26 Agosto 2019
Não. O Back country distante, já não está mais tão distante. É de todos. Como a noite em pleno dia na última segunda-feira em São Paulo, que de repente se espalhou sobre as vidas de seus 30 milhões de habitantes, mergulhando o centro financeiro do país em uma escuridão surreal. Foi o grito negro de uma agonia: a da Amazônia distante daquele estado mais ao sul, a cinco horas de avião. As primeiras trevas chegaram como nuvens carregadas de fumaça espessa que derramaram uma chuva turva e malcheirosa sobre a megalópole, contaminada pelos restos de combustão de um milhão e oitocentos mil hectares de floresta tropical que viraram fumaça.
O comentário é de Stefania Falasca, publicado por Avvenire, 24-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais falam por si: desde janeiro os incêndios na Amazônia aumentaram 67%. Para aumentar e expandir o setor agrícola, o próprio governo federal incentiva o uso de queimadas extensivas e intensivas. Devido ao desmatamento maciço, a Amazônia, segundo fontes autorizadas, teria diminuído 20% nos últimos 12 meses. E hoje, com um desmatamento equivalente ao tamanho da Colômbia, a maior floresta tropical da Terra é a vítima da maior destruição artificial de todos os tempos. As chamas queimam sob os olhos de todos o pulmão do mundo, queimam o coração da Casa comum. E não apenas porque o seu sistema é um bioma, um bioma vivo, um regulador climático global que mantém a umidade do ar da qual se origina um terço das chuvas totais. O ambiente amazônico tem para nós uma importância única para duas razões: pelo impacto de seus recursos sobre o ecossistema global e por que a gestão desse território pode se tornar paradigmática para o resto do mundo. E se a Amazônia é um enorme sistema capaz de absorver o dióxido de carbono da atmosfera, as principais razões para sua importância são a função de gerador de água doce, que atinge 20% da produção planetária e a riqueza da biodiversidade, o que torna um lugar estratégico para a vida na Terra. A floresta e a água sempre andam juntas. Mas tal patrimônio está agora ameaçado pelo desmatamento, pela poluição letal dos rios e pelos grandes projetos de infraestrutura que deixam claro que nossa Terra não é mais capaz de resistir a tal destruição e intervenção predatória por parte de atividade humana irresponsável. A causa profunda da crise está intimamente ligada ao modelo dominante de desenvolvimento que a encíclica Laudato si’ indica com a expressão "globalização do paradigma tecnocrático".
Modelo que nos leva a considerar o planeta como uma mercadoria. E como tal, pode ser explorado, degradado e saqueado sem escrúpulos e sem prestar contas a ninguém, para acumular dinheiro. O resultado nefasto dessa atitude é a mais grave crise climática e socioambiental já experimentada pela humanidade. Esse espírito insaciável e prepotente já destruiu uma parte importante da enorme riqueza amazônica e ameaça o que conseguiu sobreviver.
O ponto de inflexão da Amazônia, ponto de não retorno estabelecido pelos cientistas, além do qual sua destruição será irreversível, é de 40% do desmatamento. Já estamos em 20. Não podemos continuar ignorando esses flagelos. Não são apenas ficção. São o último alarme que não pode ser negado ou contestado por analistas e profetas na margem esquerda e direita do espectro ideológico e político, se realmente quisermos garantir um futuro útil e justo para nós. Neste momento, fatos semelhantes lembram a todos nós - homens e mulheres de outras latitudes - que não somos senhores absolutos do planeta. E que a Amazônia não pode mais ser deixada à nefasta arbitrária do bullying político de governos individuais. Não se pode mais permitir que a Amazônia seja uma terra sem lei, o lugar por excelência do banditismo daqueles que matam natureza e homens com a mesma indiferença e convicção.
Portanto, é hora de quebrar o paradigma que durante séculos tem visto nesta região um espaço vazio, uma dispensa inesgotável para ser saqueada para satisfazer os desejos de interesses externos. No contexto da crise socioambiental global, o Papa Francisco, que convocou um Sínodo sobre a Amazônia, já havia mencionado explicitamente essa região crucial como um lugar a ser tratado de maneira especial porque é decisiva para a vida, convidando-nos a voltar nossos olhos para o planeta ferido e devastado pela ganância humana e pelo consumo como um fim em si mesmo. Em 19 de janeiro do ano passado, em Puerto Maldonado, no Peru, ele viu além: "Não podemos dispor dos bens comuns de acordo com as pretensões da ganância e do consumo. É necessário que existam limites que nos ajudem a nos defender de qualquer tentativa de destruição massiva do habitat que nos sustenta e nos faz viver”. É por isso que a Amazônia não é outro mundo, distante e exótico. É o espelho do nosso. E é uma questão de vida ou morte. Nossa, deles, de todos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O espelho queimado. O “pulmão do mundo” é de todos nós - Instituto Humanitas Unisinos - IHU