O discernimento espiritual. Artigo de Enzo Bianchi

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28 Outubro 2016

"A vida, de fato, é complexa, sempre exposta ao mal e ao bem, tentada pelo Divisor e, ao mesmo tempo, atraída pelas energias do Espírito Santo. Imerso nesse contexto, o cristão é chamado cotidianamente a escolher uma ação em vez de outra, a acolher ou a rejeitar um chamado. Justamente aí se situa a necessidade do discernimento."

A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado em sua coluna La bisaccia del mendicante, na revista Jesus, de outubro de 2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Discernimento espiritual. Expressão já não mais estranha ao vocabulário cotidiano dos cristãos, mas cujo uso muitas vezes revela como o real significado continua substancialmente obscuro: se poderia dizer que se fala a respeito sem querer realmente conhecê-lo...

No vocabulário paulino, a expressão "discernimento dos espíritos" (diákrisis pneumáton: 1Co 12, 10) indica a capacidade, por dom de Deus, de distinguir o que o Espírito Santo sugere ao coração do cristão. Em outras palavras, o discernimento é o sentido interior das coisas, a pronta e vigilante capacidade de entender e escolher o que é bom em cada situação, de "avaliar o que é melhor" (Fl 1, 10): ele nasce da ação do Espírito no coração dos cristãos (cf. 1Jo 2, 20.27), Espírito que se une ao nosso espírito. O discernimento espiritual, portanto, não pode ser considerada como uma técnica ou uma "receita" pré-definida, mas é a graça de um conhecimento refinado e crítico, proveniente de uma luz interior, inspirada e sustentada pela Palavra de Deus.

Ser inteligente, exercer um julgamento, pôr em ação todas as faculdades intelectuais próprias é dom e responsabilidade. Trata-se de um trabalho indispensável na vida espiritual, para "discernir a vontade de Deus, o que é bom, agradável e maduro" (Rm 12, 1), para "distinguir o bem do mal" (Hb 5, 14); é aquela operação preventiva de provar, examinar a si mesmo e o próprio comportamento (cf. 2Co 13, 5; Gl 6, 4) ou "os espíritos" (1Jo 4, 1), para não entregar a fé a qualquer pretensa inspiração.

A vida, de fato, é complexa, sempre exposta ao mal e ao bem, tentada pelo Divisor e, ao mesmo tempo, atraída pelas energias do Espírito Santo. Imerso nesse contexto, o cristão é chamado cotidianamente a escolher uma ação em vez de outra, a acolher ou a rejeitar um chamado. Justamente aí se situa a necessidade do discernimento, carisma que deve ser invocado, conservado e constantemente afinado; até possuir, se Deus o concede, aquela clarividência espiritual que é verdadeira participação no olhar de Deus sobre as pessoas, sobre as coisas e sobre os eventos, através de uma progressiva entrega à Sua graça que nos atrai.

Examinando mais de perto a operação do discernimento espiritual, deve-se lembrar que o cristão, habitado pelo Espírito Santo, deve aprender a reconhecer a Sua presença. Por isso, é preciso distinguir entre as pulsões, as sugestões – aquelas que a tradição cristã definiu como loghismoí, "pensamentos" – e a voz muito pessoal, discreta embora experimentável, do Espírito Santo, amor de Deus em nós.

Em outras palavras: eu acredito ou não que Jesus Cristo habita em mim (cf. 2Co 13, 5)? Tenho consciência de ser templo do Espírito Santo (cf. 1Co 6, 19)? E, nessa adesão profunda, unida a uma perseverante invocação do Espírito, sei reconhecer que em mim habita também outra força, a do mal, que me leva à tentação e gostaria de me induzir a consentir com ela (cf. Rm 7, 18-23)?

Esse discernimento de fundo torna-se necessário diante das decisões individuais, das escolhas precisas a serem feitas, especialmente quando envolvem a forma a ser dada à nossa vida. Os nossos desejos mais profundos e persistentes, os nossos caminhos de busca da felicidade precisam, mais do que nunca, ser passadas pelo crivo. Também nesse caso, o discernimento é operação delicada e difícil, que sempre deveria ser abordada com a ajuda de alguém que, como verdadeiro "espiritual", saiba nos insinuar "santas suspeitas" ou confirmar os sinais do Espírito...

E aqui se compreende que o discernimento não é apenas uma operação individual, mas pode e deve se tornar também evento comunitário, eclesial, até saber discernir, todos juntos, "os sinais dos tempos" (Mt 16, 3) e saber distinguir os verdadeiros profetas do falso (cf. Mt 7, 15)...

Se cada um de nós e a Igreja no seu conjunto soubéssemos exercer melhor o grande dom de Deus do discernimento, talvez muitas vocações seriam mais fecundas, a vida eclesial seria mais rica em dons e menos conflituosa, a caridade resplandeceria em todo o corpo eclesial e na companhia das pessoas. Mas quando na Igreja, não se exerce o discernimento então é preciso denunciar isso com clareza: a Palavra de Deus permanece distante e incapaz de inspirar a vida dos cristãos, que não estão mais sob a orientação do Espírito, mas caminham como cegos, sem saber para onde ir.

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