04 Abril 2019
Os jesuítas dos Países Baixos e da Flandres fizeram um curta-metragem de animação sobre Frans van der Lugt, o jesuíta holandês assassinado cinco anos atrás em Homs, na Síria.
A reportagem é publicada por Gesuiti Italia, 26-03-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Frans Van der Lugt | Foto: Jesuítas Itália
Em 7 de abril de 2014, o jesuíta holandês Frans van der Lugt foi assassinado em Homs, na Síria. Ele tinha 75 anos de idade. Nesta apresentação, Frans van der Lugt SJ fala sobre sua vida e sua morte, e envia um forte apelo ao mundo inteiro: que o amor tenha o primeiro lugar. Esse vídeo foi produzido pelos jesuítas dos Países Baixos e da Flandres e está disponível em 9 idiomas: inglês, árabe, francês, alemão, espanhol, polonês, português, italiano e holandês.
A história, a vida, continua - cinco anos após o assassinato de Frans van der Lugt SJ
Duas balas. Duas. Na minha cabeça. Era 7 de abril de 2014. Alguém havia acabado de bater no portão do nosso convento em Homs. A fome havia nublado meus olhos. Eu tinha notado que ele era um estrangeiro. Eu dei a ele minha mão, confuso. Uma faísca de esperança acendeu-se em mim. Eu me perguntava: ele terá comida? Quem é esse homem? De onde vem?
Bam. O tiro. Tudo aconteceu muito rapidamente. Não teve tempo nem de olhar bem para ele. E então, bam, outro tiro.
Ainda não consigo acreditar.
Eu nunca mais poderei sofrer com essas boas pessoas perto de mim?
Não poderei mais oferecer consolo e esperança?
Não poderei mais encorajá-las ... nem ter ouvidos para ouvi-las?
Meu nome é Frans van der Lugt. Na Síria, as pessoas me chamam de Abuna Francis.
Padre Frans. Sou um jesuíta holandês. Moro na Síria há 50 anos.
Até que me mataram.
Eu morava na casa dos jesuítas, no coração de Homs. A guerra destruiu e dilacerou o nosso bairro.
Os soldados bloquearam as vias de acesso. Muitos de nós morreram literalmente de fome.
Até o meu último suspiro, tive esperança que o ódio, a luta e a dor parassem.
No entanto, no meio dessa miséria, também via algo de muito bonito: um presente. Nós que havíamos permanecido ali, tínhamos nos tornado irmãos e irmãs.
Lembro-me de uma celebração do Domingo de Ramos. Bombas caíam ao nosso redor, nossa igreja havia sido atingida. Mas nos reunimos para orar. Pedi ao imã que lesse um texto do Alcorão. Ele fez isso com grande entusiasmo. Depois, as pessoas receberam a comunhão, eu as distribuí. Quando a esposa do Imã se aproximou, meus poucos preceitos dogmáticos desapareceram.
Apesar da fome e da violência, nunca pensei em abandonar nosso bairro sob ataque.
Nem mesmo quando muitas pessoas foram evacuadas. Não passa de um quilômetro quadrado; mas aqui muçulmanos e cristãos de diferentes origens viviam juntos pacificamente. A Síria se identificava com esse modo de viver.
Não se devia renunciar a isso. Imagine, nós teríamos celebrado a Páscoa aqui! A celebração da passagem da morte para a vida!
Da morte para a vida. Eu gostaria de ter dito às pessoas que a vida nasce de um abismo escuro e que aqueles que vivem na escuridão verão uma luz brilhar ... Há esperança também para Homs.
E agora isso ... A morte. Como se tudo tivesse parado.
E mesmo assim, vamos em frente.
Talvez você se pergunte porque digo isso, em meio a tanta miséria. Não percebo que a morte está dançando no meu corpo?
Eu te digo. Tem a ver com um homem cuja vida terminou violentamente. Ele sentia que muito sofrimento e morte o aguardavam. E ele teve medo. Estava angustiado. Apesar de tudo, ele continuou seu caminho. Visitou pessoas, libertou-as. Continuou a amar, amar e amar.
Toda a minha vida eu quis ser como aquele Jesus de Nazaré. Tudo começou quando eu tinha dezoito anos. Naquela época eu saia com uma garota que eu amava muito. Mas eu não podia continuar assim. Simplesmente porque outro desejo maior ardia em mim.
Eu queria existir não só para ela, mas para todos. Eu queria ter as mãos livres e os braços vazios ... para poder preenchê-los com pessoas que teria encontrado.
Todos os homens: cristãos, muçulmanos, não-crentes ...
Como Jesus, que foi capaz de viver com as mãos vazias. Por essa razão tornei-me sacerdote.
Então, quando digo que a história continua, é porque acredito no amor de Deus. Aliás, é o amor que segue sua história. Ninguém deveria se desesperar.
No final a história continua sem mim. Essa ideia é nova para mim e parece-me estranha.
É por isso que eu gostaria de te perguntar uma coisa. Por favor, não fique bravo com aquele que me matou. Você só geraria mais dor e mais ódio.
Mas fique triste pela distância que existia entre o homem com a arma e eu. Estou triste porque não tive tempo de escutar a dor que tinha em seu coração. Aquela dor deve ter sido enorme. Tão enorme que ele foi capaz de matar uma pessoa.
E agora, quem vai cuidar de suas feridas?
Eu não poderei mais fazer isso. Outros sim. Tu, sim.
Porque o amor continua!
Simplesmente continua.
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Frans van der Lugt SJ: "Minha morte e a primazia do amor" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU