18 Mai 2021
Em 20 de maio de 2021, a Companhia de Jesus inicia o Ano Inaciano, uma celebração dos 500 anos de conversão de Santo Inácio de Loyola, que ocorreu após ser atingido por uma bala de canhão no campo de batalha de Pamplona. Para iniciar esse ano de oração e profunda conversão em nossas vidas, a revista America conversou com Arturo Sosa, o superior-geral dos jesuítas. Ashley Mckinless, a anfitriã do podcast “Jesuitical”, e Colleen Dulle, de “Inside the Vatican”, perguntaram a Arturo Sosa o que os cristãos de hoje podem aprender da jornada de Inácio em direção a Cristo, sobre sua relação com o Papa Francisco e mais.
A entrevista é de Ashley McKinless e Colleen Dulle, publicada por America, 15-05-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Uma vez que você é o superior-geral dos jesuítas, e o Papa Francisco nosso primeiro papa jesuíta, quem está no comando? Você responde a ele ou ele responde a você?
Ele é o papa, isso é muito claro. Todos os jesuítas respondem ao papa. Quando um jesuíta se torna bispo, sua obediência não é mais aos superiores da Companhia. Não, o bispo depende do papa, e o papa depende de si, no Espírito. Inácio de Loyola chamava o papa de vigário de Cristo na Terra. Francisco é papa. Então, eu estou sob sua responsabilidade.
Como é se encontrar com o papa? Como é a relação de vocês?
É uma relação muito fraterna e respeitosa. Papa Francisco conhece muito bem a Companhia de Jesus. E sabe como nós podemos ajudá-lo, e ele sabe o que nos pedir como Companhia e quais pessoas podem ser enviadas para seus projetos. E de uma forma muito fraternal, nós nos conhecemos de muitos e muitos anos. Então é uma relação que cresceu diferentemente em momentos diferentes da minha vida.
Você disse que o papa é o papa. E quem é o superior-geral? Como você descreveria seu trabalho?
Eu o descreveria como o pescoço de um corpo. Você sabe que Inácio e São Paulo amavam usar a figura do corpo para a Igreja e para a Companhia de Jesus. E eu sinto que sou o pescoço de um corpo, e a cabeça é Jesus Cristo. O superior-geral é quem tenta assegurar a conexão entre o corpo e a cabeça. E essa é a minha tarefa, ser o pescoço, estar em comunicação entre a Companhia de Jesus e a cabeça, Jesus Cristo.
Nós estamos entrando no Ano Inaciano, que é uma celebração dos 500 anos do ferimento por bala de canhão que Santo Inácio sofreu enquanto defendia Pamplona. Esse foi o momento crucial em sua vida. Ele estava em um leito, e então começou o processo de conversão. Por que é importante para os jesuítas retornar para esse momento de conversão na vida de Inácio? O que isso nos ensina hoje?
Nós não precisamos “retornar para”; nós não estamos voltando. Nós fazemos memória de um momento especial que abre um novo caminho para a vida de um homem, Inácio de Loyola – um momento que o leva a fundar a Companhia de Jesus. Nós estamos relembrando que nós podemos ainda aprender muito com o processo de Inácio.
Um ensinamento muito importante é que ao encontrar Jesus em nossas vidas, nós podemos experienciar estilos de vida que nós não podíamos imaginar viver por conta. E isso é o que aconteceu a Inácio. Inácio nunca imaginou o que sua vida se tornaria depois de encontrar Cristo. Se nós nos abrirmos profundamente para nossa relação com Jesus, as coisas se tornarão novas para nossos olhos, e novas dimensões da nossa missão de vida serão renovadas em uma forma que nós não poderíamos planejar ou mesmo imaginar.
Isso é porque, neste ano, nós não falamos sobre Inácio. Nós falamos sobre como nós podemos ver novas todas as coisas – do ponto de vista do Cristo. Isso é o que Inácio aprendeu em seu próprio processo.
Eu quero perguntar um pouco mais sobre o Papa Francisco e sobre como ser um jesuíta o moldou como papa. Ele é alguém que fala muito sobre discernimento, que é uma parte realmente importante da espiritualidade jesuíta. O que nós todos podemos aprender com o Papa Francisco sobre o discernimento?
O Papa Francisco não é apenas jesuíta, ele é cristão. E o discernimento é parte do Cristianismo. Discernimento sempre foi uma dimensão essencial da vida cristã. Não é algo recente. Jesus era um homem de discernimento. Se você ler atentamente os Evangelhos, você verá um homem que está todo o tempo tentando entender o que é a vontade de Deus, seguir a vontade de Deus, e o que todos os cristãos deveriam fazer. Isso porque Jesus ficou conosco depois da ressurreição, através do Espírito. Ele nos deu o mais precioso dom: seu Espírito, a forma de discernimento.
Nós estamos há poucos dias da festa de Pentecostes. Então nós podemos renovar nossa mente sendo guiados pelo Espírito. Discernimento é uma habilidade que todo cristão precisa para ser guiado pelo Espírito Santo. E é a isso que a espiritualidade inaciana aponta.
Os Exercícios Espirituais Inacianos são um tipo de escola do discernimento. Seguindo os Exercícios Espirituais, toda pessoa pode ser ajudada a escutar a voz de Deus chamando a totalidade da vida humana a decidir pelo seguimento dessa voz – para fazer uma escolha.
Então, todos os jesuítas fazem os exercícios espirituais, mas uma coisa que sempre me impressionou sobre a Companhia são as diversas direções que os jesuítas tomam a partir daí. Você tem jesuítas que são professores, médicos, atores, podcasters, tudo que se possa pensar. Isso é claramente parte do carisma jesuíta e da força da ordem. Mas, como a pessoa que está no topo disso, no pescoço, como você gerencia uma força de trabalho tão diversificada?
Todos os dias descubro algo novo que os jesuítas estão fazendo! Porque cada jesuíta é uma fonte de criatividade. E é muito importante entender que a Companhia de Jesus não é uma organização para “fazer algo”. Não é um trabalho. Não, a Companhia de Jesus é feita de pessoas que desejam responder ao chamado do Espírito. E como também aprendemos com a Bíblia, o Espírito – não sabemos para onde ele vai nos guiar.
Portanto, o que precisamos é estar muito em contato com o Espírito. Não inventamos uma missão para nós mesmos nem tentamos fazer coisas novas por causa da novidade que pode ter. Respondemos à vontade de Deus, seja ela qual for. E minha grande responsabilidade é seguir isso, para garantir que a Companhia esteja realmente seguindo a vontade de Deus. Assim, é feito por meio de uma estrutura flexível que confia em cada pessoa que compartilha a missão e suas raízes em Cristo. E tentamos juntos encontrar o caminho que Deus está nos mostrando.
É por isso que nos últimos anos estamos aprofundando o discernimento em comum, não apenas o discernimento como um processo pessoal, mas o discernimento do corpo. Precisamos ouvir como um corpo, o Espírito.
Você tem esse grupo incrível e diversificado de pessoas que estão fazendo tantas coisas legais e diferentes. Mas ao mesmo tempo, pelo menos nos EUA e na Europa, as vocações vêm caindo. Como você vê a Companhia nos próximos 10 a 20 anos?
Penso que a Companhia de Jesus em 10 ou 20 anos será menor do que agora em número de jesuítas, mas maior em colaboração com outros. Estamos aprendendo muito em colaboração com outras pessoas. E esta é a nossa forma de nos integrarmos de uma forma mais ampla na realização da missão de Jesus Cristo.
A Companhia de Jesus será integrada por uma maior variedade de culturas, vivendo e testemunhando a interculturalidade. Esta é uma característica incrível da Companhia de Jesus: somos muito diversos e essa diversidade está crescendo. Temos gente de não sei quantas culturas, vivendo a mesma vocação, no mesmo Espírito. E nosso grande desafio é nos enriquecer a partir dessa variedade ou diversidade.
Seremos uma Companhia de Jesus, adaptando-nos aos estilos de vida, às obras, às exigências de um melhor equilíbrio com o meio ambiente. Isso, penso eu, é um grande desafio para a nossa vida: como nos corporificarmos como um grande grupo de pessoas – em muitos lugares do mundo, vindos de diferentes culturas –,como podemos ser testemunhas de uma nova forma de relacionamento com o meio ambiente.
Logo do Ano Inaciano.
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Discernimento é para todos os cristãos – não apenas jesuítas. Entrevista com Arturo Sosa, superior-geral da Companhia de Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU