Castillo: “O clero e o clericalismo, esta enorme estrutura tem algo a ver com o que Jesus fez e disse?”

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23 Janeiro 2019

"A comunidade dos crentes em Jesus ficou quebrada e dividida. O 'clero' (que é uma minoria) impõe suas ideias e detém os poderes sagrados. O 'laicato' (a grande maioria) se vê obrigada a se submeter aos 'homens consagrados'. Se a esse fato acrescentarmos os templos, os monumentos sagrados, os palácios episcopais, os monastérios, as propriedades e a quantidade de dinheiro que tudo isto move e necessita, a pergunta que se coloca é inevitável: esta enorme estrutura tem algo a ver com o que Jesus fez e disse? E mais: se pode pensar razoavelmente que todo este solene enredo irá evoluir até se parecer com a simplicidade, a pobreza e a condição humilde em que Jesus viveu, tal como é apresentado no Evangelho? É evidente a contradição entre 'o que se vive' e 'o que se diz'. Assim, pode ter 'credibilidade' quem vive em semelhante contradição?", escreve José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 22-01-2019. A tradução é de Graziela Wolfart.

Eis o artigo.

Segundo o dicionário de RAE (Academia Real Espanhola), entende-se por "clero" a classe sacerdotal na Igreja católica. Enquanto que o "clericalismo" é, segundo o mesmo dicionário, a intervenção excessiva do clero na vida da Igreja.

Levando em consideração estes dois conceitos, compreende-se que tenha quem proponha, para renovar a Igreja e atualizá-la, a supressão do clericalismo.

Porque, se a intervenção do clero, na vida da Igreja, é "excessiva", o lógico seria controlar esse excesso clerical, para que os leigos não fiquem reduzidos à mera submissão e observância do que os clérigos mandam. Desta forma, os seculares, que são a imensa maioria dos cristãos, ficam na Igreja com a única missão de se submeter ao que pensam, decidem e impõem os clérigos (cf. F. Vidal, em Vida Nova digital.com: "Decálogo para suprimir o clericalismo").

A razão desta proposta é clara: se as coisas continuarem na Igreja como estão, os crentes (não "ordenados" como sacerdotes) se verão reduzidos à mera condição de ser a "clientela do clero". Ou seja, os cristãos estarão sempre à mercê do que os bispos, os padres e os "homens de Igreja" em geral dispuserem, a partir de suas ideias e seus interesses, que, como sabemos, podem estar, em não poucos casos e em temas importantes, talvez bastante afastados do que pensam, sentem e vivem os mortais comuns.

Além disso, este assunto se complica se ao que foi dito acrescentarmos que a teologia, a liturgia, as cerimônias, as normas, o que se pode e se deve fazer em assuntos determinantes na vida, tudo isso, está mais de acordo com o que se pensava, se dizia e se fazia na Antiguidade e na Idade Média, do que com o que pensamos, nos interessa e temos que resolver no século XXI.

Não é mais preciso ir à missa que se celebra em determinadas igrejas, confessar-se com este ou aquele sacerdote, ou assistir a casamentos e batizados nos quais as pessoas têm que ouvir coisas que deixam qualquer um nervoso. Ali, a linguagem, as vestimentas, as cerimônias, os assuntos comentados e as soluções propostas são coisas que não se entendem. E se é que se entendem, não interessa aos espectadores.

Costuma-se dizer que a raiz destes problemas está no "clericalismo". Daí, a necessidade de superá-lo. O que é verdade. Mas essa não é toda a verdade. Porque se analisarmos este assunto mais a fundo, logo veremos que o problema não está no "clericalismo", mas no "clero".

Com efeito, o termo grego "klêros" é utilizado, no Novo Testamento, quando se relata a escolha de Matias para substituir Judas (Atos 1, 17. 26). Para designar os sacerdotes, se generalizou no século III o título e a categoria de "clérigos", como distintos e superiores aos "leigos". Assim, a Igreja ficou dividida: o "clero" monopolizou a capacidade de tomar decisões, o poder para administrar os rituais sagrados e a dignidade de serem os "homens consagrados". Com o perigo inevitável de que não poucos "homens de Igreja" começaram a ver, no ministério eclesiástico, uma maneira de se estabelecer na vida e inclusive de alcançar uma categoria senhorial (Y. Congar).

Compreende-se que, já antes de Constantino, se difundiu o tratado "De singularitate clericorum", que combatia os abusos de pompa e vaidade de vários ministros da Igreja (J. Quasten). E, infelizmente, esta tendência (com o passar dos séculos) foi aumentando. Até converter o "seguimento de Jesus" em uma "carreira de dignidade", para se situar (talvez sem pensar) nos altos níveis da sociedade.

Assim, a comunidade dos crentes em Jesus ficou quebrada e dividida. O "clero" (que é uma minoria) impõe suas ideias e detém os poderes sagrados. O "laicato" (a grande maioria) se vê obrigada a se submeter aos "homens consagrados".

Se a esse fato acrescentarmos os templos, os monumentos sagrados, os palácios episcopais, os monastérios, as propriedades e a quantidade de dinheiro que tudo isto move e necessita, a pergunta que se coloca é inevitável: esta enorme estrutura tem algo a ver com o que Jesus fez e disse? E mais: se pode pensar razoavelmente que todo este solene enredo irá evoluir até se parecer com a simplicidade, a pobreza e a condição humilde em que Jesus viveu, tal como é apresentado no Evangelho?

É evidente a contradição entre "o que se vive" e "o que se diz". Assim, pode ter "credibilidade" quem vive em semelhante contradição?

Me dói ter que dizer estas coisas. Porque tudo o que sou e tudo o que sei devo à Igreja. E é por isso, pelo bem que quero à Igreja, que não posso me calar diante das contradições que tanto mal lhe causam.

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