27 Mai 2019
As eleições europeias também são um teste para o Papa Francisco. Devido à sua importância nacional e internacional, os movimentos eleitorais, que serão certificados pelas urnas, terão um forte impacto na posição geopolítica do pontífice argentino. Na Itália, o resultado das urnas decretará, em primeiro lugar, o índice de consenso de Matteo Salvini. O líder da Lega Nord, que em um quarto de século em atividade na prefeitura de Milão nunca havia se destacado por alguma especial militância religiosa, construiu cientificamente um bloco eleitoral do qual participam os católicos mais tradicionalistas, arrolados pela onda xenofóbica e ferozes em combater as aberturas doutrinárias de Francisco.
O comentário é de Marco Politi, jornalista e ensaísta italiano, publicado por Il Fatto Quotidiano, 26-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
É um pedaço da Igreja real, que aplaude o rosário agitado em sinal de reconhecimento e usa a "família" como um aríete para combater a igualdade civil alcançada pelos casais homossexuais e continuar uma propaganda sistemática contra o aborto e o direito das mulheres de dispor do próprio corpo. Quando Salvini, no comício de Milão, incita os crentes da Lega e simpatizantes: "Falem sua opinião amanhã na missa se alguns padres vierem com críticas" à política do governo sobre a imigração – ele faz um apelo para intimidar os sacerdotes que em suas homilias ousarem se referir às palavras de Francisco para exortar uma atitude de atenção à questão dos migrantes e, principalmente, da integração. Além disso, há setores do clero, não apenas no norte da Itália, mas também do centro e do sul, que abertamente ou nas entrelinhas, rebelam-se contra a linha de Bergoglio, mal suportando suas palavras sobre migrantes e ciganos.
As urnas serão a medida desta Itália clérigo-soberanista e indicarão o peso de Salvini na sociedade que, desde que se tornou vice-primeiro-ministro, se posicionou como antipapa, invocando de forma ostensiva o patronado da Imaculada. E garantindo para si mais concretamente a aliança do cardeal Raymond Burke, acérrimo crítico de Francisco, e de Steve Bannon que (literalmente invertendo a realidade) acusa o papa de se aliar com as elites da globalização em detrimento das pessoas comuns.
Já faz algum tempo que Francisco percebeu o perigo e advertiu contra o crescimento do populismo iliberal e agressivamente antidemocrático. As novas gerações devem saber o que os nacionalismos das Primeira e Segunda guerras mundiais produziram, declarou o Pontífice em outubro passado: "É importante que conheçam e compreendam a maneira como o populismo cresce: semeando ódio, como fez Hitler em 1933. É fácil semear o ódio, mas o fechamento é o começo do suicídio”. No início deste mês, num encontro com os operadores pastorais na basílica de São João de Latrão, Francisco novamente denunciou xenofobia e populismo. "Tenham cuidado - disse ele - porque o fenômeno cultural mundial, digamos pelo menos europeu, dos populismos cresce semeando medo".
O episódio, portanto, focaliza o panorama geopolítico. Se nos países do Leste Europeu a resposta das urnas dirá até que ponto os líderes nacionais-clericais de tipo polonês ou húngaro mantêm seu nível de consenso (ou retrocedem), é em toda a União Europeia que o domingo representa o dia em que serão julgadas as classes dirigentes favoráveis à integração do continente e os grupos políticos que se opõem à UE em nome do soberanismo e do populismo, exaltando os egoísmos nacionais e trabalhando para minar qualquer projeto federalista.
"A desintegração da UE seria um desastre para o Ocidente em particular, e para o mundo em geral: ninguém pode desejar isso", ressaltou na primeira página do Osservatore Romano o cardeal Angelo Bagnasco, presidente do Conselho que reúne as conferências episcopais europeias. Seu alarme reflete plenamente a grande preocupação da Santa Sé. Por mais de meio século, a posição do Vaticano sempre foi de encorajar a integração europeia como garantia de paz, de reconciliação, de uma sociedade de solidariedade e de um desenvolvimento de acordo com uma economia social de mercado. Os projetos de Merkel e de Macron no sentido de passos à frente no caminho da integração - mesmo que em velocidades diferentes - sempre foram vistos favoravelmente pelo Vaticano.
Agora tudo está em jogo e no Vaticano existe a certeza de que se das urnas resultar um forte impulso para o enfraquecimento do projeto europeu, o resultado não seria uma Europa mais próxima das necessidades populares, mas uma Europa em desordem incapaz de desempenhar um papel de autoridade no cenário mundial. Com o efeito de dar mais espaço ao darwinismo geopolítico do America first de Trump, visando minar todo equilíbrio multilateral. O presidente dos EUA, que não assina o pacto das Nações Unidas sobre os imigrantes (e Salvini impôs o mesmo ao governo italiano), que se retira do Acordo sobre o Clima, que repudia o acordo com o Irã, que sai da UNESCO, que sabota o projeto de dois Estados na Terra Santa e rasga o acordo INF sobre o desarmamento, representa a antítese da política seguida até agora pela União Europeia e favoravelmente apoiada pelo Vaticano. O Papa Bergoglio não acompanha os noticiários da noite. Mas na manhã de segunda-feira perguntará ansioso como foi a votação na Europa.
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Europeias 2019, estas eleições são também um teste para o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU