11 Outubro 2019
A Europa corre o risco de ficar para trás na feroz corrida que os Estados Unidos e a China disputam pelo desenvolvimento da computação quântica, adverte o físico Juan Ignacio Cirac (Manresa, 1965), referência mundial na construção do computador quântico que acelerará os atuais cálculos dos computadores clássicos e revolucionará a ciência, a tecnologia, a indústria e, é claro, abrirá portas surpreendentes ao mundo da inteligência artificial.
Contudo, atenção, porque esses avanços acabarão com a privacidade de nossas comunicações, alerta Cirac, diretor da Divisão Teórica do Instituto Max-Planck de Ótica Quântica, em Garching (Alemanha), onde é trabalhada a consciência para chegar a esse supercomputador regido pelas leis da mecânica quântica que desafiam o senso comum no mundo microscópico.
Os robôs, já programados até para mentir, superarão os homens em inúmeras tarefas, garante Juan Ignacio Cirac, na Fundação Ramón Areces, enquanto incentiva os cientistas da computação a inventar novos algoritmos adaptáveis ao computador quântico que mudará tudo.
A entrevista é de Natalia Vaquero, publicada por El Día, 09-10-2019. A tradução é do Cepat.
Como sua mente relaciona a mitologia grega e a física quântica, duas de suas grandes paixões?
Há muitos fenômenos no mundo quântico que têm semelhanças com os personagens da mitologia clássica. Aí, temos o efeito Sísifo e o efeito Zenão. Meu pai também era professor de latim e grego, então eu cresci ouvindo todos os tipos de histórias mitológicas.
Qual o papel da música nessa área?
A música é transmitida através das ondas e, na física quântica, as partículas geralmente se comportam como ondas.
Como o computador quântico mudará nossas vidas?
Ainda não sabemos, mas ajudará no desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da indústria. Esperamos que também tenha um impacto no campo da inteligência artificial.
Acredito que a computação quântica acelerará os cálculos atuais que fazemos com os computadores.
Muitos dos cálculos feitos pelos computadores atuais serão superados de longe por um método quântico que utiliza as leis da mecânica quântica para resolver problemas.
Contudo, parece que ainda estamos longe de ter o computador quântico capaz de resolver nossos problemas.
Nenhum computador quântico será capaz de resolver todos os nossos problemas. No momento, sabemos como funcionará, mas a dificuldade está em construí-lo, em desenvolver as tecnologias para que funcione e em algumas condições muito especiais.
Que tipo de condições?
Precisa estar em salas com temperaturas muito baixas. É preciso esfriá-lo bastante e colocar cabos que não sabemos se funcionarão em um ambiente tão frio. Precisamos de tempo e muito dinheiro para passar dos protótipos à criação de um computador quântico.
Em que consiste a segunda revolução quântica que almeja deixar para trás a computação e os computadores?
A física quântica é uma teoria que explica o mundo microscópico e tem mais de 100 anos. Houve uma revolução quântica nos anos 20 e 30 do século passado que viu que a física quântica poderia servir para construir coisas: condutores de eletricidade, o laser ou isoladores. Assim, fomos capazes de criar a internet. Mas, há outros aspectos da física quântica que agora queremos desenvolver para que eles deem origem à segunda revolução quântica.
Como essa revolução atingirá os algoritmos e a inteligência artificial?
Os algoritmos terão que ser alterados para se adaptar aos computadores quânticos. Isso abre muitas portas para os cientistas da computação aprenderem nesse campo. A inteligência artificial usa e processa muitos dados. Uma vez que os computadores quânticos processam esses dados muito bem, terão um grande impacto na inteligência artificial.
Em seu último romance, Ian McEwan diz que chegará um momento em que as máquinas serão mais inteligentes que os homens. Como nos relacionaremos com esses robôs mais inteligentes do que nós?
Não sei, mas os robôs já são, em alguns aspectos, mais inteligentes que nós. Por exemplo, reconhecem melhor as imagens, a músicas e leem melhor os lábios das pessoas. Chegará um momento em que farão muitas tarefas melhor do que nós.
Seremos capazes de inventar um algoritmo que ensine os robôs a mentir?
Isso já é possível fazer através de algoritmos que ensinam os computadores a saber mentir. Se aprendem a mentir, a inteligência artificial também fará com que mintam.
O que busca a Teoria do Entrelaçamento, um campo no qual você é um dos especialistas mundiais?
É uma das propriedades mais surpreendentes da física quântica e vem dizer que quando dois objetos estão em contato, um recorda ao outro toda a vida e o que acontece com um também acontece com o outro, sem a necessidade de que se comuniquem.
É uma espécie de telepatia?
É uma espécie de telepatia. Ocorrem coisas aleatórias, mas com os dois objetos, as mesmas.
O que quer dizer que a informação quântica oferece a possibilidade de fatorar números e algoritmos para romper códigos?
Existe um algoritmo na computação quântica que se tivéssemos um computador quântico, permitiria descriptografar as mensagens criptografadas hoje em dia. Este algoritmo fatoriza números que é a operação inversa à multiplicação. Em vez de ver que três vezes cinco são quinze, se me dão quinze, tenho que encontrar cinco e três.
Então, um computador quântico colocaria em risco a privacidade das comunicações.
Não apenas poderia decifrar todas as informações secretas, mas também hackeá-las.
Que desafios surgem, então, para a criptografia quântica?
Uma das soluções possíveis para esse problema que esses supercomputadores criam é usar a criptografia quântica de tal forma que nenhum computador quântico possa decifrar essas mensagens. Esses sistemas criptográficos já são comercializados.
Por que “as coisas não estão definidas, a menos que você as observe”?
Porque as leis da física quântica são assim. A Lua não está em seu lugar, enquanto eu não a observe.
Como o gato de Schrödinger “pode estar vivo e morto ao mesmo tempo”?
O gato de Schrödinger é uma ilustração do que acontece no mundo microscópico, quando dois elementos minúsculos podem fazer duas coisas ao mesmo tempo. Com essa extrapolação para o mundo macroscópico, Schrödinger quer dizer que se não observarmos um objeto, não está definida a propriedade, nem a situação e esse objeto não decidiu, portanto, como estar.
Mas, é um círculo vicioso que “um gato deixa de estar vivo e morto ao mesmo tempo, quando alguém o observa”.
Quando olhamos, as coisas sempre estão definidas: o gato está vivo ou está morto. A física quântica não resolve problemas filosóficos, somente aqueles que podem ser formulados matematicamente.
Ninguém diria que a visão tem poder suficiente para modificar um objeto apenas olhando para ele.
Mais do que modificá-lo, o que ela faz é revelar o que é. Com sua observação, define as propriedades, mas não as escolhe, o que a física quântica faz é que saia algo aleatório. Não é possível observar para que algo aconteça.
Como uma partícula pode passar por dois orifícios ao mesmo tempo?
Se a propriedade não estiver definida, poderá estar ao mesmo tempo à direita e à esquerda. É por isso, então, que passa por dois orifícios ao mesmo tempo.
Por que as leis que regem o mundo macroscópico não funcionam no mundo microscópico?
Quando avançamos para situações extremas, as leis param de funcionar e vão mudando com os tamanhos.
Uma vez que o melão da retrocausalidade foi aberto no mundo microscópico, seria possível o futuro condicionar o passado e o presente?
Não. Existe também uma relação causal na física quântica que diz que o que fazemos agora afeta o futuro, mas o futuro não pode mudar o passado.
Como estamos posicionados na Europa nesta corrida tecnológica que os Estados Unidos e a China disputam com tanta força?
Em nível científico, estamos liderando esta corrida, mas no plano industrial, tecnológico e de investimento, estamos atrás.
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“Os algoritmos já ensinam os computadores a mentir”. Entrevista com Juan Ignacio Cirac - Instituto Humanitas Unisinos - IHU