23 Abril 2020
Precisamente porque construímos as nossas seguranças que sentimos como precisas e dogmáticas, bastou um “mínimo vírus inesperado” para abalar a existência dos povos, sem olhar na cara nem dos ricos nem dos pobres, nem dos segurados nem daqueles que estão descobertos de seguranças: algo absolutamente impensável, inesperado.
O comentário é de Giovanni Zambotti, publicado em Settimana News, 22-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como viver este tempo sem sermos esmagados por ele, sem sentirmos apenas o negativo? Ou, melhor, existe o positivo? Existe em nós essa sensibilidade do vazio, habituados a ter normalmente o pleno: sentimo-la fisicamente, temos uma consciência geral dela nos nossos encontros litúrgicos, nos encontros do Papa Francisco, na impossibilidade de nos encontrarmos pessoalmente.
Evidentemente, estamos em um período de fortes mudanças, Francisco já falou várias vezes de “transição epocal”. E, como estamos bem acostumados, toda mudança, uma mudança de hábitos, uma mudança no ritmo de vida, nos faz sofrer. E, como estamos sentados comodamente, fingindo que não existe a pobreza, que não existem os pobres ou, melhor, que não existem os povos pobres (e estamos imediatamente prontos para rotular os outros para defendermos a nós mesmos ou para nos justificarmos), percebemos cada mudança como um traição contra nós.
Precisamente porque construímos as nossas seguranças que sentimos como precisas e dogmáticas, bastou um “mínimo vírus inesperado” para abalar a existência dos povos, sem olhar na cara nem dos ricos nem dos pobres, nem dos segurados nem daqueles que estão descobertos de seguranças: algo absolutamente impensável, inesperado!
E sofremos com esse estado de insegurança (sempre esquecendo que muitos outros estão inseguros, que o Evangelho sempre falou do egoísmo do rico, da responsabilidade do serviço). Inicialmente, parecia que a mudança não deveria tocar a Igreja, a fé: mas tivemos as provas concretas, aceitamos as escolhas necessárias para ter que experimentar o vazio, a insegurança, o desapego.
O vírus abalou toda “quadratura de segurança”, tivemos que experimentar isso com as praças vazias, com as igrejas vazias, com a Páscoa e o Tríduo (o máximo da experiência de fé) traduzido em um esforço de experiência de fé nova, feita sobre a nossa pele, nas nossas casas, com escolha pessoal. Foi desordenada a vida social, a religiosa, a família, a escola, o trabalho, o tempo livre.
Não se quis entender, ver além de nós mesmos: defendemo-nos a todo o custo, acreditando apenas nas nossas seguranças; não percebendo a contrariedade com a palavra de Deus! E bastou um pequeno vírus... e a consequência é o medo, a consciência de uma total insegurança econômica para o amanhã, para o trabalho, para o futuro dos filhos, para o despreparo técnico sofrido, para a saúde (os técnicos não conseguem descobrir o antivírus! Ao contrário, alguns deles nos deixam as penas).
E surgem grandes problemas que não se quer – não se quis – enfrentar: a exploração anômala da natureza, as riquezas naturais da água, do petróleo e das matérias-primas que estão se esgotando, a poluição. O egoísmo do sistema econômico e produtivo que cria os pobres, a fabricação de armas que fazem a potência dos ricos, as guerras telecomandadas, a violência no mundo, a falta de solidariedade, a poluição, as mudanças sazonais.
Tudo mal, então? Mas esses problemas (os mais normais de Caim e Abel) sempre existiram: talvez, no passado, fôssemos mais responsáveis, combatíamos mais, enquanto eles se elevavam mais como sistema, e a TV no-los bombardeia a cada momento.
Talvez tenhamos aceitado demais o conforto, exigindo-o apenas para nós, não olhando para os outros ou, melhor, procurando o nosso privilégio, não reconhecendo o direito dos irmãos.
Essa conscientização é o lado positivo de todas as nossas vicissitudes, não é a solução dos problemas. Devemos ver os problemas (e hoje é mais fácil, porque temos tantos meios à disposição, não?). Mas devemos passar por uma conversão, escutar a palavra de Deus de um modo novo, reencontrar uma linha de fé, reconhecer e respeitar o irmão, superar os egoísmos fáceis ou complexos (comércio capitalista): esse é o preço a pagar, que requer fé em Deus Pai, confiança e acolhida dos irmãos, viver com responsabilidade. E eu acho que o Senhor vem ao encontro da sinceridade, da pobreza do ser humano... é honesto!
E sejamos positivos: passado o choque psicológico do momento, deveremos reencontrar juntos (e ampliando em nível de povo) força, coragem e confiança, porque será preciso recomeçar sem continuar os lamentos e também ser inovador. Não será fácil, rápido, não se poderá copiar o passado.
Penso que um ponto muito delicado será o vazio de tantas pessoas falecidas, famílias despedaçadas, cidades que não se reconhecerão, a falta de pessoas centrais: talvez será a fase mais pesada.
Mas eu gostaria de fazer outras reflexões. Acredito que nós, se ficamos muito impressionados com a propagação da pandemia, sofremos um segundo choque pelo “vazio das igrejas”, a ruptura tradicional da Quaresma e do Tríduo Pascal: nunca teríamos pensado que a Igreja se abaixaria até ceder nesse campo essencial.
De fato, foi uma grande impressão! Mas maior foi o testemunho de Francisco na praça São Pedro vazia, onde ele testemunhou que a fé não é a multidão, que a oração é uma adesão pessoal ao Senhor que queremos interpelar, que é relacionamento convicto e não falso, que a multidão estava (o verdadeiro milagre) nos crentes e não crentes que acompanhavam a oração e estavam unidos a ele. Que eram comunidade crente... com uma praça vazia.
E ainda: talvez neste mês (apenas um mês) tenha caído um tapume tradicional e se descobriu uma Igreja vazia, uma autenticidade renovada nos fiéis, não apegada às estruturas, aos hábitos, mas à escuta e livre na sua relação com Deus.
Uma comunidade que sentiu a si mesma, que tem a sua importância; que um dia deverá ser reconvocada, mas que demonstrou que existe, que participa, que escolhe com fé e autenticidade. Talvez fora de tantos esquemas habituais... Evidentemente, passada esta explosão do vírus, serão necessários vários aprofundamentos e reflexões; em nível oficial e interpelando muitas vozes, todo o povo de Deus.
Não devemos nos iludir de que tudo é fácil, mas foi aberto um caminho de novidade, de aprofundamento autêntico: todos poderão colaborar com ele, em uma abertura de fé, mas também de acolhida ecumênica.
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Agamben, uma resposta. Artigo de Giovanni Zambotti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU