16 Abril 2020
O cientista político indiano explica como a pandemia de Covid-19 provocará uma localização dos mercados para evitar a falta de mercadorias à disposição, como aconteceu com máscaras e medicamentos.
"O futuro a curto prazo pode parecer distópico para muitos, porque em poucas semanas tudo mudou. O mundo parou subitamente, como nunca havia acontecido antes: e hoje não reconhecemos mais suas dinâmicas. Com certeza a pandemia está revelando falhas e fraquezas em nossos sistemas políticos, comerciais e econômicos, mais rápido do que nunca. Por isso, estou convencido de que, em vez de desencadear novas dinâmicas, a longo prazo, o vírus acelerará os processos já em andamento: o declínio dos Estados Unidos, a perda da influência chinesa, a regionalização dos mercados e muito mais".
O cientista geopolítico de origem indiana Parag Khanna, 42 anos e já um currículo cheio de ensaios-best-sellers e consultorias governativas internacionais, por telefone de sua casa em Cingapura, onde ele está em isolamento com a família, apresenta suas previsões com resguardos: "Minha análise é flexível. Aberta aos elementos de novidade que se somam. " Ex-consultor de Barack Obama, ele é autor de ensaios como o Connectography. Os mapas da futura ordem mundial. E também O renascimento das cidades-estado. Como governar o mundo no tempo da devolution, até o recente O século asiático?.
A entrevista é de Anna Lombardi, publicada por La Repubblica, 15-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Obrigados a fechar fronteiras e isolar as pessoas em casa, descobrimos, ao mesmo tempo, que precisamos mais do que nunca a ajuda dos outros, pessoas e nações. Como a globalização está mudando em tempos do coronavírus?
A globalização que conhecemos, um fluxo contínuo de bens e pessoas, no curto prazo, sem dúvida, parou. Mas mesmo agora que estamos todos presos na casa, isso parece absurdo, um dos primeiros efeitos que veremos quando as coisas voltarão aos trilhos, será uma grande migração: pessoas que tentarão se mudar de "zonas vermelhas" mal governadas e gerenciadas para "áreas verdes", ou seja, lugares mais preparados para enfrentar as emergências. Isso já estava acontecendo antes, com jovens dispostos a se mudar para cidades menos caras ou para países da Ásia ou da América Latina em busca de situações de vida mais favoráveis.
No que se refere às mercadorias, foi suficiente a carência de máscaras e suprimentos médicos para nos mostrar claramente quanto estamos interconectados e dependentes dos outros, e, portanto, como somos vulneráveis. Aquele modelo de suprimentos global - que se move ao longo de vias horizontais - nos fez repentinamente ficar sem produtos dados como certos. E como ninguém quer depender de cadeias de suprimentos fáceis de interromper, minha previsão é de que a economia mundial será cada vez mais regionalizada.
Como é possível um globalismo regional?
As mercadorias passarão para mercados mais restritos e mais próximos. Em suma, teremos um mercado mais europeu para os europeus, mais asiático para os asiáticos e mais norte-americano para os norte-americanos. Por outro lado, a regionalização da economia mundial também faz parte de uma mega tendência que já vem ocorrendo há algum tempo. A pandemia está apenas a acelerando. Para ficar claro, já em 2017 a guerra comercial entre China e Estados Unidos transformou o México e o Canadá nos principais parceiros comerciais dos estadunidenses, com os EUA se tornando menos dependentes das exportações chinesas. Mas atenção, isso não significa que a globalização está entrando em colapso. Nem tudo foi interrompido pelo vírus.
A que se refere?
Aos serviços digitais, por exemplo. Informação, música, filmes: conhecimento imaterial. Estamos todos usando Netflix, Spotify ou acompanhando aulas on-line ... Aqui, estamos testemunhando um grande aumento da globalização dos Big Data. Hoje valem mais que o petróleo, cujo mercado é incerto. Aqueles que dizem que a globalização está em crise porque o mercado de petróleo está em crise se equivocam. Estamos presenciando um novo fenômeno da globalização cultural, cujo valor de mercado ainda não conseguimos nem mesmo quantificar. De qualquer forma, a globalização está longe de estar morta: a meta permanecerá "leve aonde você vende" e isso será ainda mais verdadeiro para produtos como carros e tecnologia.
No entanto, você prevê uma China menos dominante e o declínio dos Estados Unidos como potências capazes de influenciar os destinos do mundo.
Mas mesmo essa é uma tendência que começou muito antes do vírus. A influência estratégica dos EUA está diminuindo há algum tempo, basta pensar no fracasso de suas últimas guerras no Iraque e no Afeganistão e na crescente dificuldade de estabilizar crises financeiras que representam um sólido modelo econômico. Essa deslegitimação já dura 20 anos, não podemos culpar o vírus pelo declínio da credibilidade dos EUA, que se reflete no fracasso interno de gerenciar a emergência desencadeada pelo vírus que estamos testemunhando hoje. Dentro e fora desse país, as pessoas perderam a confiança na maneira como os Estados Unidos gerenciam as crises financeiras, as guerras e suas próprias eleições.
E o que diz da China? O vírus começou ali, mas agora tentam remediar com uma espécie de diplomacia da ajuda.
Entre a China e os Estados Unidos hoje existe uma trégua, é claro: Donald Trump prometeu não chamar mais a Covid-19 de "vírus chinês" e a China tenta recuperar sua imagem doando máscaras cirúrgicas, testes e ventiladores para os países mais afetados, incluindo a Itália. Mas mesmo a confiança no dragão já estava desaparecendo antes ainda. Lá a economia está desacelerando, a população está envelhecendo. E depois sua resposta ao vírus provou sua autarquia: já produz quase tudo o que precisa e a mensagem é que outros fariam melhor em se organizar da mesma maneira.
Você não teme que o medo alimente novos impulsos nacionalistas e xenófobos?
Eu não apostaria nisso. Os Estados Unidos descobriram que um quarto de seus médicos são de uma nação estrangeira. Grandes países como a Grã-Bretanha e a Itália precisarão da ajuda de migrantes para reiniciar a economia. Mesmo os governos populistas terão que se render à evidência de que trabalhadores estrangeiros são a solução, não o problema. A pandemia está nos mostrando o quão crucial é a segurança física e econômica dos cidadãos para fazer o sistema-Estado funcionar, é claro. Mas também o quanto nossas vidas estão interconectadas e apenas na capacidade de nos unir e enfrentar as coisas junto com os outros e com a ajuda de outros está a salvação de pessoas e nações: e, portanto, o futuro de todos.
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“Depois do vírus nascerá uma globalização regional”. Entrevista com Parag Khanna, cientista político indiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU