17 Setembro 2019
Em resposta a uma minibalbúrdia desencadeada por sua recente declaração de que considera “uma honra os americanos me atacarem”, o Papa Francisco contou aos jornalistas em coletiva de imprensa a bordo de seu avião na terça-feira que os Estados Unidos não são a única fonte de críticas.
“As críticas não vêm só dos americanos, elas vêm um pouco de toda parte”, disse Francisco.
Este comentário me fez pensar: se excetuarmos os EUA, em quais outros países as críticas a este papa parecem mais robustas?
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 15-09-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
De início, devemos estipular dois pontos.
Em primeiro lugar, dificilmente Francisco é o primeiro papa a gerar controvérsias. Haver reações negativas é inevitável e simplesmente não prova nada. Na verdade, a resistência é em geral um sinal de relevância. Se as pessoas achassem que Francisco não tem feito diferença, elas não iriam se importar de manifestar o que pensam.
Em segundo lugar, com base em pesquisas, Francisco continua sendo provavelmente o líder mundial mais amado hoje. Estudos também mostram que ele tem o apoio da maioria dos católicos, mesmo em países onde às vezes atiça fogo.
Com isso, vejamos os cinco principais países além dos EUA de onde o papa parece receber duras críticas.
A África tende a ser um lugar com opiniões variadas sobre o papa. A Igreja africana é dinâmica, extremamente leal ao papado e ressoa com a mensagem de anticorrupção e justiça social de um papa do “terceiro mundo”. No entanto, também tende a ser conservadora em questões de fé e moral, desconfiada de alguns dos ventos que sopram hoje.
A Nigéria, o país mais populoso do continente, é um bom exemplo.
Um ano depois que Francisco tornou pública a sua abertura à comunhão para católicos divorciados e recasados em Amoris Laetitia, o Cardeal John Onaiyekan, de Abuja, declarou que “num mundo que atravessa um laxismo moral generalizado, a Igreja de Deus não pode abdicar de sua responsabilidade em sustentar os altos padrões do Evangelho do Senhor Jesus Cristo”.
Muitos membros do clero nigeriano também reclamaram de uma abordagem demasiada irênica ao Islã sob o comando de Francisco, desejando que ele fosse mais incisivo nas ameaças aos cristãos feitas pelo Boko Haram e por membros da tribo muçulmana fulani.
Teve também uma questão local: um impasse em Ahiara, onde o clero rejeitou um novo bispo por motivos étnicos e Francisco suspendera os padres que não juraram obediência, para depois voltar atrás e remover o bispo.
Na Polônia, qualquer papa começa com um déficit simplesmente por não ser João Paulo II, e alguns poloneses veem Francisco como se ele estivesse desfazendo alguns aspectos do legado de João Paulo.
Quando os bispos poloneses finalmente publicaram as diretrizes para a implementação de Amoris Laetitia em junho de 2018, ignoraram a questão da comunhão, mas enfatizaram que Amoris precisa ser lida em continuidade com o magistério papal anterior.
Além das questões intraeclesiais, muitos poloneses também desconfiam muito da pauta ambiental de Francisco, especialmente a sua defesa da redução do uso de combustíveis fósseis, como apresentada na encíclica de 2015 Laudado Si’. A Polônia é o segundo maior produtor de carvão da Europa, e o carvão abastece 88% da rede elétrica.
O partido polonês no poder, o Lei e Justiça, que se orgulha de suas origens católicas, é igualmente conhecido por uma postura linha-dura no controle fronteiriço, em contraste com a postura pró-imigrantes de Francisco. Em 2017, os católicos poloneses compareceram em número recorde para rezar em suas fronteiras, evento que muitos interpretaram como uma declaração contra a imigração.
Há uma ala fortemente conservadora e tradicional no catolicismo italiano que, desde o começo, tem sido cética com o atual papa.
Em 2015, um jornal italiano de grande circulação escreveu que alguém ouviu Dom Luigi Negri, de Ferrara, dizer que esperava que a Nossa Senhora fizesse um milagre e provocasse a morte do papa, prelado que também teria feito duas críticas às escolhas do pontífice para os cargos de bispo em Bolonha e Palermo. Negri inicialmente negou a reportagem, mas depois admitiu ter tido a conversa, insistindo, porém, que não disse nada desrespeitoso.
Em 2016, o falecido Cardeal Carlo Caffarra, de Bolonha, outro líder da ala conservadora do catolicismo italiano, esteve entre os quatro cardeais que submeteram as dubia a Francisco em resposta a Amoris Laetitia.
Entre os italianos em geral, no entanto, tais debates na Igreja não fazem muita diferença. Aí, a principal fonte de angústia sobre o papa é a sua postura pró-imigrantes, o que muitas vezes é difícil de ser aceito em um país ressentido por aquilo que muitos creem ser uma divisão injusta do fardo europeu.
Se ouvirmos as rádios AM na Itália, escutaremos comentários mordazes sobre o papa que espantaria até mesmo o americano mais severo. Enquanto isso, as pesquisas mostram que o partido italiano de extrema-direita Liga, liderado pelo ex-vice-primeiro-ministro e anti-imigração Matteu Salvini, está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto e, dada a demografia do país, a maioria dos eleitores de Salvini são também católicos.
Recentemente a jornalista Inés San Martín, do Crux, passou um tempo em seu país de origem, a Argentina, entre outras coisas buscando provas de um “efeito Francisco”. O que descobriu, segundo ela, foi uma mistura de entusiasmo e um profundo afeto em alguns ambientes, com “críticas cruéis, decepção, ódio, frustração”, em outros.
Além das reclamações sobre o papa que se podem encontrar em todos os lugares – ele é demasiado progressista, ou não o é o quanto deveria, por exemplo –, San Martín encontrou algumas reações tipicamente argentinas.
Primeiro, os argentinos estão furiosos porque Francisco não visitou o próprio país ainda após seis anos como papa. Já o Papa João Paulo II visitou a Polônia dentro de sete meses desde que fora eleito em 1978, e Bento XVI esteve na Alemanha dentro de quatro meses desde que assumiu o ofício papal em 2005.
Segundo, os argentinos (e especialmente a imprensa argentina) tendem a supor que absolutamente tudo o que o papa diz e faz é direcionado a eles, o que significa que acham que o papa está sempre tomando lado nos debates políticos e culturais do país. Todas as divisões que perpassam a sociedade, portanto, se aplicam ao papa.
No momento, Francisco atrai críticas do grupo que supostamente o apoia na ala da esquerda argentina nas eleições nacionais, apesar do fato de que ninguém entre os seus aliados mais próximos no episcopado local acusou estas opiniões como “ficção científica”.
Honestamente, esta seção deveria ser a que menos surpreendente da lista. O Vaticano tem uma alta porcentagem de moradores com opiniões ásperas a respeito da Igreja Católica, o que significa que os seus cidadãos são sempre duros críticos dos papas.
Com Francisco, algumas importantes figuras vaticanas já manifestaram abertamente dúvidas sobre algumas das declarações e decisões do líder religioso, com uns poucos – o cardeal americano Raymond Burke, por exemplo, e o cardeal alemão Gerhard Müller – vindo a perder o emprego, enquanto outros, como o cardeal guineense Robert Sarah, se mantiveram firme.
É bem conhecido que muitos da “velha guarda” vaticana se opuseram às primeiras tentativas de uma reforma financeira sob o atual papado.
Em off, encontramos autoridades vaticanas animados com a direção que Francisco tem dado à sua pauta e com seus esforços para torná-la possível. Outros se queixam de um clima interno de intimidação e medo, além de uma confusão crônica.
Em outras palavras, muitos estão divididos quanto ao chefe, o que é bastante curioso do ponto de vista noticioso.
Eis alguns países que poderíamos também considerar:
O Chile: Abalados com o provável pior escândalo de abuso clerical do mundo, muitos chilenos se irritaram inicialmente com o papa por aquilo que parecia uma negação, então se alegraram com aquilo que pareceu uma mudança de coração e agora estão confusos e frustrados com o que consideram uma falta de atitude.
A Alemanha: É difícil saber às vezes se as maiores preocupações de Francisco na Alemanha vêm dos católicos tradicionalistas que o vêm como demasiado progressista, ou dos católicos progressistas que o consideram uma grande decepção. Mais recentemente, Francisco se envolveu em uma troca de mensagens com os bispos alemães sobre os planos destes relativos a um sínodo com dois anos de duração, o que, no momento, parece em grande parte não resolvido.
O Cazaquistão: Pode parecer bobo incluir um país com apenas 10 bispos e onde só 1% da população é católica, mas é fato que o crítico episcopal mais expressivo do papa, hoje, é o bispo auxiliar Dom Athanasius Schneider, de Astana, especialmente sobre Amoris Laetitia.
A Hungria: Como a Polônia, a Hungria é governada por um partido nacionalista de direita com laços com a Igreja e que frequentes vezes se vê em desacordo com Francisco na questão imigratória. Em 2015, um bispo húngaro contou aos jornalistas que Francisco “não entende a situação” da crise de refugiados na Europa, enquanto um jornalista húngaro de extrema-direita pediu, em 2016, que Francisco renunciasse.
O Brasil: Além do simples fato de ser argentino, Francisco também provoca ambivalência no Brasil por outros motivos. Recentemente, o governo de direita do presidente Jair Bolsonaro foi obrigado a negar que se opunha ao sínodo sobre a Amazônia em outubro próximo, ou que estivesse espiando os preparativos do evento.
É claro, estas ideias são uma avaliação mais pessoal, profundamente não científicas. Empiricamente, no entanto, parece que, pelo menos, isto podemos dizer: quando se trata de críticas papais, justificadas ou não, dificilmente são só os Estados Unidos – mesmo se, reconhecidamente, o nosso dinheiro e o nível do volume às vezes possam dar aquela impressão.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os 5 principais países, além dos EUA, que mais tecem críticas ao Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU