"Esse Papa tem muitos inimigos, sobretudo nos ambientes clericais e no próprio Vaticano". Artigo de José María Castillo

Foto: Vatican Media

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

05 Junho 2019

Aos homens tão duros em sua incredulidade, Jesus argumentou mais forte: “Se não crês em mim, crede em minhas obras”.

O artigo é de José María Castillo, teólogo, publicado por Religión Digital, 03-06-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Tenho a impressão de que, a cada dia que passa, fica mais difícil acreditar em Deus, em Jesus Cristo, na religião e na Igreja. Não sei explicar exatamente por que isso acontece. Mas essa dificuldade crescente é um fato, acho que é inquestionável.

Felizmente, no que diz respeito à fé dos católicos, temos agora um Papa, o papa Francisco, que impressiona muito as pessoas. E isso gera para as pessoas muito a se pensar. Embora também seja verdade que este papa têm muitos inimigos, sobretudo nos ambientes clericais e no próprio Vaticano. Porque há muitos que não concordam com a humanidade e com a espontaneidade deste papa, que diz o que sabe e o que pensa com a máxima naturalidade do mundo. E isso, há pessoas, muitas pessoas, que não aguentam.

Mas não vamos perder a esperança. Tudo tem solução. E isso também. Além disso, é uma solução que depende de nós, desde que levemos a sério e coloquemos mãos à obra.

Dificuldades para crer

Me explico. Por mais estranho que pareça, é fato que os discípulos de Jesus tiveram dificuldades muito sérias para crer. Os evangelhos sinóticos repetem até depois da ressurreição de Jesus (Mt 6, 26; 14, 31; 16, 8; 17, 20; Mc 4, 40: 16, 11. 13. 14: Lc 8, 25; 24, 11). Aqueles homens, que conviveram com Jesus, que o acompanharam e conheceram tão de perto quem era e como era Jesus, não acabaram confiando nele. Por isso, não devemos estranhar que a nós também venham dúvidas e sintamos obscuridades no complicado assunto da fé.

Então, onde está o problema e como encontrar a solução nesse tema, sempre tão complicado e escuro? O Evangelho dá uma solução, que seguramente não imaginamos. O problema da fé em Jesus e seu Evangelho não se resolve atirando dogmas e teologias, teorias e argumentos, revelações e rezas. A solução do problema da fé não está somente em Jesus, mas sim sobretudo “nas obras” que Jesus realizou.

Assim disse o mesmo Jesus, aos incrédulos mais duros que o próprio Jesus encontrou na sua vida, que não se podem identificar necessariamente com os dirigentes do judaísmo, mas sim com os que se opuseram a Deus (cf. H. Kuhli, en Dic. Ex. N.T., vol. I, 2013-2027). A esses homens tão duros em sua incredulidade, Jesus argumentou mais forte: “Se não crês em mim, crede em minhas obras”. A ‘obra’ (ergon) de Jesus é o argumento determinante de que Jesus é o Enviado de Deus, como solução e como salvação (Jo 5, 36; 10, 25; cf. 7, 7).

A coerência de Jesus

Tudo o que seja “Deus”, a “salvação”, o “outro mundo” a “religião”, a “outra vida”, toda essa linguagem e seus conteúdos se fazem, para muita gente, impossíveis de crer, insuportáveis ou insignificantes. Há somente uma coisa a que todo mundo se rende. Me refiro à coerência, à harmonia, à correlação daquilo que diz e daquilo que faz. Quando o que se faz é sempre o bem a quem mais o necessita, então as “obras” (“erga”) têm tal força que não há quem resista ao poder de semelhante argumento. Até Jesus age assim.

Portanto, até João Batista (já na prisão e sofrimento) quando ouviu sobre as "obras" que Jesus fez, ficou perplexo. Até mesmo duvidar se Jesus era o Messias (Mt 11, 2-3). E, de fato, as obras de Jesus não foram para castigar os pecadores, como João esperava (Mt 3, 7-12), mas para curar e dar vida àqueles que sofrem (Mt 11,5).

É o argumento definitivo, que não tem resposta. É por isso que, mesmo no Evangelho, o que Jesus diz é crível, porque coincide com o que Jesus faz. E quando o que é dito e o que é feito é bom para aqueles que sofrem, à custa do que quer que seja, então nem fala nem age "o humano". É Deus, no humano, que se faz presente na nossa vida. Quaisquer que sejam suas ideias, suas crenças ou suas preferências.

É por isso que eu nunca me canso de repetir o que Immanuel Kant escreveu: "A práxis deve ser tal que não se pode pensar que não há além" (Gesammelte Schriften VII, p.40). Falar do "além" e viver pelo "mais aqui", é o que os políticos fazem, que não se cansam de mentir e nos enganar, para ganhar poder e posições, mesmo que nos mergulhem no desespero.

Leia mais