11 Julho 2018
Para Francisco, o discernimento é reflexão e oração que levam a decisões de acordo com o plano de Deus para nós.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas Reese, ex-diretor da revista America. O artigo foi publicado em Religion News Service, 09-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A espiritualidade, seja ela cristã ou muçulmana, frequentemente usa a linguagem da batalha. Por isso, não é de se admirar que o Papa Francisco promova o equivalente cristão de uma jihad espiritual. Muitos no Ocidente acham que a jihad significa apenas guerra, enquanto também pode significar a luta espiritual dentro de si mesmo contra o pecado.
No capítulo final de Gaudete et exsultate (Alegrai-vos e exultai), Francisco usa uma linguagem semelhante quando escreve que “a vida cristã é uma luta permanente”. Para ele, essa luta não é apenas contra o mundo e a nossa fraqueza humana, mas também contra o próprio demônio.
(Nas colunas anteriores, eu discuti os capítulos 1, 2, 3 e 4.)
Para Francisco, o demônio não é uma figura mítica, mas real. “A convicção de que este poder maligno está no meio de nós é precisamente aquilo que nos permite compreender por que, às vezes, o mal tem uma força destruidora tão grande”, escreve. “Então, não pensemos que [o demônio] seja um mito, uma representação, um símbolo, uma figura ou uma ideia. Este engano leva-nos a diminuir a vigilância, a descuidar-nos e a ficar mais expostos.”
Francisco não está falando de possessão diabólica. Em vez disso, ele acredita que o diabo “envenena-nos com o ódio, a tristeza, a inveja, os vícios. E assim, enquanto abrandamos a vigilância, ele aproveita para destruir a nossa vida, as nossas famílias e as nossas comunidades”.
Nesse combate espiritual, os cristãos têm as armas dadas pelo Senhor, escreve Francisco: “oração, a meditação da Palavra de Deus, a celebração da Missa, a adoração eucarística, a Reconciliação sacramental, as obras de caridade, a vida comunitária, o compromisso missionário”.
Em suma, argumenta, “o progresso no bem, o amadurecimento espiritual e o crescimento do amor são o melhor contrapeso ao mal”.
A luta cristã, de acordo com Francisco, não é apenas contra o pecado, mas também contra a letargia, quando a vida espiritual gradualmente se torna morna, e “tudo acaba por parecer lícito: o engano, a calúnia, o egoísmo e muitas formas subtis de autorreferencialidade”.
Por essa razão, escreve Francisco, precisamos “saber se algo vem do Espírito Santo ou se deriva do espírito do mundo e do espírito maligno”. Isso leva Francisco ao seu tema favorito: o discernimento, um dom pelo qual devemos rezar e desenvolver “com a oração, a reflexão, a leitura e o bom conselho”.
Para Francisco, o discernimento é reflexão e oração que levam a decisões de acordo com o plano de Deus para nós.
“Sem a sapiência do discernimento, podemos facilmente transformar-nos em marionetes à mercê das tendências da ocasião”, escreve. Estamos buscando a novidade ou somos resistentes à mudança? Cristo quer que seus seguidores sejam livres, e, a fim de serem verdadeiramente livres, explica Francisco, “Ele chama-nos a examinar o que há dentro de nós – desejos, angústias, temores, expetativas – e o que acontece fora de nós – os ‘sinais dos tempos’ –, para reconhecer os caminhos da liberdade plena”.
Francisco acredita que o discernimento não é apenas para tomar decisões extraordinárias que mudam a vida. Ele é “sempre útil”, ensina o papa, “para sermos capazes de reconhecer os tempos de Deus e a sua graça, para não desperdiçarmos as inspirações do Senhor, para não ignorarmos o seu convite a crescer”.
“Frequentemente isto decide-se nas coisas pequenas, no que parece irrelevante”, continua Francisco, “porque a magnanimidade mostra-se nas coisas simples e diárias. Trata-se de não colocar limites rumo ao máximo, ao melhor e ao mais belo, mas ao mesmo tempo concentrar-se no pequeno, nos compromissos de hoje.”
Francisco reconhece a importância das intuições psicológicas e sociológicas na tomada de decisões. Mas o discernimento é mais do que isso. É uma graça nutrida pela oração. “Trata-se de entrever o mistério daquele projeto, único e irrepetível, que Deus tem para cada um e que se realiza no meio dos mais variados contextos e limites”, escreve. “Não está em jogo apenas um bem-estar temporal, nem a satisfação de realizar algo de útil, nem mesmo o desejo de ter a consciência tranquila.”
Para um cristão, segundo Francisco, o discernimento tem a ver com “o sentido da minha vida diante do Pai que me conhece e ama, aquele sentido verdadeiro para o qual posso orientar a minha existência e que ninguém conhece melhor do que Ele”.
É por isso que Francisco chama o discernimento de um dom e argumenta que devemos, portanto, estar dispostos a ouvir o Senhor e os outros. “Somente quem está disposto a escutar – escreve Francisco – é que tem a liberdade de renunciar ao seu ponto de vista parcial e insuficiente, aos seus hábitos, aos seus esquemas.”
O discernimento requer obediência ao evangelho e ao ensino da Igreja, mas “não se trata de aplicar receitas ou repetir o passado”, adverte, “uma vez que as mesmas soluções não são válidas em todas as circunstâncias e o que foi útil num contexto pode não o ser noutro”. De fato, “o discernimento dos espíritos liberta-nos da rigidez, que não tem lugar no ‘hoje’ perene do Ressuscitado”, de acordo com Francisco.
O discernimento também requer a compreensão da paciência e dos tempos de Deus. Citando os Evangelhos, Francisco observa que “Ele não faz descer fogo do céu sobre os incrédulos (cf. Lc 9, 54), nem permite aos zelosos arrancar o joio que cresce juntamente com o trigo (cf. Mt 13, 29)”. O discernimento também exige generosidade, na compreensão de que é mais abençoado dar do que receber. O discernimento, como todo o cristianismo, deve abranger todo o evangelho, incluindo a cruz.
Nessa batalha espiritual, não estamos sozinhos. “Mas é necessário pedir ao Espírito Santo que nos liberte e expulse aquele medo que nos leva a negar-Lhe a entrada nalguns aspetos da nossa vida”, conclui Francisco. “Aquele que pede tudo, também dá tudo.” O Deus de Francisco “não quer entrar em nós para mutilar ou enfraquecer, mas para levar à perfeição”.
Como resultado, o discernimento, segundo Francisco, “não é uma autoanálise presunçosa, uma introspeção egoísta, mas uma verdadeira saída de nós mesmos para o mistério de Deus, que nos ajuda a viver a missão para a qual nos chamou a bem dos irmãos”.
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Papa Francisco ensina o discernimento para enfrentar as batalhas espirituais. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU