento nas toneladas produzidas, reduziu-se o número de produtores em 15%, passando de mais de 4.000 para menos de 600. Assim, verificou-se um salto de produtividade em benefício de cultivadores muito grandes, com um sacrifício para as outras comunidades agrícolas rurais. Ver a questão apenas em termos de redução dos custos, de eficiência ou de modernização dos equipamentos significa perder um elemento decisivo na história.
Voltando ao GPT-3, as suas possíveis aplicações vão do marketing e das vendas aos e-mails, passando pelas mídias sociais. O GPT-3 também tornará a programação mais gerenciável e acessível. Por um lado, isso é ótimo para as empresas que buscam ter serviços e funções digitais de baixo custo. No entanto, como no caso dos tomates, os algoritmos de linguagem natural como o GPT-3 levarão ao desaparecimento de profissões e de classes inteiras de trabalhadores, desta vez colarinhos brancos e quadros das empresas.
Como segunda consequência, eles levarão a uma dependência das empresas e das nações às quais pertencem em relação ao provedor dos serviços – os grandes gigantes da inteligência artificial estadunidenses – para a sobrevivência e a capacidade operacional.
O que os nossos exemplos californianos – dos tomates à machina loquens – mostram é que estamos na presença de uma mutação não apenas digital, mas também econômico-social. O conhecimento científico, a invenção tecnológica e o lucro empresarial se reforçam mutuamente com efeitos redistributivos que beneficiam alguns, prejudicando outros. Os resultados disso afetam os equilíbrios de poder político e econômico. É diante de modelos de inovação complexa como esses que surgem inúmeros opositores das inovações.
Se essa é a análise do fenômeno, qual pode ser a estratégia intelectual para abordá-lo? Para nós, do Ethos (Observatório de Ética Pública, da Luiss Business School), essa estratégia consiste na sustentabilidade digital.
Por sustentabilidade digital, entendemos o cuidado dos problemas decorrentes do complexo das consequências sociais, morais e políticas devido ao impacto extraordinário da revolução digital sobre as nossas vidas.
Não é por acaso, por outro lado, que o entusiasmo inicial que se seguiu à revolução digital foi seguido por um período em que, na maior parte da literatura das Ciências Sociais sobre o tema, percebe-se o temor pelo futuro e a necessidade de adotar precauções.
A sustentabilidade digital propõe uma abordagem ética, que inclui critérios, princípios e orientações, capaz de ajudar na escolha de medidas políticas entre as diversas opções em relação ao digital. Essa abordagem se baseia na capacidade de duração no tempo da opção escolhida combinada com a proteção dos mais desfavorecidos pela digitalização.
Entre outras coisas, é concebível que haja uma conexão entre a injustiça para com os desfavorecidos e a duração previsível do caminho percorrido, nem que seja no sentido de que a falta de proteção de quem está pior pode pôr em risco o sistema ao longo do tempo, devido ao protesto que gera.
Falar em sustentabilidade, na nossa perspectiva, não se refere, predominante ou exclusivamente, à proteção do ambiente natural. Em vez disso, diz respeito a uma perspectiva ampliada que também inclui a sustentabilidade econômica e política. A sustentabilidade geral, assim concebida, deveria garantir – como se disse – a durabilidade no tempo e a proteção dos mais desfavorecidos pela digitalização.
Nessa perspectiva, hipotetizamos – no livro que estamos escrevendo – algumas linhas de pesquisa que se voltam para: a brecha digital, a possível contribuição do modelo cooperativo, a educação e a proteção ecológica digital. A ideia é responder às grandes transformações do digital como a do GPT-3 em harmonia com o verso de Rilke com que iniciamos este texto. Ou seja, sem pretender chegar a respostas definitivas.
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Sustentabilidade digital e inteligência artificial. Artigo de Paolo Benanti e Sebastiano Maffettone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU