Por: Patricia Fachin | 28 Agosto 2017
O único aspecto que diferencia a Revolução 4.0 das demais é “a velocidade com a qual ela está acontecendo”, afirmam os engenheiros Eduardo Mario Dias e Vidal Melo à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. “Ela é caracterizada pela fusão entre os mundos físico e virtual. Até certo tempo atrás era fácil distinguir esses mundos, você se programava para se conectar à Internet, se programava para tirar a pressão ou medir seus batimentos cardíacos. Hoje você vive conectado à Internet e um Smartwatch pode medir seus batimentos cardíacos 100% do tempo e te comunicará caso algo fuja do esperado”, dizem.
Na avaliação dos engenheiros, a área da saúde será uma das mais impactadas pela mudança tecnológica e proporcionará o prolongamento da vida. Já entre os aspectos negativos, segundo eles, são “difíceis de serem previstos”. Embora já estejamos vendo uma extinção de postos de trabalho e a criação de outros, os engenheiros lembram que “isso sempre aconteceu, basta lembrarmos dos cursos de digitação e das máquinas de datilografar, dos filmes e da revelação de fotos, do telefone público e seu cartão etc”. O grande risco dessa mudança tecnológica, afirmam, “é que até as últimas revoluções o mundo teve tempo de se adaptar e as transições foram menos traumáticas. Nessa, pela velocidade, talvez a transição seja mais traumática e não permita a adaptação de muitas pessoas, aumentando o distanciamento cultural, financeiro e intelectual entre elas”, concluem.
Eduardo Dias | Foto: Daryus
Eduardo Mario Dias é doutor, mestre e graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade de São Paulo - USP. Desde 1994 é professor titular da USP, onde ministra cursos na graduação e na pós-graduação na Escola Politécnica. Atualmente também é coordenador do Grupo de Automação Elétrica em Sistemas Industriais - Gaesi.
Vidal Melo é graduado em Engenharia de Produção Mecânica pelo Instituto Mauá de Tecnologia, pela Escola de Engenharia Mauá e doutor em automação pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP.
Vidal Melo | Foto: Seterm
Na noite desta segunda-feira, dia 28, às 19h30, o professor Eduardo Mario Dias estará presente no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, proferindo a conferência “A quarta Revolução Industrial. Consequências no modo de produzir e viver”. O evento faz parte do ciclo Revolução 4.0. Inteligência Artificial e Internet das Coisas. Impactos no modo de produzir e viver.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como compreende o fenômeno da Revolução 4.0? Em que aspectos ela se distingue das demais revoluções industriais?
Eduardo Mario Dias e Vidal Melo - A quarta revolução que estamos vivendo é diferente por um único motivo, a velocidade com a qual ela está acontecendo. Em relação aos outros aspectos ela é semelhante às demais, ou seja, transformará a forma de viver, trabalhar, estudar. Ela é caracterizada pela fusão entre os mundos físico e virtual. Até certo tempo atrás era fácil distinguir esses mundos, você se programava para se conectar à Internet, se programava para tirar a pressão ou medir seus batimentos cardíacos. Hoje você vive conectado à Internet e um Smartwatch pode medir seus batimentos cardíacos 100% do tempo e te comunicará caso algo fuja do esperado. Agora imagina essa capacidade em tudo o que conhecemos. A capacidade de sentir, registrar e atuar com o mínimo de interação humana. A capacidade de cruzar todos esses dados, a capacidade de imprimir um produto na sua própria casa, a capacidade de vestir tecnologia, a capacidade de viver com tecnologia dentro do corpo etc.
IHU On-Line - Quais são as consequências, digamos, positivas e negativas da Revolução 4.0?
Eduardo Mario Dias e Vidal Melo - Positivas são várias, a área da saúde certamente será uma das mais impactadas em relação ao resultado. Viveremos mais tempo, com melhor qualidade. Na área industrial, o nível de automação e customização será máximo. Uma indústria será capaz de produzir um tênis moldado especificamente para o seu pé e com as cores que você escolher. Você pode me perguntar: mas isso já não é possível hoje? Sim, é, porém o custo disso ainda é inviável. Poucas pessoas têm acesso. Rapidamente o custo cairá e se viabilizará para qualquer pessoa.
Já os negativos são difíceis de serem previstos. Já estamos vendo uma extinção de postos de trabalho e a criação de outros. Isso sempre aconteceu, basta lembrarmos dos cursos de digitação e das máquinas de datilografar, dos filmes e da revelação de fotos, do telefone público e seu cartão etc. O grande risco, como mencionei acima, é que até as últimas revoluções o mundo teve tempo de se adaptar e as transições foram menos traumáticas. Nessa, pela velocidade, talvez a transição seja mais traumática e não permita a adaptação de muitas pessoas, aumentando o distanciamento cultural, financeiro e intelectual entre elas.
IHU On-Line - Como a Revolução 4.0 modifica o nosso modo de produzir e viver?
Eduardo Mario Dias e Vidal Melo - Já está modificando. Hoje, se você quiser, nunca precisará ir a uma agência bancária. Todo o processo, desde a abertura da conta e movimentação de recursos pode ser feito a distância. O transporte por aplicativo é outro exemplo, antes você ligava em uma central de radiotáxi, alguém atendia, passava um rádio para todos os taxistas para ver qual estaria mais próximo do local. Depois de confirmado com o taxista, a central te ligava de volta dizendo que em mais ou menos 20 minutos o táxi estaria na sua porta. Hoje é tudo automático, sem nenhuma interação humana entre você e o motorista. Pegue esse exemplo acima e reflita com o que vai acontecer em pouco tempo: o carro vai chegar e te levar sozinho, sem motorista. Você falará com o carro. Vamos dar mais um passo? Você não falará com o carro, sua agenda falará com o carro automaticamente. Ela calculará o trânsito, chamará o carro com o tempo necessário para você se deslocar e te avisará que você deve estar pronto às 10 horas. Tudo isso no dia anterior. Isso parece futuro? Pois bem, não é, não.
IHU On-Line - Recentemente foi publicada uma notícia informando que apesar da crise e com as fábricas ociosas, as montadoras continuam investindo em robotização e que a indústria automobilística instala, apenas no Brasil, 1,5 mil robôs por ano. Qual é a expectativa desse setor em relação à Revolução 4.0?
Eduardo Mario Dias e Vidal Melo - Não vejo a robotização como quarta revolução industrial. Ela é da terceira. A quarta é mais caracterizada pela capacidade do robô em alertar que precisará de manutenção daqui a três dias, pois seu braço esquerdo está trepidando e automaticamente acionará a assistência técnica para uma substituição de peça.
IHU On-Line - Comparado a outros lugares do mundo em que os investimentos em tecnologia são muito maiores do que no Brasil, qual diria que é o quadro de investimento em automação elétrica hoje no país? Ainda nesse sentido, qual é o lugar que o Brasil ocupa em termos de competitividade e desenvolvimento nesse setor?
Eduardo Mario Dias e Vidal Melo - Estamos atrasados e os motivos principais são dois: mão de obra ainda barata e a tecnologia cara, como você comentou. Não tenho esses números de cabeça, mas vejo que estamos perdendo uma grande oportunidade. Toda revolução é uma oportunidade. Se o Brasil investisse mais em ciência e tecnologia, poderíamos ser os protagonistas dessa quarta revolução e exportarmos nossas invenções. Meu receio é que sejamos grandes compradores de soluções criadas ao redor do mundo, como somos compradores da maioria das tecnologias que consumimos. No máximo as coisas são montadas no Brasil, as tecnologias de ponta são desenvolvidas e fabricadas fora.
IHU On-Line - Diante do avanço da Revolução 4.0, uma das preocupações que surgem é em relação ao emprego. Entretanto, os pesquisadores da área divergem acerca de quais serão as consequências dessa modificação no mundo do trabalho. Na sua avaliação, a Revolução 4.0 põe em xeque o emprego tal como o conhecemos hoje? O que deve mudar nesse aspecto nos próximos anos?
Eduardo Mario Dias e Vidal Melo - Concordo, assim como a primeira, a segunda e a terceira revolução colocaram em xeque os empregos da época. Alguns sumiram, outros foram transformados e outros permaneceram iguais. É muito difícil de prever. O maior risco que vejo é o que comentei acima, sobre a capacidade de adaptação baseada na velocidade em que as coisas estão acontecendo.
IHU On-Line - Em que consiste o Projeto Canal Azul, desenvolvido pelo Grupo de Automação Elétrica em Sistemas Industriais - GAESI?
Eduardo Mario Dias e Vidal Melo - Consiste exatamente na fusão do mundo físico com o virtual nas operações logísticas. Ou seja, na criação de um lacre eletrônico que acompanha a carga e permite uma série de ações automáticas enquanto a carga está em trânsito. É possível monitorar a carga, antecipar procedimentos administrativos, rodar motores de análise de risco, avisar o destinatário do tempo estimado de chegada etc. Tudo automaticamente.
IHU On-Line - Quais são as principais contribuições da Revolução 4.0 para a criação de cidades inteligentes e sistemas de transporte inteligentes? Ainda nesse sentido, que problemas as tecnologias solucionam nesses âmbitos?
Eduardo Mario Dias e Vidal Melo - É total. Algo só é verdadeiramente inteligente se possuir partes das características humanas de sentir, pensar e agir. Ou seja, uma cidade que sente, por meio de sensores, o que está acontecendo, pode automaticamente avisar seus cidadãos e evitar desastres. Cito alguns exemplos que unem os dois tópicos que você mencionou. Em uma cidade inteligente: um ônibus atrasado terá preferência de passar em um semáforo e tentar recuperar seu tempo; o carro na sua frente, diante de uma situação que demande uma freada brusca, se comunicará com seu carro e acionará para acionamento automático do seu freio, e assim evitará um engavetamento; em vias completamente autônomas não existirão mais semáforos, pois os carros trocarão informação do seu percurso e de seus próximos passos.
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Revolução 4.0 e o risco de uma transição traumática. Entrevista especial com Eduardo Mario Dias e Vidal Melo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU