27 Mai 2020
É uma dinâmica alternativa e complementar, porque o Espírito Santo provoca desordem com os carismas, mas nessa desordem cria harmonia. Igreja livre não significa Igreja anárquica, porque a liberdade é um dom de Deus. Igreja institucionalizada significa Igreja institucionalizada pelo Espírito Santo. Uma tensão entre desordem e harmonia: esta é a Igreja que deve emergir da crise. Devemos aprender a viver em uma igreja em tensão entre a desordem e a harmonia provocados pelo Espírito Santo. Se você me pedir um livro de teologia que possa ajudá-lo a entender isso, indico os Atos dos Apóstolos. Ali encontrará a maneira pela qual o Espírito Santo desinstitucionaliza o que não serve mais e institucionaliza o futuro da Igreja. Esta é a Igreja que deve emergir da crise (A. Ivereigh, Entrevista com o Papa Francisco, em La Civiltà Cattolica, 8 de abril de 2020).
O que apresento a seguir é uma série de perguntas - aqui formuladas esquematicamente por ocasião de um momento eclesial - que surgiram nos últimos meses a partir da leitura de alguns capítulos dos Atos dos Apóstolos, da observação atenta de algumas possíveis instâncias da Igreja em nosso tempo, do debate com amigos e amigas, entre os quais lembro Carlo Bondioli e Maria Chiara Piccinini.
O artigo é Fabrizio Mandreoli, teólogo, filósofo e historiador, em artigo publicado por Settimana News, 21-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Trata-se de um desconforto pessoal e comunitário – que precisa ser ouvido. Como cultivar o sentido de realidade sem obscurecimentos e remoções, sem fantasias e fugas? Nos Atos, os problemas resolvidos abrem horizontes e colocam à disposição novas ferramentas. Como enfrentamos os nossos problemas e conflitos?
Como podemos estar próximos dos pobres, em solidariedade com aqueles que não têm ninguém e vivem o impacto de uma sociedade com crescentes desigualdades? Como realmente ver - sem filtros paternalistas e degradantes - as pessoas?
Como vivemos a empreitada humana - a sede - de buscar sentido na vida? Como buscamos significado a partir da palavra de Deus? Perguntas que não são mais dadas como certas hoje: como manter o sentido de uma existência e de uma existência no ministério?
Como gerir as diferenças e as parcialidades culturais? Como gerir a tribulação, a crise, a mudança e o pulsar das identidades? Como imaginar e caminhar, em nossa diversidade e parcialidade, rumo a um projeto comum compartilhado?
Quem envolver? A quem - homens e mulheres - confiar formas de ministério? Como abrir espaço e dar a palavra? Pense aqui no belo exemplo da senhora Marianne Pohl-Henzen nomeada delegada episcopal - isto é, dentro do conselho episcopal - para a parte alemã da diocese católica de Lausana.
Como narrar a nossa história pessoal e coletiva? Como encontrar um significado – não rancoroso nem obstrutivo – para a nossa história? Como não ficarmos reféns do passado e da frustração? Como enfrentar em nossos corações o dilema – em Estêvão é o martírio – de tentar ser fiel ao Evangelho nas escolhas que estão diante de nós?
Quanta tensão contemplativa existe? Contemplação da realidade humana e da história de Jesus. Como combinamos – sem anular nenhum dos dois polos – contemplação do caminho de Jesus e atenta meditação sobre os problemas e os dramas - biográficos e coletivos - da nossa história?
Como recuperar os traços elementares do cristianismo de Jesus, ou seja, como viver, sendo ministros, uma vida como homens e como cristãos (eu me permito exemplificar: presentes a si mesmos e às coisas, leais, corajosos, sem banalizar a vida, pessoas que amam, são responsáveis, que sabem olhar longe, sabedores que aprenderam com a vida)?
Opõe-se "resistência ao Espírito" (Atos 7.51) sempre que em nome de uma tradição mal compreendida e fossilizada se defende a própria construção sagrada. É muito bela e útil a expressão "Igreja/assembleia do deserto" (Atos 7,38), que indica uma Igreja mais disponível ao caminho: se e como se manifesta o apego a uma Igreja instalada e enrijecida - com papéis ossificados e na defensivos - que nos opõe à mobilidade da via cristã (Atos 9,2)?
Como passar, então, do modelo de Jerusalém (realidade monocultural com o templo, instituições, classes sacerdotais e leis do passado ainda no centro) para o modelo de Antioquia (At 11,20) e dali até os confins da terra (isto é, distantes do templo, na pluriculturalidade caótica e viva, com uma ministerialidade dinâmica e plural, gratos ao passado, mas com uma história ainda toda a ser escrita)?
Para concluir: Giuseppe Dossetti costumava dizer que cada geração tem sua própria tarefa histórica, hoje a pergunta - talvez - poderia ser qual é a nossa tarefa?
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A Igreja, entre desordem e harmonia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU