11 Dezembro 2020
A utopia há séculos, desde Platão, Thomas More e Fourier com seus falanstérios igualitaristas, dedicou-se a imaginar como transformar o mundo. Ao contrário, hoje, os autores de “Colapsologia” (Arpa) alertam que a utopia é pensar que o mundo pode perdurar conforme o conhecemos neste momento. Não acreditam, veem o atual sistema à beira do colapso, o que não significa à beira do apocalipse ou do fim do mundo, apontam. Mas também não se trata de uma crise passageira.
A reportagem é de Justo Barranco, publicada por La Vanguardia, 09-12-2020. A tradução é do Cepat.
Pablo Servigne e Raphaël Stevens destacam que o colapso significa que é mais do que provável que uma maioria da população, em um futuro próximo, não terá as necessidades básicas – água, alimentação, energia, moradia – cobertas a preço razoável. E o que vier depois será um longo processo de conflitos em condições muitos piores do que se nos preparássemos para a mudança.
Na França, suas ideias e as de outros pensadores geraram inclusive uma fascinante série, O colapso. Uma série que começa com a falta cada vez mais constante de produtos nos supermercados, cortes de energia elétrica, escassez de gasolina e, em breve, uma sociedade que começa a se desintegrar social e politicamente e a lutar entre si pelos recursos. Os mais ricos possuem ilhas fortificadas.
Servigne explica que a colapsologia é uma tentativa de unir a abundante informação científica presente entre as muitas disciplinas para dar sentido ao mundo em que vivemos. Longe da literatura apocalíptica e dos crentes no progresso, que afirmam que o mercado e a tecnologia resolvem tudo, querem, afirma, “mostrar a complexidade do assunto, os pontos de inflexão, de irreversibilidade ou que o colapso pode chegar antes que o previsto”.
Destaca que estudam os choques sistêmicos e que “a pandemia não é apenas uma crise sanitária, é provocada pela economia, a política, os problemas de biodiversidade, a mundialização, o corte de árvores e a destruição do sistema de saúde com o modelo neoliberal. Tudo isso unido cria a crise, que por sua vez tem muitos efeitos ecossistêmicos, sociais e políticos”.
“Tudo está interligado, é o que queremos dizer - prossegue -, e nossa mensagem é que na situação atual, no Antropoceno, em que as ações humanas alteram o clima, haverá cada vez mais e mais choques sistêmicos, como a pandemia, e serão cada vez mais violentos e frequentes. É preciso aprender a viver com isso, é o grande clique que é preciso dar, porque é muito tarde para o desenvolvimento sustentável”.
“Um dos fatores centrais da queda – continua Servigne – são as más decisões das elites. E quando as pessoas começam a sentir o caos cada vez mais, querem um retorno à ordem, com a figura do pai, ditadores, homens autoritários, que provocam cada vez mais caos. Uma tentativa de voltar a um estado para o qual não voltaremos. Falta um novo imaginário. O retorno ao normal é um mito como o do crescimento infinito. O colapso é uma imagem potente, mas lhe falta a outra metade, o renascimento, criar novos horizontes”.
Porque o que para o autor está claro é que se encerra a civilização termoindustrial. “O Holoceno foi um período muito estável climaticamente, que durou 10.000 anos e permitiu a invenção das cidades e a civilização. Hoje, saímos da rota, para a agricultura é catastrófico, porque é a ciência da vida baseada na previsibilidade e só haverá terreno desconhecido. E as renováveis não serão suficientes para a mudança. Nossa civilização se baseia na força das energias fósseis. Nunca houve uma transição de certas energias para outras, utilizamos todas: carvão, nuclear, renováveis e uma imensa quantidade de energia fóssil insubstituível. E nenhuma fonte de energia infinita resolveria mais a mudança climática, nem as espécies desaparecidas. Já temos trajetórias irreversíveis”.
“O nível de vida irá diminuir, e isso pode ser antecipado, tornando-se menos desagradável, ou sofrido com guerras, doenças e fome. Há um sério risco de degradação das condições de vida mais rápido do que o previsto, embora tudo ainda esteja em aberto. E o decrescimento é uma política de antecipação, aprender a compartilhar, não tanto para os ricos e o mínimo vital para os pobres”.
“Mad Max é o quarto estágio da ruína, o que acontece hoje na Líbia, com pessoas no deserto com Kalashnikovs [armas], ruína das instituições, lutas de clãs e pelo petróleo. É uma possibilidade. Há cinco estágios: primeiro, a ruína financeira, sem dinheiro nos caixas, como a Argentina em 2001. É possível parar aí ou degenerar em ruína econômica: nada nos supermercados, como em Cuba, nos anos 1990. E isso pode levar ao colapso político, como na Rússia, nos anos 1990, com o retorno das máfias. E a ruína social, como em Mad Max. São os colapsos, no plural, e não são só uma coisa ou outra. Nem todos os países sairão igual deles, dependerá de como agirem”.
“Já temos os desastres aqui. Há margem de manobra, mas já há guerras pelo clima, refugiados climáticos, catástrofes nucleares, enormes incêndios, crises financeiras sucessivas, e isto pode se acelerar. E as elites não investem em resiliência, em abundância, em cuidados para atravessar este século de tempestades com o menor sofrimento. O Estado de bem-estar é uma invenção genial e o destruímos há 40 anos”, conclui.
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“O nível de vida irá diminuir, e isso pode ser antecipado ou sofrido”, afirma Pablo Servigne - Instituto Humanitas Unisinos - IHU