03 Junho 2021
"A aceleração algorítmico-digital imposta pela pandemia afeta as múltiplas dimensões da vida humana. Por exemplo, a algoritmização está revolucionando os meios de produção e com eles as novas relações de produção são qualitativamente distintas das anteriores; essas novas relações de produção, por sua vez, estão fazendo emergir novas classes sociais que umas décadas atrás nos pareceriam ficção científica", escreve Castor M.M. Bartolomé Ruiz para os Cadernos IHU Ideias número 314.
Uma primeira consideração nos leva a destacar que nunca as tecnologias (nem os saberes) foram totalmente externas à vida e ao modo de ser dos sujeitos. Toda tecnologia (e saber) se imbrica no modo de viver dos sujeitos de tal modo que quanto mais complexa é a tecnologia, maior impacto produz sobre aqueles que a utilizam. Estabelecido o pressuposto epistêmico da imbricação das tecnologias na constituição dos sujeitos, um dos aspectos que se merece destacar é que as tecnologias e os saberes produzem modos de subjetivação. Este princípio se tornou mais agudo, se é possível, na aceleração das novas tecnologias da revolução informática, o que denominamos a algoritmização da vida.
As tecnologias algorítmicas não só se imbricam no modo de ser dos sujeitos que as utilizam, senão que deram um passo a mais capturando de forma intencional e estratégica os comportamentos dos sujeitos. Essa captura se realiza através de complexos programas matemáticos que permitem apreender de forma instantânea os comportamentos de milhões de indivíduos nos seus dispositivos digitais. Com essa informação é possível replicar a produção de novas estratégias e novos algoritmos que retornam sobre os indivíduos para provocar um maior impacto sobre seu comportamento.
Nas novas tecnologias algorítmicas, não há quase uma exterioridade do sujeito no seu uso, senão que, na medida que as utiliza, o sujeito vai sendo capturado pelos algoritmos nas preferências daquilo que faz, nos desejos do que procura, nas decisões que vai tomando. Percebemos como todos os comportamentos, cada vez mais, se encontram atravessados por tecnologias algorítmicas. Nós não somos meros usuários de tecnologias, senão que, na medida em que as utilizamos cada vez mais amplamente, também nos convertemos em objetos estratégicos a serem direcionados e governados nos comportamentos.
Castor destaca duas frentes de ação subjacentes às formas de governamentalização algorítmica. A primeira, a qual ele chama de “individualizar para melhor governar” se caracteriza quando “os algoritmos extraem os dados de forma individual, a tal ponto que as informações que eles conseguem obter de nossos comportamentos digitais lhes permitem produzir um perfil muito preciso de nossa pessoa. Através dos algoritmos, a escavação de dados consegue ter um conhecimento detalhado de nós, de tal modo que se pode dizer que os algoritmos sabem mais sobre nós do que nós mesmos. Conseguem saber quais são nossas principais relações sociais, as pessoas com quem mais interagimos, os temas que mais nos interessam, as compras que realizamos, os lugares que visitamos, as leituras que fazemos, as notícias que mais lemos, os filmes mais visualizados, entre outras muitas coisas”, aponta.
A segunda é o “Governo massificado das condutas”. Segundo Castor, para além da individualização dos comportamentos, há uma estratégia “na acumulação massificada dos dados dos comportamentos individuais, que possibilita desenhar estratégias globais para governamentalização de comportamentos de massa. A escavação massiva dos dados individuais é trabalhada pelos algoritmos numa escala gigantesca, que o cérebro humano não consegue acompanhar. Só os algoritmos conseguem processar de modo tão instantâneo uma massa gigantesca de dados que recebem a cada instante. Com isso, eles também conseguem elaborar uma espécie de nova estatística dos comportamentos massivos. A escavação massiva dos dados possibilita que os algoritmos estabeleçam médias de comportamentos, preferências massivas nas condutas, rejeições massivas, e, desse modo, podem prognosticar comportamentos de massa e induzir estratégias para se antecipar a esses comportamentos a fim de orientá-los, conduzi-los ou até neutralizá-los, dependendo dos interesses”.
Imagem: Capa dos Cadernos IHU Ideias número 314, de Castor M.M. Bartolomé Ruiz
O texto está estruturado da seguinte forma:
Introdução
A relação entre o ser humano e a tecnologia
Algoritmização da vida, modos de subjetivação e as formas de vida
Duas dimensões da governamentalização algorítmica
Paradoxos dos dispositivos biopolíticos e práticas de resistência
O artigo pode ser acessado na íntegra aqui.
Sabe-se que há tempo ocorre um processo exponencial da digitalização da vida e da sociedade. Processo que é acelerado e que evidencia alguns dos seus importantes limites com a pandemia mundial da Covid-19. Os algoritmos cada vez mais dirigem a vida, as decisões e as ações humanas. A inteligência artificial está interferindo no modo de ser no mundo, determinando o relacionamento humano, criando um tipo especial de presença e, também, mostrando-se incapaz da previsibilidade e resolutividade na complexidade que outrora se apostou que ela poderia trazer.
A digitalização e algoritmização da vida, mesmo com sua intensidade atual, pode ser percebida como um fenômeno ainda recente e que carece de discussão e aprofundamento, mormente no Brasil. Inserido nesta perspectiva é que o XIX Simpósio Internacional IHU Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida em tempos de pandemia, realizado entre novembro de 2020 e fevereiro de 2021, com o apoio da FAPERGS – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul, buscou debater, numa visão transdisciplinar, a digitalização como um modo de ser no mundo, que cada vez mais se estabelecerá com força na estruturação social. O Simpósio debruçou-se sobre as potencialidades, limites e riscos da digitalização, identificando seus impactos na reprodução da vida humana e do Planeta, contextualizando esta reflexão com o cenário da pandemia atual.
Dentro do escopo de debate da digitalização, aspectos relevantes do tema abordados são a cultura, a economia e a ética. Nesse sentido, qual o paradigma cultural e a consequente mentalidade que sustentam a digitalização? Que implicações traz a digitalização para os processos de subjetivação contemporâneos e no governo biopolítico da vida humana?
O texto de Castor M.M. Bartolomé Ruiz contempla as inquietações levantadas no Simpósio, especialmente a partir da fala de Paolo Benanti, a qual foi transmitida dia 26 de fevereiro de 2021.
Para maiores informações, acesse a página especial do evento. Nela, você encontrará todas as palestras na íntegra, assim como demais matérias do Instituto Humanitas Unisinos - IHU sobre digitalização, algoritmização, tecnologias da informação, biopolítica, governança e demais implicações sociológicas e antropológicas subjacentes.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Algoritmização da vida: a tríade entre o humano, a tecnologia e o poder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU