05 Dezembro 2020
"Estudo revela como as políticas neoliberais criam um campo de “desertos verdes”: sem trabalho, devastador e monótono. Oligarquia rural, agronegócio e fundos especulativos unem-se, controlam terras e são cada vez mais hostis à democracia", escreve International Land Coalition, em artigo publicado por Outras alaras, 03-12-2020. A tradução é de Simone Paz.
Este texto é o sumário executivo do relatório:
Land Inequalities at the Heart of Unequal Societies
Produzido pela Coalizão Internacional da Terra
A íntegra do documento (em inglês) pode ser lida aqui.
Na maior parte dos países, a desigualdade de terras cresce. Pior: novas medições e análises, publicadas neste relatório, mostram que a desigualdade de terras é significativamente maior do que registrado anteriormente. Essa tendência ameaça diretamente os meios de subsistência de cerca de 2,5 bilhões de pessoas envolvidas na agricultura familiar, no mundo inteiro.
A desigualdade de terras é também central para muitas outras formas de desigualdade — relacionadas a riqueza, poder, gênero, saúde e meio ambiente — e está fundamentalmente ligada às crises globais contemporâneas de declínio da democracia, mudança climática, segurança sanitária e pandemias globais, migração em massa, desemprego e injustiça intergeracional. Além de seus efeitos diretos na agricultura familiar, é evidente que a desigualdade da terra prejudica a estabilidade e o desenvolvimento de sociedades sustentáveis, nos afetando a todos e em quase todos os aspectos de nossas vidas.
A terra é um bem comum — fornece a água, os alimentos e recursos naturais que sustentam a vida. É ela que garante a biodiversidade, a saúde, a resiliência e os meios de vida equitativos e sustentáveis. É imóvel, não renovável e está intrinsecamente conectada às pessoas e sociedades. A maneira como administramos e controlamos a terra moldou nossas economias, estruturas políticas, comunidades, culturas e crenças por milhares de anos.
Apesar da desigualdade de terras ser o centro de inúmeros desafios globais, e apesar do reconhecimento global da importância fundamental de direitos fundiários seguros e equitativos nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e nas Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável da Posse de Terra, Pesca e Florestas (VGGTs), as desigualdades no direito à terra e na distribuição de seus benefícios estão aumentando, enquanto o uso insustentável da terra coloca um enorme fardo sobre os menos capazes de suportá-lo.
O “terreno irregular” ao qual aludimos no título desta síntese, é onde a maioria da população rural se encontra cada vez mais. Ela é o foco deste relatório e do trabalho da International Land Coalition (Coalizão Internacional da Terra). Pequenos proprietários e famílias de agricultores, povos indígenas, mulheres rurais, jovens e comunidades rurais sem terra — todos estão sendo confinados em parcelas menores de terra ou expulsos, enquanto cada vez mais terras estão concentradas em menos mãos, atendendo principalmente aos interesses do agronegócio corporativo e de investidores distantes, utilizando modelos industriais de produção que empregam cada vez menos pessoas.
Este relatório lança uma nova luz sobre a escala e velocidade dessa desigualdade de terras crescente.
Ele fornece a imagem mais abrangente disponível na atualidade, construída ao longo de 17 artigos de pesquisa especialmente encomendados, bem como a análise de dados e da literatura existentes. Ele descreve em detalhes as causas e consequências da desigualdade de terras, analisa potenciais soluções e oferece um caminho possível para a mudança.
Embora ainda existam lacunas significativas no nosso conhecimento, sobre a extensão dos interesses corporativos e financeiros nas terras do mundo, é evidente que a desigualdade de terras é maior e aumenta muito mais rapidamente do que pensávamos. A necessidade de abordar o tema é urgente e é do interesse de todos.
As vidas de 1,4 bilhões de pessoas no mundo todo, dependem diretamente da terra como fonte de alimento, de abrigo e de renda
Historicamente, a desigualdade de terras está relacionada a legados de colonialismo, conquista e divisão, e em várias partes do mundo é uma questão muito sensível politicamente. Do início do século XX até os anos 1960 e 1970, as políticas agrárias com foco nos pequenos produtores e em propriedades familiares, juntamente com as políticas de redistribuição de terras implementadas por vários governos, resultaram numa queda lenta, porém ininterrupta, dos principais indicadores globais de desigualdade fundiária.
No entanto, a partir da década de 1980, a desigualdade fundiária voltou a aumentar. As razões são discutidas neste relatório-síntese. Em resumo, ela resulta, principalmente, de modelos de agricultura industrial em grande escala, apoiados por políticas de mercado e economias desreguladas que priorizam as exportações agrícolas, bem como maiores investimentos corporativos e do setor financeiro em alimentos e agricultura; e, também, da fraqueza das instituições e mecanismos existentes para resistir à crescente concentração de terras.
Um resultado importante da tendência atual é um sistema agronalimentar e fundiário cada vez mais polarizado, com crescentes desigualdades entre os menores e os maiores proprietários. Os sistemas alimentares globalmente dominantes são controlados por um pequeno número de empresas e instituições financeiras, movidos pela lógica de retorno sobre investimentos em grande escala, por meio de economias de escala. Na outra extremidade do espectro estão os sistemas agroalimentares localmente dominantes, compostos majoritariamente por pequenos produtores e agricultores familiares, ligados a determinados pedaços de terra. Os dois sistemas não estão completamente separados; há muitos pontos de intersecção, mas eles representam duas abordagens que se afastam cada vez mais.
O entrecruzamento dessa desigualdade fundiária com outras desigualdades, e com as crises e tendências globais, envolve um sistema complexo de interconexões. A desigualdade de terras se manifesta de várias maneiras, sejam sociais, econômicas, políticas, ambientais ou territoriais. Muitas dessas manifestações estão inter-relacionadas e influenciam umas às outras, resultando nas principais crises e tendências globais que vemos hoje.
A desigualdade de terras está fundamentalmente relacionada à desigualdade política, particularmente, em sociedades onde o acúmulo de terras transmite poder político. Isso alimenta o controle oligárquico e aumenta as desigualdades de renda, riqueza e ativos. Quando a qualidade das instituições é baixa, as políticas de apoio aos poderosos tendem a ser favorecidas, ao passo que as políticas que beneficiam os pobres, os sem-terra, os pequenos proprietários, os povos indígenas, as mulheres e os agricultores familiares, não. Além disso, a propriedade ou o controle fundiário altamente concentrado podem subverter os processos políticos e frustrar os esforços de redistribuição mais justa. Desta forma, a desigualdade de terras enfraquece a democracia.
O desemprego e a redução da renda são outros dos resultados da desigualdade de terras, com implicações críticas para os países em desenvolvimento com grandes populações de jovens. Grandes fazendas industrializadas absorvem menos trabalhadores, de modo geral, e tendem a causar prejuízo à força de trabalho, reduzindo os salários reais. Especialmente na África, onde a agricultura ainda é o maior empregador, e onde o desemprego jovem é um grande desafio, a continuação irrestrita das tendências atuais de desigualdade de terras pode provocar um desastre social e econômico de enormes proporções.
A mudança climática é, ao mesmo tempo, causa e consequência da desigualdade fundiária, reduzindo a produtividade agrícola em várias partes do mundo e forçando muitos a abandonar a terra. E, embora sejam as monoculturas em grande escala e ambientalmente prejudiciais que contribuem para a mudança climática, as práticas mais sustentáveis de uso da terra por pequenos agricultores e povos indígenas são ameaçadas por despejos, desmatamento, perda da biodiversidade e pressão excessiva sobre a água e outros recursos naturais.
Existem fortes ligações entre a desigualdade fundiária, as mudanças nas práticas agrícolas, a segurança sanitária global e a propagação de doenças. A covid-19 é a mais recente doença zoonótica a emergir de uma combinação da criação insalubre de animais com a pressão sobre a terra e suas populações de animais selvagens, exacerbada pelos mesmos fatores que alimentam a desigualdade de terras. A covid-19 também contribuiu para a desigualdade de terras por meio da expropriação em sociedades mais policiadas.
A migração tem sido uma estratégia para as pessoas que enfrentam pobreza, condições de vida precárias, exclusão social e falta de oportunidades — todos fatores que surgem do acesso desigual à terra. A migração em massa e forçada também é uma resposta aos conflitos, deslocamentos, mudanças climáticas e democracias instáveis e é impulsionada ou agravada por essa desigualdade.
A desigualdade de terras está intimamente relacionada à exclusão social e à justiça intergeracional. Mulheres e jovens rurais enfrentam vários desafios relacionados à desigualdade de terras, incluindo o acesso reduzido a elas e a perspectivas de emprego, tudo agravado pelas mudanças climáticas. A desigualdade fundiária, portanto, tem implicações na exclusão social e no desempoderamento, reduzindo estruturalmente as oportunidades para as gerações rurais mais jovens de melhorar suas vidas a longo prazo — especialmente as meninas.
O fim da pobreza e da fome, a garantia de boa saúde e bem-estar, meios de vida decentes, igualdade de gênero, ação climática, paz e instituições fortes dependem, em certa medida, de enfrentar a desigualdade fundiária.
Se não abordarmos os diversos tipos de desigualdade fundiária, nunca alcançaremos um desenvolvimento inclusivo e sustentável que não deixe ninguém para trás.
Há nítidas evidências de que agricultores familiares e de pequena escala e povos indígenas, geralmente, produzem mais valor líquido por unidade de área do que as grandes empresas, e suas práticas de uso da terra tendem a apoiar a biodiversidade e solos, florestas e fontes de água mais saudáveis. Os direitos das mulheres à terra e os direitos coletivos à terra são particularmente importantes neste contexto. Impulsionados pela lógica de herança e manejo, em vez dos lucros de curto prazo, eles têm muito para oferecer aos objetivos globais de um desenvolvimento equitativo e sustentável — embora sejam cada vez mais excluídos, enquanto as tendências globais favorecem a concentração de terras.
O problema da desigualdade de terras é maior do que pensávamos. 41% maior
A medida tradicional da desigualdade de terras — o coeficiente de Gini para a distribuição de terras, com base em pesquisas domiciliares que registram a propriedade e o tamanho de sua área — fornece uma perspectiva de longo prazo útil sobre a desigualdade de terras entre os países. No entanto, ela pinta apenas uma imagem parcial, que não leva em consideração a natureza multidimensional da terra (posse, qualidade, ativos), nem reflete múltiplas propriedades ou controle real sobre a terra, nem inclui os sem-terra. No âmbito desta Iniciativa para a Desigualdade de Terras, esses dados foram, agora, complementados por metodologias inovadoras, implementadas numa amostra de 17 países. Os resultados indicam que a desigualdade fundiária é muito pior do que se pensava anteriormente.
Hoje, estima-se que existam aproximadamente 608 milhões de propriedades rurais no mundo, e a maioria ainda é familia.
No entanto, o 1% das maiores fazendas controla mais de 70% das terras agrícolas do mundo e está integrado ao sistema alimentar corporativo, enquanto que mais de 80% das propriedades mundiais são pequenas, de menos de dois hectares — geralmente excluídas das cadeias alimentares globais.
Embora os padrões variem significativamente de região para região, desde 1980 a concentração de terras tem aumentado significativamente em todas as regiões (América do Norte, Europa, Ásia e Pacífico), ou uma tendência decrescente foi revertida (África e América Latina). Na maioria dos países de baixa renda, vemos um número crescente de propriedades cada vez menores, enquanto em países de alta renda as grandes fazendas estão ficando maiores.
Quando se leva em consideração a múltipla propriedade de lotes, o valor da terra e a população sem-terra, a pesquisa conduzida para este projeto conclui que a desigualdade da terra tem sido significativamente subestimada. Em geral, nos países da amostra, novas medições mostram que os 10% mais ricos das populações rurais captam 60% do valor da terra agrícola, enquanto os 50% mais pobres, que geralmente são mais dependentes da agricultura, capturam apenas 3%. Em comparação com os dados do censo tradicional, isso mostra um aumento na desigualdade de terras rurais de 41%, quando o valor da terra agrícola e os sem-terra são levados em consideração; e um aumento de 24% se só for considerado o valor.
Essas novas estimativas nos dão, também, novas e importantes percepções sobre os padrões internacionais de desigualdade de terras. Embora a América Latina continue a ser a região mais desigual, a desigualdade de terras nos países asiáticos e africanos amostrados aumenta muito, proporcionalmente, quando o valor da terra e as populações de sem-terra são incluídos. Os países asiáticos que pareciam moderadamente igualitários sob as medidas tradicionais (como Índia, Bangladesh e Paquistão) têm os níveis mais altos de desigualdade quando o valor da terra e a população de sem-terra são incluídos. A China e o Vietnã, por outro lado, exibem níveis mais altos de desigualdade de terras entre proprietários de terras do que o Sul da Ásia e a África, mas a concentração de terras é apenas ligeiramente mais alta quando o valor da terra e as famílias sem-terra são considerados. A África tem os níveis mais baixos de desigualdade de área de terra entre os proprietários, mas isso também aumenta significativamente quando os valores da terra e as populações de sem-terra são incluídos.
A concentração de terras não é inevitável. Ela é produto do controle oligárquico, dos interesses corporativos e das decisões políticas
As descobertas sobre a desigualdade de terras aqui relatadas, são praticamente um eufemismo, pois nenhum dos dados disponíveis mostra quanta terra é controlada ou operada por entidades corporativas e fundos de investimento, embora suas operações envolvam claramente interesses significativos nas terras de diferentes países.
Essas formas menos visíveis de controle não envolvem, necessariamente, propriedade. A agricultura por contrato, por exemplo, pode incorporar terras às cadeias de abastecimento, criando novas dependências e perpetuando modelos extrativistas. Há uma crescente concentração corporativa de propriedade e controle em todo o setor agroalimentar, o que influencia a forma como a terra é usada. Além disso, o papel crescente dos mercados e atores financeiros trata a terra como uma classe de ativos e pode mudar significativamente a maneira como ela é controlada e usada.
No setor agroalimentar, a organização empresarial está vinculada aos modos industriais de produção primária, que buscam ganhos de escala. Além disso, por meio da integração horizontal e vertical, esses agentes controlam grandes seções de cadeias de valor específicas, muitas vezes desde sementes, por meio de insumos, até o varejo, permitindo-lhes exercer um controle significativo sobre a terra para colher o valor máximo, e contribuindo indiretamente para a desigualdade fundiária.
A concentração do controle é agravada pelo aumento do interesse que o setor financeiro tem em terras agrícolas. Parte das terras agrícolas do mundo agora é considerada ativo financeiro, sem nenhum proprietário físico conhecido, sujeita a processos de tomada de decisão que podem ser externos à propriedade. Instrumentos como participações acionárias e o uso de valoresderivativos destacam os investimentos de sua base material, e podem trazer maior instabilidade aos mercados agrícolas e colocar pressões especulativas sobre a terra e seus produtos. Entre os gestores de ativos e firmas de capital privado envolvidas em investimentos agrícolas estão os maiores fundos administrados do mundo, que também têm investimentos substanciais em grandes grupos de supermercados, bem como nas maiores empresas de sementes e nos principais criadores de gado do mundo.
Estruturas corporativas e financeiras complexas e participações cruzadas demonstram que as linhas de responsabilidade, outrora inconfundíveis, pelo uso e gestão da terra estão se tornando mais difíceis de distinguir, ao mesmo tempo que se tornam mais importantes. Também é difícil responsabilizar os investidores por seus impactos econômicos, sociais e ambientais quando os investidores primários são desconhecidos e/ou geográfica e institucionalmente distantes da terra em questão.
As políticas e medidas apresentadas neste relatório não são completas. Tampouco existe uma solução “tamanho único” que sirva para tudo. Em vez disso, este relatório oferece uma série de medidas para construir e adaptar a contextos, regiões ou países específicos, enquanto observa que o setor de terras está em constante e acelerada transformação e que as medidas de mitigação sempre terão de ser adaptadas ao longo do tempo.
É importante enfatizar que os esforços de redistribuição de terras por si só não garantem meios de vida sustentáveis, quanto mais prosperidade, para a maioria da população rural. É necessária uma série de medidas, incluindo programas redistributivos, reformas regulatórias, tributação e medidas de responsabilização, não apenas em relação à terra, mas em todo o setor agroalimentar, desde os insumos até o varejo. Essas intervenções corrigiriam os desequilíbrios de poder que afetam a terra e o setor agroalimentar, ao mesmo tempo, apoiariam relações mais equitativas entre as pessoas e a terra.
As reformas agrárias desempenharam um papel decisivo em alguns países, mas geralmente exigiram uma revolução social e política excepcional para serem bem-sucedidas. Para terem eficácia e evitar um retorno à desigualdade fundiária com o tempo, as reformas agrárias devem se basear em objetivos políticos de longo prazo que estejam alinhados com a trajetória socioeconômica geral de um país, abrangendo mudanças estruturais de base mais ampla. Eles também devem considerar as necessidades socioeconômicas dos beneficiários pretendidos, como acesso a crédito, serviços de apoio e infraestrutura.
A regulamentação cobre uma série de medidas que regem a transferência, propriedade, uso e controle de terras. Isso deve incluir a regulamentação da propriedade institucional e dos mecanismos de controle da terra por meio de instrumentos financeiros sofisticados, incluindo fundos listados e não listados. Uma regulamentação efetiva do mercado de terras precisa de instituições de governança com finalidade pública, que reflita direitos coletivos e a capacidade de agir com certo grau de autonomia. Desta forma, o mercado pode ser integrado à sociedade e controlado por instituições, incluindo representantes dos habitantes de cada território.
Os impostos sobre a terra podem ser um instrumento progressivo para lidar com a desigualdade fundiária. Usados de forma eficaz, eles podem desencorajar a acumulação, reduzir a especulação e restringir a transmissão intergeracional da desigualdade. Eles também podem fornecer uma fonte previsível de receita que pode ser usada para investimentos em infraestrutura e serviços públicos. Obstáculos a um imposto sobre a terra podem ter origem política ou decorrer da falta de informações sobre a propriedade da terra, transações e mudanças no valor.
O fortalecimento da responsabilidade corporativa e dos investidores em relação à terra dificilmente acontecerá sem uma fiscalização. Embora aspirações positivas sejam estabelecidas em mecanismos como os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos ou nas Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, a mudança só acontecerá se existirem conformidades e relatórios obrigatórios para cumprir os padrões neles expressos. Em última análise, há uma necessidade de leis nacionais e estruturas políticas mais fortes que obriguem os investidores a seguir os mais altos padrões de “due diligence” (diligência devida) e de direitos humanos, e padrões de proteção ambiental. É também necessário apoiar um acompanhamento mais independente e inovador de empresas e investidores que operam na agricultura e em atividades relacionadas com a terra, bem como na participação e controle da produção.
Toda solução para a desigualdade fundiária deverá abordar a sua desigualdade horizontal, que afeta particularmente as mulheres e os grupos que detêm direitos coletivos à terra. Os direitos coletivos garantidos protegem o bem-estar, os meios de subsistência e a capacidade de preservação das terras de muitos povos indígenas e de comunidades locais; além disso, reforçam o papel de administração que essas populações e territórios desempenham em relação às mudanças climáticas, à gestão da biodiversidade global, conservação biocultural e justiça (territorial e de gênero). É de vital importância exigir o respeito ao consentimento livre, prévio e informado (CLPI) das comunidades. Garantir os direitos das mulheres à terra é igualmente importante e desafiador, inclusive para terras comunais. Alcançar a igualdade de gênero nos direitos à terra requer uma combinação complexa de ações, incluindo reforma legal e adaptação de normas sociais, atitudes e comportamentos.
A mudança será difícil, mas não impossível. Os contra-movimentos e a ação coletiva estão surgindo em resposta à desigualdade fundiária, buscando tornar os atuais modelos de produção e cadeias de valor mais justos e mais inclusivos para os agricultores. Os movimentos agroecológicos também cresceram significativamente, defendendo os direitos fundiários dos agricultores familiares independentes e pressionando por mudanças, enquanto implementam diferentes práticas na terra.
Apesar da extrema importância da questão, as ferramentas para abordar a desigualdade fundiária continuam mal implementadas e os interesses adquiridos nos padrões de distribuição das terras são fortes e difíceis de mudar — especialmente ao enfrentar os fatores estruturais que impulsionam a desigualdade.
No entanto, a mudança é necessária. A urgência de abordar a desigualdade da terra é alimentada pela mesma urgência com que as pessoas exigem ações em outros desafios interligados: crises climáticas e ambientais, pobreza, doenças e ameaças à democracia. Esse mesmo senso de urgência está vendo as comunidades darem pequenos passos no sentido de construir sistemas agrícolas e alimentares mais sustentáveis, ajudando a erguer sociedades mais coesas e tornando-as mais resilientes.
No entanto, reverter a desigualdade fundiária em qualquer medida significativa exigirá uma profunda transformação nas relações de poder. As soluções exigem grandes mudanças nas normas políticas, econômicas e jurídicas, assim como ações que atinjam a raiz do que torna as sociedades e economias desiguais e insustentáveis. Isso demandará um esforço considerável das organizações de populações rurais e povos indígenas, da sociedade civil, de formuladores de políticas e líderes do setor financeiro e corporativo. Terão de ser criados processos inclusivos, dando voz a todas as partes interessadas, especialmente aos mais vulneráveis.
O novo conhecimento proveniente da Iniciativa para a Desigualdade de Terras visa apoiar este processo de mudança e pensar ações de defesa e campanha, bem como o estabelecimento de um mecanismo de longo prazo para medir e monitorar a desigualdade de terras globalmente. Em última análise, um futuro alternativo, imaginado por todos aqueles que contribuem para este trabalho, será impulsionado por novas visões do bem-estar humano e do florescimento planetário. A forma como usamos, compartilhamos e administramos a terra, a água e os recursos naturais está ao centro desta visão.
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Desigualdade Fundiária, drama global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU