Por: João Vitor Santos | 17 Março 2018
Há alguns anos, visitar um galpão de estoque de mercadorias de uma rede varejista impressionava pela quantidade de pessoas circulando. Na década de 1940, um banco impressionava pelo seu exército de contadores alinhados como numa linha de produção, envolvidos em créditos e débitos de correntistas. Poucas décadas depois, não se vê quase ninguém nesses galpões varejistas. Robôs e outras máquinas fazem grande parte do trabalho. Nos bancos, contadores estão praticamente extintos e o processamento de dados agora é feito por meio eletrônico, quase sem interação humana. Isso significa que o humano está fadado a ser superado pela tecnologia? O emprego vai acabar? Para o professor Cesar Alexandre de Souza, da Universidade de São Paulo – USP, a resposta não pode, apressadamente, ser um reducionista sim. “O computador é uma máquina estúpida. Muito rápida, ganhamos escala, capacidade de processamento, mas é estúpida porque requer sempre uma programação”, destaca.
Souza recorda que a tecnologia sempre esteve presente na realidade das empresas e esse medo da substituição de pessoas por máquinas sempre foi uma constante. Entretanto, em tempos de Inteligência Artificial, em que as máquinas são capazes de aprender sozinhas a partir de redes que imitam as conexões neurais humanas, o assombro parece ser ainda maior. “Precisamos ter em mente que a Inteligência Artificial não está vindo do nada. Faz parte de um movimento empresarial e global de tecnologia que sempre existiu”, completa. Para o professor, é verdade que muitas profissões tendem a ser completamente automatizadas, como o caso dos contadores dos bancos. “É surpreendente as tecnologias que se desenvolvem na área das machine learning, mas o cérebro humano é feito de inteligência e capacidade de se adaptar a mudanças”, analisa.
Souza: "O cérebro humano é feito de inteligência e capacidade de se adaptar a mudanças” (Foto: João Vitor Santos/IHU)
Embora muitas máquinas hoje já estejam preparadas para fazer julgamentos e avaliações que antes pareciam apenas aptidões geradas a partir da cognição humana, como o robô Watson, desenvolvido pela IBM e capaz de compreender ironias, gírias e inúmeras variações de linguagens, o professor reconhece que um dos diferenciais humanos mais significativos ainda é a criatividade. “A fronteira da Inteligência Artificial é a interação pessoal, saber como a pessoa está se sentindo. Mas essa fronteira tende a logo ser quebrada. Agora, imagine o trabalho de um professor? Muito de nosso trabalho está no contato com o aluno, perceber como ele aprende, quais suas potencialidades e o que precisa ser trabalhado. E ainda tem muito na capacidade de inspirar esse aluno. Imagine uma criança pequena dizendo: ‘ah, quando crescer quero ser como esse robô’”, compara Souza.
O professor participou de duas atividades promovidas pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, na quinta-feira, 15-3, que discutem o impacto das novas tecnologias na vida das pessoas, especialmente nas suas relações com o trabalho. Na primeira, dentro da programação do IHU Ideias, que ocorre sempre no fim da tarde às quintas-feiras, falou sobre os Diferentes usos da Inteligência Artificial nas organizações. Logo depois, à noite, já no 2º Ciclo de Estudos Revolução 4.0 – Impactos aos Modos de Produzir e Viver, tratou do tema Inteligência Artificial e o futuro do trabalho.
Ainda na sua atividade da tarde, Cesar Alexandre de Souza fez um resgate histórico sobre como a tecnologia vai se encrustando nas empresas desde os primeiros, grandes e caros, computadores. “Esse movimento se popularizou muito nas décadas de 1980 e 1990 com os microcomputadores, tornando essa tecnologia mais acessível e barata. Foi o mesmo período em que se desenvolveram as primeiras redes e, depois, a própria internet”, recorda. Entretanto, o grande salto temos vivido desde os anos 2000, com a chamada web 2.0. Essa revolução vai desde sua nova forma de se relacionar via redes sociais, até os mobiles, os smartphones, e a lógica dos aplicativos.
Essas mudanças vão impactando nas empresas que se transformam no que chama de empresas aplicativos ou mesmo nas que já nascem nesse contexto. Ele lembra de exemplos como a Amazon, que nasce como uma livraria de varejo pela internet, mas que se transforma em uma empresa de alta tecnologia. “Suas interações com os clientes são via big data e input de informações que recebe. Por isso é capaz de sugerir diretamente o que interessa a um cliente em específico”, aponta. Mas não é só isso. Empresas como essa seguem investindo nas chamadas tecnologias disruptivas, aquelas que mudam algo que já se fazia. “É o caso dos aplicativos de táxi. Lembre como era complicado erguer o braço e fazer sinal para o táxi no meio da avenida. Agora, basta chamar via aplicativo. Isso sem falar no Uber, que mudou ainda mais essa relação com o transporte”, avalia.
E parece não haver limites. A Amazon, por exemplo, está querendo até transformar o conceito de “fazer as compras”. “É a Amazon Go. Um mercadinho em que você entra, pega as coisas na prateleira, e o sistema detecta. Quando passa pela porta é debitado no cartão de crédito e pronto. É só sair”, exemplifica. Já o Uber, e também o Google, seguem seus testes e estudos no carro não tripulado, sem motorista. “O Google coloca uma frota de carros com motoristas para circular. Esses carros vão aprendendo com os motoristas e depois cruzando as informações e criam novas conexões para, assim, serem capazes de projetar as melhores rotas sem a necessidade de motorista”, explica.
Na conferência da noite, enquanto Souza ia dando esses exemplos, a plateia que lotava o Auditório Central se inquietava nas poltronas. Talvez fosse o medo de perder o emprego ou de viver a realidade de um romance de ficção científica. Mas o professor acende uma luz de esperança, parafraseando Pablo Picasso. “Ele disse que o grande problema dos computadores é que são ótimos em dar respostas. É justamente isso. A questão não são só as respostas, mas as perguntas. O ser humano ainda preserva essa capacidade única de fazer perguntas”, aponta. Para o professor, é nisso que reside a criatividade e a capacidade de adaptação humana.
Para detalhar ainda mais essa perspectiva, ele traz o exemplo que viveu no Vietnã. Assim como na Índia, o trânsito e a circulação de pessoas faz com que qualquer visitante que observe esse frenesi considere impossível atravessar a rua. Afinal, não há placas, sinaleiras e, parece, tampouco ordem. “Mas é uma questão cultural. É como um balé. Você vai avançando e os carros, as motos, as pessoas vão desviando de você. Se ficar parado é atropelado. Se ir muito rápido, também”. Segundo ele, é preciso ter sensibilidade para entrar nesse balé, saber a velocidade certa. “Isso é uma aptidão humana que toda tecnologia do carro autômato ainda não é capaz de apreender”, sintetiza.
É diante da capacidade criativa que só o ser humano é capaz de desenvolver que Souza compreende estar a saída para o emprego. Isso porque há atividades em que é possível ter uma máquina plenamente programável ou, no caso da Inteligência Artificial, criar bases para o desenvolvimento das redes neurais, mas há outras em que isso ainda não é possível. “Num restaurante, um lavador de pratos pode ser substituído. Mas em atividades que requerem um refinamento é mais complicado. Imagine um garçom equilibrando os pratos, falando com as pessoas, pedindo licença e se deslocando pelo salão. É muito mais difícil uma máquina fazer isso”, exemplifica.
Claro que haverá sempre a necessidade de pessoas para atuarem no desenvolvimento dessas tecnologias. “Mas elas precisarão estar sempre além, criando essas tecnologias. Não dá para resignar-se à TI como suporte. Grande parte desse trabalho pode ser feito por um computador como o Watson”, avalia. Por isso defende que o profissional esteja em constante aperfeiçoamento. E não somente em sua área. “Precisamos buscar alternativas, desenvolver alguma coisa na área das artes, por exemplo, aprender coisas novas. Isso vai nos deixar mais capazes de sermos criativos”.
Preocupado com o futuro do trabalho, público se inquietava com os exemplos trazidos pelo professor (Foto: João Vitor Santos/IHU)
Souza traz, ainda, uma pesquisa estadunidense em que foi traçado o perfil das profissões que facilmente tenderão a desaparecer em decorrência da evolução tecnológica. No topo da lista dos trabalhos em extinção estão as atividades de telemarketing e até mesmo atividades de contabilidade e análise de dados que podem ser feitas a partir de uma base. É o caso dos tradutores, trabalho desenvolvido cada vez melhor por computadores. “Por isso que não basta mais só traduzir um texto. O profissional precisará ir além, ser uma espécie de consultor para mostrar como construir o melhor texto para ser traduzido”, exemplifica. E, reforçando a tese de Souza, as atividades em que é mais difícil a substituição de pessoas são aquelas em que precisa o refinamento humano. São atividades relacionadas a gestão, terapias, cuidados de saúde ou que dependem de interação humana, como no ensino. “Felizmente vemos muitos professores. É o exemplo que trouxe antes, dos limites de um robô dar aula para uma criança”, brinca.
Souza encerra sua fala destacando que a relação com tecnologia é inevitável e o ser humano tem de ser capaz de, criativamente, ir se associando a ela para assegurar seu futuro profissional. Entretanto, ele mesmo reconhece que isso não é suficiente. Não basta pensar em um desenvolvimento pessoal, a sociedade toda deve estar preocupada com isso. Afinal, inevitavelmente vai impactar na vida de quem não conseguir se adaptar. “Temos cidades que são polos de telemarketing. Como vão ficar essas pessoas todas?”, questiona. Para ele, discussões como a renda básica são necessárias. “Pouco antes de deixar a Casa Branca, o próprio Barack Obama teve um debate nesse sentido com empresas do Vale do Silício”, aponta.
Essa é uma das preocupações do jovem Bruno, que cursa Sistemas da Informação na Unisinos. Em sua intervenção, ele compartilha suas inquietações. “Como fazer essa tecnologia ser acessível a todos? Eu penso na qualidade de vida das pessoas. O senhor falou que a tecnologia pode fazer com que algo possa ser acessível a um número maior de pessoas. Como na saúde, por exemplo, podemos garantir que isso seja acessível a todos?”. Souza não tem resposta pronta. Apenas provoca a pensar: “isso vai ter que ser feito. A sociedade tem que pensar na contrapartida da tecnologia, para que ela não aumente a desigualdade”.
Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo - USP, mestre e doutor em Administração pela mesma universidade, onde atualmente leciona.
Cesar Alexandre de Souza (Foto: João Vitor Santos/IHU)
O 2º Ciclo de Estudos Revolução 4.0 – Impactos aos Modos de Produzir e Viver segue até 6 de junho. A próxima atividade será no dia 21, quando o professor Fábio do Prado, do Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana, a FEI, de São Paulo, abordará A formação profissional no contexto da revolução 4.0. Participe.
Diferentes usos da inteligência artificial nas organizações
Inteligência artificial e o futuro do trabalho
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Criatividade: habilidade humana que ainda supera a Inteligência Artificial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU