28 Mai 2019
Fala o economista francês que denuncia: "As desigualdades sociais e as políticas fiscais levam à vitória Le Pen, Salvini e os soberanistas na Europa"
A entrevista é de Anais Ginori, publicada por la Repubblica, 27-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Enquanto não modificarmos o sistema econômico e fiscal na Europa, não será realmente possível derrotar movimentos populistas como os de Marine Le Pen e Matteo Salvini".
De seu observatório sobre as desigualdades no mundo, ao qual dedicou o volumoso ensaio Capitalismo no século XXI, Thomas Piketty confessa estar "frustrado" com o resultado das eleições europeias.
"A raiva que alimenta os nacionalismos é fomentada pela ausência de um modelo social e fiscal mais justo", explica o economista francês que, juntamente com outras personalidades, promoveu um Manifesto pela democratização da Europa, que já angariou mais de cem mil assinaturas.
Na França e na Itália, os soberanistas saem vitoriosos. Surpreso?
Não, porque estou convencido de que grande parte da recusa pela Europa se deva ao sentimento de injustiça fiscal. O voto para os soberanistas reflete perfeitamente o nível de renda e de diploma. A nova contraposição política está entre as classes trabalhadoras e as classes mais privilegiadas que detêm um patrimônio. Se continuarmos a dizer que a votação em Le Pen se deve apenas a nacionalistas xenófobos atrasados, estamos muito enganados.
É o que disse Macron com sua batalha entre progressistas e nacionalistas?
Eu não me reconheço nesta grade de leitura que alimenta os registros de popularidade de Le Pen e Salvini. É uma estratégia política extremamente perigosa que tende a excluir totalmente do debate o verdadeiro problema a ser resolvido.
Que seria qual?
A partir da década de 1990, as desigualdades de renda nos países da UE começaram a aumentar novamente. É o que as pessoas sentem na vida real. Existe uma minoria de ricos que está ficando cada vez mais rica e que proporcionalmente contribui menos para o Estado social. Se a Europa quiser salvar-se, deve construir um modelo original para garantir um desenvolvimento social justo e duradouro. Só assim os eleitores serão convencidos a apoiar o projeto europeu.
O que você propõe?
A criação de uma assembleia europeia soberana, com os parlamentares de um pequeno núcleo de países, que possa gerir um orçamento financiado através de quatro grandes impostos europeus: sobre os lucros das grandes empresas, sobre os rendimentos mais elevados (mais de 200 mil euros por ano), sobre os maiores patrimônios (mais de 1 milhão de euros por ano) e sobre as emissões de dióxido de carbono.
Propõe aumentar os impostos: você está sonhando?
O orçamento que propomos, se fixado em cerca de 4% do PIB, poderia servir aos Estados-membros para reduzir a tributação fiscal regressiva que incide nos salários e consumos das classes médias, mas também para financiar pesquisa e investimentos para o crescimento. Em essência, seria um instrumento democrático para garantir uma nova justiça fiscal.
Macron propôs um orçamento da zona do euro. Não concorda com isso?
É um projeto extremamente vago que esquece o cerne do problema: o combate às desigualdades. Por outro lado, para Macron é difícil falar em justiça fiscal na Europa após ter abolido na França o imposto sobre fortunas. E assim, o único tópico de que todo mundo está falando é a caça aos estrangeiros.
A esquerda não está fazendo o suficiente contra a desigualdade?
Na França, se os vários líderes fossem um pouco menos estúpidos, perceberiam que somando suas várias listas seriam um bloco de poder maior do que o partido da maioria. Em muitos países, além disso, há uma rejeição da esquerda radical paradoxal, porque não faz nada além de ajudar a ascensão do extrema direita. A única solução é propor um modelo econômico e fiscal mais justo. Provavelmente, como acontece com frequência na Europa, chegaremos lá quando formos atingidos por uma nova crise econômica e financeira.
Você pensa na Itália?
Não sei se a próxima crise europeia será causada pela dívida italiana. Eu sei que esse governo é um pesadelo absoluto. Salvini consegue ganhar popularidade denunciando a hipocrisia do governo francês sobre a questão migratória e, enquanto isso, ele pode levar adiante uma política antissocial, pedindo a aprovação do imposto fixo (flat tax). Fico consternado ao ver então que uma das soluções propostas para tapar os buracos do orçamento do Estado é aumentar o IVA, que, por definição, pesa sobre os setores mais fracos da população.
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"A injustiça favorece os populistas". As eleições europeias segundo Piketty - Instituto Humanitas Unisinos - IHU