14 Junho 2019
"Podem levantar muitos muros, porém Deus destruirá as barreiras e substituirá a arrogância de uns poucos pela solidariedade de muitos".
Como pode Deus tolerar essa disparidade? Como pode permitir que o pobre seja humilhado sem intervir para ajudá-lo? Por que permite que quem oprime tenha uma vida feliz enquanto seu comportamento deveria ser condenado precisamente ante o sofrimento do pobre? Muitas perguntas, muita dor..., porém também muita esperança. Esses são os eixos de “A esperança dos pobres nunca se frustrará”, a mensagem do Papa para a Jornada Mundial dos Pobres.
Um texto duro contra a atitude da sociedade e dos ricos, e a favor dos pobres, colocando-os onde Cristo quis que estivessem: no centro da justiça e da Igreja. Esse é o objetivo dessa jornada: “devolver a esperança perdida por causa da injustiça, o sofrimento e a precariedade da vida”.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 13-06-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
As coisas não mudaram muito desde o Antigo Testamento, quando “Deus ia aos pobres para que se apoderassem do pouco que tinham e reduzi-los à escravidão”. “Hoje não é muito diferente. A crise econômica não impediu muitos grupos de pessoas de enriquecimento, que com frequência parece ainda mais anômalo se vemos, nas ruas de nossas cidades, o crescente número de pobres, que carecem do necessário e são maltratados e explorados”, denuncia o pontífice.
"Os séculos passam, mas a condição de ricos e pobres permanece inalterada, como se a experiência da história não tivesse nos ensinado nada", enfatiza, para citar aquelas que, hoje, são as "numerosas formas de nova escravidão, à qual milhões de homens, mulheres, jovens e crianças estão sujeitos".
"Todos os dias encontramos famílias que são forçadas a abandonar suas terras para procurar meios de subsistência em outros lugares; órfãos que perderam seus pais ou que foram violentamente separados deles por causa da exploração brutal; jovens em busca de uma realização profissional a quem é negado o acesso ao trabalho por causa de políticas econômicas míopes; vítimas de tantas formas de violência, da prostituição às drogas, e humilhadas nas profundezas do seu ser ", diz ele.
"Como podemos também esquecer os milhões de imigrantes que são vítimas de tantos interesses ocultos, tão frequentemente explorados para fins políticos, aos quais se nega solidariedade e igualdade? E quanto aos muitos marginalizados e desabrigados que vagam pelas ruas de nossas cidades?".
“Considerados geralmente como parasitas da sociedade, aos pobres não se perdoa nem sequer pela sua pobreza”, adverte o Papa, que lamenta como “são vistos como uma ameaça ou gente incapaz apenas por serem pobres”.
Uma discriminação que chega às grandes cidades, onde se leva a cabo “uma arquitetura hostil para se desfazer da sua presença, inclusive nas ruas, últimos lugares de acolhida. Perambulam de uma parte a outra da cidade, esperando conseguir um trabalho, uma casa, um pouco de afeto...”.
No trabalho, as coisas não são muito melhores para os pobres. “Não têm segurança no trabalho, nem condições humanas que os permitam sentirem-se iguais aos demais. Para eles não existe o subsídio do desemprego, indenizações, nem sequer a possibilidade de adoecer”.
Nesse ponto, Francisco reprova a atitude dos ricos “que despojam os pobres”. É como se, para eles, "se tratasse de uma jornada de caça, na qual os pobres são encurralados, capturados e feitos escravos”.
"Estamos diante de uma descrição realmente impressionante que jamais poderíamos imaginar", condena o papa, que, no entanto, afirma que "os pobres sabem que Deus não pode abandoná-los: é por isso que vive sempre na presença daquele Deus que se lembra dele ".
E que Deus é “aquele que ‘escuta’, ‘intervém’, ‘protege’, ‘defende’, ‘redime’, ‘salva’... Em resumo, os pobres nunca encontrarão Deus indiferente ou silencioso ante sua oração".
"Você pode erguer muitas paredes e bloquear as portas de entrada com a ilusão de se sentir seguro com suas próprias riquezas em detrimento daqueles que permanecem fora", mas "não será assim para sempre", adverte Francisco, que afirma que Deus "destruirá as barreiras construídas entre os países e substituirá a arrogância de uns poucos com a solidariedade de muitos".
"A Palavra de Deus indica que os pobres são aqueles que não têm o que é preciso para viver porque dependem dos outros. Eles são os oprimidos, os humildes, os que estão prostrados ao chão", acrescenta. Ainda assim, "diante desta vasta multidão de indigentes, Jesus não teve medo de se identificar com cada um deles: ‘Sempre que fizeres a um destes, meus irmãos pequeninos, você fez isso comigo’”. "Fugir desta identificação é equivalente a falsificar o Evangelho e atenuar a revelação."
"Os séculos passam e a felicidade evangélica parece cada vez mais paradoxal; os pobres estão ficando mais pobres, e hoje em dia o são ainda mais," porém "a Igreja, por estar próxima dos pobres, se reconhece como um povo estendido entre tantas nações, cuja vocação é a de não deixar ninguém se sentir estranho ou excluído, porque envolve todos em um caminho comum de salvação".
"A promoção dos pobres, também no social, não é um compromisso externo ao anúncio do Evangelho, pelo contrário, manifesta o realismo da fé cristã e sua validade histórica", diz o Papa, recordando a recente morte por Jean Vanier.
"O grito dos pobres foi escutado e produziu uma esperança inquebrável, gerando sinais visíveis e tangíveis de um amor concreto que hoje também podemos reconhecer”.
"A esperança também é comunicada através do consolo", conclui Francisco, que exorta os crentes a "descobrirem, em cada pobre que encontrarem, o que ele realmente precisa; não para parar na primeira necessidade material, mas ir mais longe, descobrir a bondade escondida em seus corações".
E, em primeiro lugar, reconhecer que "os pobres precisam de Deus". "Os pobres precisam de nossas mãos para voltar, nossos corações para sentir novamente o calor do afeto, nossa presença para superar a solidão. Simplesmente, eles necessitam de amor".
“Por um dia deixemos de lado as estatísticas; os pobres não são números a que se possa recorrer para alardear com obras e projetos. Os pobres são pessoas as quais é preciso ir ao encontro: são jovens e anciãos sozinhos, a quem se pode convidar para entrar à casa para compartilhar a comida; homens, mulheres e crianças que esperam uma palavra amigável. Os pobres nos salvam porque nos permitem encontrar o rosto de Jesus Cristo”.
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“Deus destruirá as barreiras e substituirá a arrogância de uns poucos pela solidariedade de muitos”. Mensagem do Papa Francisco para a Jornada Mundial dos Pobres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU