22 Julho 2020
"Diante de um futuro incerto, a nossa esperança é de que exemplos fortes de liderança orientada à missão deixem mais claro do que nunca que a formação para a missão é uma necessidade, e não um luxo", escrevem Jeanne Lord, vice-presidente associada de Assuntos Estudantis da Universidade de Georgetown e diretora do Seminário de Liderança Jesuíta, da Associação de Faculdades e Universidades Jesuítas, nos Estados Unidos, e Kevin Sullivan, diretor da Nativity Prep Boston e coordenador do Seminário de Liderança Jesuíta, em artigo publicado por America, 20-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando questionada sobre os imensos desafios que o Ensino Superior enfrenta atualmente, Linda LeMura, reitora do Le Moyne College, em Syracuse, ofereceu uma resposta de encorajamento a todas as nossas universidades jesuítas: “Esta missão durou 500 anos. A educação jesuíta viu pestes, recessões, guerras. Eu sei que vamos superar isto”.
Enfrentar a pandemia da Covid-19 e o nosso necessário acerto de contas nacional com a raça exige uma visão de longo prazo e um pensamento holístico, e os líderes das nossas instituições jesuítas têm a sorte de ter em suas mãos uma tradição espiritual e educacional testada pelo tempo, baseada na tomada de decisões a partir de princípios em prol de um bem maior.
Mas não há nenhum roteiro pronto, nenhum conjunto de “melhores práticas” para liderar qualquer instituição a atravessar uma pandemia ou um movimento nacional contra o racismo. A liderança inaciana não pode ser ensinada através do desenvolvimento profissional ou do coaching executivo, mas emerge de um processo contínuo de formação.
A formação é um processo vitalício que desenvolve mais do que um conjunto de habilidades e de melhores práticas. Em termos inacianos, ela desenvolve um “modo de proceder” específico, uma forma de abordar o mundo com consideração, cuidado, coragem e amor.
Essa formação missionária não é um luxo. Agora, mais do que nunca, deve ficar claro nas nossas universidades jesuítas que a formação inaciana para a missão produz frutos não apenas em tempos “normais”, mas principalmente em tempos de crise.
Os programas formativos para a missão – como o Seminário de Liderança Jesuíta, da Associação das Faculdades e Universidades Jesuítas, e o Programa Colegas Inacianos – desenvolvem lideranças universitárias com o tipo de entendimento extremamente necessário hoje, introduzindo e embebendo os participantes nos seguintes princípios inacianos.
O autêntico discernimento, ou seja, fazer a melhor escolha entre boas opções concorrentes, requer um nível profundo de liberdade interior. Um líder inaciano é capaz de filtrar os muitos medos e apegos do momento para priorizar aquilo que é realmente importante: as pessoas que as nossas instituições educam, às quais elas servem e a quem empregam.
Santo Inácio identificou atitudes e qualidades básicas fundamentais para um discernimento ponderado: abertura, generosidade, coragem, hábito de reflexão, ter prioridades diretas e não confundir os meios com os fins. Não são exatamente essas as qualidades necessárias nas lideranças hoje, seja na educação, nos negócios ou na política?
O termo inaciano “magis” é frequentemente confundido com “mais”: devemos fazer mais, devemos fazer melhor, devemos escolher a opção que reforça a nossa imagem pública ou os nossos números de matrículas ou as nossas contas.
Como observa Barton Geger, SJ, uma tradução mais próxima seria “o bem mais universal”, intimamente ligado à frase “ad majorem dei gloriam” (“para a maior glória de Deus”). As nossas instituições precisam de líderes, em todos os níveis, comprometidos em tomar decisões para um bem maior do que qualquer parte individual.
Atualmente, há nas nossas escolas um profundo luto pelas cerimônias de formatura perdidas, pelo tempo de pesquisa perdido e até mesmo pelos familiares perdidos. Existe uma profunda raiva por causa das vidas perdidas pela violência racial e pela brutalidade policial.
Como instituições jesuítas, temos a bênção de enfrentar o luto e a cura a partir da perspectiva da fé. Através do entendimento da “cura personalis” (“cuidados pessoais e amorosos para com toda a pessoa”), as lideranças inacianas buscam um cuidado que vai além das necessidades acadêmicas e de saúde física. Um líder inaciano age com o reconhecimento de que os estudantes, os professores e os colaboradores não são apenas pagadores de mensalidades ou empregados, mas sim indivíduos com vocações, alegrias e sofrimentos.
Os programas de formação como o Seminário de Liderança Jesuíta e o Programa Colegas Inacianos são realizados em grupos por uma razão. A formação não é um processo pessoal isolado, mas sim comunitário, que ajuda as pessoas a verem os professores, os colaboradores e os estudantes como companheiros e comissionários.
Unidade, confiança e vontade de fazer sacrifícios pelos outros são fundamentais em tempos de crise. A capacidade de buscar orientação, aconselhamento e cooperação de colegas de outras instituições jesuítas é um imenso benefício em um tempo em que as instituições de Ensino Superior estão focadas na sobrevivência individual.
De muitas formas, fechar temporariamente as nossas instituições educacionais jesuítas e condenar publicamente o racismo sistêmico foram decisões fáceis. São as imensas decisões que estão por vir – sobre como reabrir, cortar custos em uma crise econômica, proteger os vulneráveis das nossas comunidades, diversificar as nossas comunidades universitárias e empoderar vozes marginalizadas – que exigirão líderes embebidos no “nosso modo de proceder”, prontos para enfrentar e resolver qualquer problema ou crise a partir de uma lente de liderança inaciana.
Especialmente nestes tempos, a formação ajuda as lideranças a olharem para o coração da nossa missão: amar e servir a Deus e uns aos outros. Guiadas por nossa tradição e missão comuns, nossas instituições de ensino jesuítas podem emergir dessa agitação pandêmica e nacional não apenas tendo sobrevivido, mas também tendo contribuído para o bem maior das nossas comunidades institucionais, da nossa nação e do nosso mundo.
“O amor de Deus nos chama a ir além do medo. Peçamos a Deus a coragem de nos abandonar sem reservas, para que possamos ser moldados pela graça de Deus, mesmo que não possamos ver aonde esse caminho pode nos levar.” Hoje, essas palavras de Santo Inácio Loyola nos oferecem uma grande consolação e encorajamento, mas não são uma receita fácil. Elas exigem a liberdade interior, a humildade e a coragem que vêm da formação inaciana.
Enquanto o Ensino Superior estadunidense se prepara para um futuro incerto, a nossa esperança é de que exemplos fortes de liderança orientada à missão deixem mais claro do que nunca que a formação para a missão é uma necessidade, e não um luxo.
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“A educação jesuíta sobreviveu a pestes, recessões e guerras. E sobreviverá também a 2020” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU