20 Novembro 2017
Pouco mais de um mês depois da sanção da Reforma Trabalhista, o presidente Michel Temer fez mais uma de suas maldades sem chamar muita atenção. Um decreto assinado no dia 16 de agosto tornou a atividade dos supermercados essencial. Na prática, isso abriu caminho para que funcionários sejam ainda mais explorados: desde então, as empresas não são mais obrigadas a pagar 100% de hora extra por domingos e feriados trabalhados.
Mobilização dos funcionários começou de forma espontânea Foto: Divulgação - Sindicato dos Comerciários
A reportagem é de Juliana Gonçalves e publicada por The Intercept, 16-11-2017.
Agora, os efeitos começam a ser sentidos na prática. O que fez com que trabalhadores de uma das maiores redes de mercados do Rio, o Mundial, tivessem cortes de até R$700 no pagamento. Com isso, os funcionários cruzaram os braços: “A gente está fazendo História, primeiro supermercado a parar”, afirmam.
Quando assinou o decreto, Temer afirmou que a legislação estava sendo atualizada “em favor dos empresários e do povo brasileiro que quer ir ao mercado no feriado e fim de semana”. Os trabalhadores foram esquecidos.
O movimento dos funcionários da rede, que emprega mais de 9 mil pessoas, nasceu de forma espontânea. Na segunda-feira (6), houve a primeira paralisação na Ilha do Governador, mas o supermercado não chegou a fechar. A notícia se espalhou em grupos de Whatsapp e chegou até a unidade da Praça da Bandeira, onde os colaboradores ocuparam a frente da loja, que acabou suspendendo o atendimento ao público. No dia seguinte, a onda de insatisfação chegou às unidades de Copacabana, Tijuca, Freguesia e Botafogo.
“Começou com duas meninas no caixa e quando o gerente anotou o nome de uma delas, as outras apoiaram e também pararam. Então, começou a vir o pessoal da peixaria, laticínio, mercearia. Veio todo mundo para a frente de loja porque doeu no bolso de todos. De início, a gente só queria 15 minutos de atenção para eles verem que a gente não estava dormindo. Não imaginávamos que teríamos toda essa repercussão. Vídeos começaram a circular no whatsapp e encorajaram colegas de outras unidades”, contam funcionárias que pediram para ter a identidade preservada.
O corte dos benefícios foi o estopim para o movimento, porém o descontentamento dos trabalhadores com a empresa não é novo. Além da denúncia de acúmulo e desvio de função e da retenção do espelho de ponto, que impossibilitaria o funcionário de conferir as horas registradas, funcionários de frente de loja (operadoras de caixa, empacotadoras e fiscais) relataram não ter direito à pausa para lanche – nem mesmo as grávidas. Algumas pessoas conseguem a autorização para comer após apresentarem atestado médico. As caixas dizem também ter que esperar até uma hora pela rendição para ir ao banheiro.
O pagamento na rede é feito da seguinte forma: 40% no início do mês e o restante no fim, quando se somavam as horas extras dos dias da semana, os domingos e os feriados. Quem dependia desse dinheiro levou um susto ao receber o contracheque no fim do mês de outubro.
“Primeiro eles cortaram as horas extras pela metade, disseram que era para a gente se adaptar. Mas em seguida cortaram tudo. Depois, os domingos e em seguida os feriados. Tudo em um período de dois meses. E a gente já contava com esse dinheiro. Quem ganha menos acabou sentindo ainda mais”, afirmam funcionários.
O decreto de Temer dá segurança jurídica aos empresários para alocar funcionários para o trabalho nos domingos e feriados e a negociar com os sindicatos. No mês passado, na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), o Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro assinou um acordo com os supermercados em que o adicional dos feriados foi substituído por ajuda de custo fixa de R$30 em espécie ou vale-compras – o que foi sentido pelos trabalhadores neste mês. No caso do Mundial, o pagamento é feito em um vale-refeição, apelidado pelos funcionários de “vale-biscoito”, que só pode ser usado na própria rede.
Em assembleia realizada na sede do sindicato, que assumiu as negociações para que o movimento não seja declarado ilegal, os funcionários votaram pelo estado de greve e incluíram reivindicações a pauta. A mobilização que começou por conta das horas extras agora também pede o fim do acúmulo de função e o reenquadramento das caixas como operadoras de caixa ao invés de atendentes.
De acordo com os funcionários, após as paralisações, o Mundial voltou atrás em relação aos domingos e realizou o pagamento nas lojas. Porém, a questão dos feriados continua em aberto. Os trabalhadores acreditam que a pressão possa reverter a situação.
“Eu, sinceramente, acredito que vamos conseguir, mas não vamos desfrutar. A empresa já ‘visa’ a gente como pessoas demitidas”, afirma uma das funcionárias.
Questionado sobre o corte nas horas extras, o estado de greve dos funcionários e possíveis perseguições aos trabalhadores envolvidos na mobilização, o Mundial informou que a situação já está resolvida:
O Supermercados Mundial esclarece que a situação envolvendo os funcionários foi desencadeada em função de uma alteração na política de benefícios da rede, mas que já foi resolvida junto aos colaboradores.
Com 74 anos de atuação no mercado do Rio de Janeiro, a rede sempre investiu no bem- estar de seus funcionários, oferecendo plano de benefícios completo, incluindo: assistência médica e odontológica, alimentação no local, auxílio-creche, seguro de vida e funeral, cartão farmácia, prêmio por assiduidade, assistência social, assessoria jurídica, entre outros.
O Mundial afirma ter resolvido a questão por ter pago os domingos trabalhados aos funcionários. Porém, a rede ainda não se posicionou sobre as demais reivindicações. A primeira reunião de negociações entre o sindicato e os advogados da empresa aconteceu nesta quinta-feira (16) na Superintendência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego (SRTE) no Rio. A empresa pediu mais tempo para analisar a pauta e um novo encontro foi marcado para o próximo dia 22. O estado de greve continua.
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Supermercado Mundial, o menor direito trabalhista total - Instituto Humanitas Unisinos - IHU