13 Julho 2018
Os petistas fariam diferente se houvesse um pronunciamento seu conclamando-os a derrotar o fascismo. Seus eleitores também seriam impactados por uma clara orientação sua frente aos riscos representados por um psicopata que tem alcançado popularidade pregando o ódio e convocando a morte, escreve Marcos Rolim, jornalista, em artigo publicado por Sul21, 12-07-2018.
Eis o artigo.
Presidente, como o senhor bem sabe, o Brasil passa por momentos dramáticos. A rigor, não temos governo, o que significa uma situação cada vez mais próxima do “Estado de Natureza” de que nos falou Hobbes. No Palácio do Planalto e nos ministérios, há um grupo de políticos mafiosos muito mais interessado em seus negócios escusos do que no Brasil. O senhor os conhece muito bem, de modo que nem preciso nomeá-los. Apesar das importantes conquistas sociais dos governos do PT, a crise econômica produziu enorme desemprego e os trabalhadores vivem um período de perda de direitos e garantias básicas. A desesperança e o cinismo viraram as moedas mais fortes na política e a violência esgarça a qualidade de vida em todos os quadrantes.
Não quero aborrecê-lo. Se não por outro motivo, pelo fato de que a prisão, mesmo quando em ambiente digno de execução penal como aquele que lhe foi assegurado, já assinala grande sofrimento. Por isso, não falarei sobre as acusações que lhe foram feitas em vários processos judiciais. Fala-se muito sobre isso no Brasil e tudo o que poderia ser dito, para o bem e para o mal, já o foi. Não quero perder a oportunidade, entretanto, de lhe falar de política. Então, imagino que o senhor tenha presente que aquilo que tem ocorrido no Brasil desde que seus antigos aliados tomaram o poder está diretamente relacionado a opções políticas equivocadas feitas pelo PT. Temer só é presidente, afinal, porque foi escolhido pelo PT como vice; Cunha só foi capaz de comandar o impeachment porque, por muito tempo, quem falou contra ele se deu mal com o PT. Não é possível entender a crise econômica que atingiu o País sem considerar a irresponsabilidade fiscal e a inapetência dos governos petistas de enfrentar o rentismo. Essa forma de dizer é um tanto eufemística, sabemos, porque nada que é decidido pelo PT é feito sem o seu aval desde há muito. Não sei o que o senhor pensa sobre política econômica, mas seu ministro preferido da Economia, Henrique Meirelles, serviu a Temer e concorre à presidência pelo MDB, representando aquilo que seus seguidores chamam de golpismo.
Esses elementos e muitos outros indicam a necessidade de um balanço autocrítico, algo que, por certo, já foi feito com a direção partidária ou, pelo menos, com as lideranças do PT que lhe são mais próximas. O fato é que ninguém fora desses círculos tem notícia de um ajuste de contas sobre os erros cometidos nos intensos anos de governo, quando a esperança era maior que o medo. O senhor não considera que, depois de tudo o que ocorreu, seria fundamental que o PT fizesse uma autocrítica radical e pública? Que dissesse, por exemplo, que ter se aliado com o que havia de mais degradado na política nacional não foi uma boa ideia? Não valeria a pena assumir que a política de financiamento de mega empresas via BNDES, que carreou fortunas públicas para grupos como a JBS e as grandes empreiteiras, foi uma opção desastrada e injustificável para um partido que sempre se afirmou “de esquerda”?
Não caberia ao PT assumir a óbvia responsabilidade por não ter desenvolvido os mecanismos elementares de controle interno sobre a conduta de seus membros e de todos aqueles indicados para os mais altos postos da administração pública – incluindo a Petrobrás – e de ter se deixado seduzir pelos mesmos mecanismos de corrupção, patrimonialismo e clientelismo da política tradicional? Não valeria dizer, claramente, que os governos do PT erraram por não terem sequer proposto uma agenda de reformas estruturais que projetassem um Poder Judiciário mais republicano; um Legislativo mais qualificado; um desenvolvimento mais sustentável, uma floresta mais protegida, polícias mais eficientes; prisões mais humanas; uma imprensa mais democrática e plural; uma escola mais capaz de ensinar; um sistema de saúde mais resolutivo?
Após ter exercido o governo por 14 anos, é legítimo subtrair da população brasileira o aprendizado que o senhor e o PT devem ter acumulado em seus acertos e erros? Como estimular uma consciência crítica entre os trabalhadores se sua mais importante referência política não erra, por definição? A infalibilidade não é, historicamente, um dogma religioso?
Presidente, estamos a pouco mais de 80 dias das eleições. Tudo leva a crer que o senhor não será candidato. Algumas pedras, inclusive, sabem disso. Em todas as pesquisas de intenção de voto, seu nome aparece em primeiro lugar, o que faz com que seu posicionamento – e de seu partido – possam decidir a parada para um lado ou para outro. No lado de lá, Lula, está o fascismo. O candidato que representa essa vertente de extrema-direita lidera todos os cenários sem a sua presença. Tudo leva a crer, então, que estará no 2º turno. Ele conta com o apoio de muitos militares e de policiais, de lideranças de seitas religiosas e de sociais-confusos de toda ordem. Mais recentemente, passou a contar com a simpatia de grandes empresários. Seus apoiadores usam camisetas com a estampa de Carlos Alberto Brilhante Ustra, o “Dr. Tibiriçá”, o mais notório dos torturadores brasileiros. Se as forças democráticas e de esquerda não marcharem unidas, presidente, o fascismo poderá vencer as eleições, pela primeira vez na América Latina. Teremos no governo, então, um pesadelo que nos conduzirá a um golpe de verdade, daqueles que penduram pessoas em calabouços, que mandam sumir com corpos, que mandam degolar, fuzilar e estuprar.
Aqui fora, presidente, seus seguidores seguem lutando por sua liberdade. Eles denunciam o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Federal, a mídia, o governo Temer, a CIA e, se der tempo, os árbitros de vídeo, mas não enfrentam Bolsonaro e não batalham pela unidade das correntes progressistas e democráticas. Pelo contrário, eles batem em Ciro, em Marina e seguem tratando o PSDB como se os tucanos fossem os inimigos. Perdoe-me a sinceridade, presidente, mas acho que eles fazem isso por sua orientação. Os petistas fariam diferente se houvesse um pronunciamento seu conclamando-os a derrotar o fascismo. Seus eleitores também seriam impactados por uma clara orientação sua frente aos riscos representados por um psicopata que tem alcançado popularidade pregando o ódio e convocando a morte.
O senhor está preso – ao que tudo indica, em pena desproporcional e seletiva – mas nunca o Brasil precisou tanto de sua palavra. Ela pode ser dita da forma criativa e eficiente como só o senhor sabe dizê-la. Sugiro que o senhor fale para o motorista com quem conversei outro dia. Perguntei a ele em quem votaria se as eleições fossem hoje. Ele respondeu, sem hesitar, que votaria no Lula. Então, renovei a pergunta: “mas e se Lula não for candidato, em quem você votaria?” Ele respondeu com a mesma convicção: “nesse caso, vou de Bolsonaro”. A despolitização alimentada pelo culto à personalidade prega essas peças. Fale para ele, presidente. Diga que o PT irá apoiar uma candidatura única das oposições já no primeiro turno para salvar a democracia das garras do fascismo. Diga que, para esse objetivo, os interesses particulares do PT e os interesses do senhor não têm a menor importância. Fale para ele, presidente, enquanto há tempo. Tudo o mais, inclusive essa cela em que o senhor está nesse momento, não vale outra postura.
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Uma carta para Lula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU