14 Janeiro 2020
"Ver a incompatibilidade entre ministério ordenado e casamento como a única salvaguarda da Igreja é, ao mesmo tempo, uma maneira de bloquear a história e um truque para não enfrentar as questões mais graves, que não são principalmente aquelas relacionadas ao celibato".
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, em artigo publicado por Come Se Non, 13-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
As notícias sobre as declarações "lapidares", de Joseph Ratzinger e Robert Sarah em torno do tema da possível ordenação de “homens casados" - resultante das conclusões do Sínodo sobre a Amazônia - certamente podem ser comentadas em diferentes planos: existem lógicas institucionais que parecem ser quebradas, existem procedimentos sinodais ignorados e mal compreendidos, e também pressões exercidas com muito entusiasmo e sem discernimento. Aqui, eu gostaria de tentar oferecer apenas algum pequeno raciocínio, a fim de entender bem o que está acontecendo:
a) Onerar com demasiado peso as etapas individuais de um caminho de reforma nunca é sábio: prever a "ordenação de homens casados" não é a catástrofe da Igreja, nem a solução de todos os males. Seria mais um "espaço pastoral" objetivo, que pode se abrir imediatamente em locais onde as vocações presbiterais não ocorrem de acordo com os percursos a que estamos acostumados há séculos, aqui na Europa.
b) As razões que levaram à expressão de uma posição que chega a definir "indispensável" o celibato e "catastrófica" a sua superação não parecem acompanhadas de um apoio teológico muito convincente. A oposição entre ministério e casamento é uma avaliação da oportunidade, que nada tem de estritamente teológico. Se depois nos referirmos à "abstinência" antes da celebração, que com a celebração cotidiana se estenderia a todos os dias, se deveria vincular a essa razão, que historicamente é plausível, a compreensão de uma "celebração de toda a assembleia" que levaria a consequências verdadeiramente paradoxais. Que talvez a fé celebrada tenha se tornado exclusiva de homens celibatários? O risco é que se confunda a ontologia com o hábito, ou talvez com a patologia.
c) Não é difícil encontrar, neste "não poder calar", uma expressão do movimento inercial que chamei de "dispositivo de bloqueio". Para além do julgamento sobre a oportunidade e conveniência de uma providência relativa à "disciplina da Igreja em relação à ordenação presbiteral", acenar o bicho-papão da "catástrofe" representa um argumento forte para induzir a pensar que não há nada para mudar e que o espaço para a reforma deve ser tirado de uma Igreja que acredite não ter poder algum sobre as formas concretas com que seus ministros são escolhidos e selecionados. Ver a incompatibilidade entre ministério ordenado e casamento como a única salvaguarda da Igreja é, ao mesmo tempo, uma maneira de bloquear a história e um truque para não enfrentar as questões mais graves, que não são principalmente aquelas relacionadas ao celibato.
d) De qualquer forma e em todo caso, não é útil nem correto exagerar. Ninguém jamais falou em "superação do celibato", mas colocar ao lado da via celibatária, que continua sendo o caminho privilegiado, uma via "uxorata" para o ministério presbiteral católico.
Por outro lado, entre as características mais preciosas dos "pastores eméritos", deveria haver a virtude da prudência que poderia impedir, precisamente, a disseminação de mensagens imprecisas através de exageros descuidados. E ninguém pode dizer que não seja justamente uma vida celibatária e solitária que inadvertidamente produz essas leituras catastróficas do caminho eclesial. Esse caminho da Igreja pode encontrar precisamente em homens casados um reavivamento da vocação ao ministério: antes de tudo na Amazônia, mas talvez também deste e do outro lado da floresta. E não se deveria excluir que a uma possível catástrofe de um celibato mal vivido possa remediar um ministério uxorato com felicidade. E que à floresta escura de uma interpretação obstinada e catastrófica da tradição ministerial, que vê toda novidade como uma ruína certa, possa remediar a pluralidade abençoada de culturas e de formas de vida que a floresta amazônica pode nos oferecer com inesgotável riqueza. E que devemos saber honrar, sem pretender que o mundo inteiro possa ser reduzido a quatro quartinhos na Cúria Romana.
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Celibato indispensável como dispositivo de bloqueio: para não exagerar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU