06 Abril 2018
Hoje é o Domingo da Misericórdia Divina e, também, o 2º Domingo da Páscoa, para marcar que os cinquenta dias que vão da Páscoa a Pentecostes são um só e mesmo tempo: o tempo do Espírito! Desde a tarde da Páscoa, Jesus sopra sobre os discípulos, infundindo-lhes o Espírito Santo (João 20,22).
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do Domingo da Misericórdia Divina (22 de abril de 2018). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Atos 2,42-47
2ª leitura: 1 Pedro 1,3-9
Evangelho: João 20,19-31
João insiste neste detalhe (versículos 19 e 26), em contraste com o túmulo aberto, e vazio, que Maria Madalena, Pedro e João haviam descoberto (20,1). Neste primeiro dia da semana, que também inaugura uma nova era, os discípulos ainda não haviam deixado de ter fé na morte. Ainda estão sob o regime do medo: medo dos que mataram Jesus, medo de morrer. E eis que, de repente, Jesus está no meio deles. Em nenhum lugar está dito que tivesse passado pelas portas: não tem mais necessidade de entrar, porque já estava lá, só que se tornara inacessível aos sentidos. Fez-se visível para ir encontrar os discípulos em seus infernos, no túmulo do medo em que haviam se trancado. Parece que não o reconheceram de imediato, pois lhes mostrara as suas chagas. Há aí uma espécie de regra geral: depois da Ressurreição, Jesus não é mais identificado imediatamente. Seu corpo não faz parte mais dos «objetos» deste mundo. Daí em diante, este corpo só será acessível através dos sacramentos, estes sinais de que a própria Igreja, declarada, aliás, o «corpo do Cristo», será a recapitulação. A fórmula de saudação dos judeus, «a paz», volta constantemente nos relatos das aparições; três vezes, nesta leitura. Esta insistência é significativa: o homem e Deus não estão mais sob o regime de afrontamento, simbolizado pelo fruto que foi apanhado da árvore, em Gênesis 3. Um mundo novo está aí. Deus e o homem se fazem um. Todas as portas estão abertas.
Até a Páscoa, as pessoas viam Jesus como um homem que lhes era exterior e que os interpelava, convidando-os a acolherem o Evangelho do Reino. Daí em diante, não o verão mais; só pela fé irão encontrá-lo. E, no entanto, jamais lhes fora tão próximo: de exterior que era, agora, ele se lhes tornou interior. Fez-se um só corpo com eles, à medida ao menos em que reunidos em seu nome (Mateus 18,20). Esta presença do Cristo nos é dada pelo Espírito e no Espírito. Espírito que é um só com ele e que irá nos repetir e fazer compreender tudo o que Jesus disse e que irá nos introduzir na verdade total. Os versículos 21-23 da nossa leitura são chamados de Pentecostes de São João: bem menos espetacular que o dos Atos, por certo, mas destinado a nos fazer compreender que tudo já nos fora dado na ressurreição de Jesus. Os relatos que, em João e nos outros evangelistas, saltam do quadro deste “primeiro dia”, procuram simplesmente fazer-nos explorar todo o conteúdo do acontecimento pascal e querem nos fazer compreender que o regime agora inaugurado, a Nova Aliança, guarda a sua eficácia até o fim dos tempos. O Espírito que nos foi dado tem por figuras o sopro e o vento, sinais de vida e de extrema mobilidade. Por isso Jesus envia os seus discípulos para todo o mundo.
Foi por verem as chagas do Cristo que os discípulos acreditaram em sua nova presença (versículo 20). No fundo, quando exigiu ver para crer, Tomé não estava tão distante dos outros. Todo mundo de algum modo, de tempos em tempos, arrola-se entre os que querem sinais para consentir em crer. Em Mateus 12,38-40, Jesus anuncia que não será dado outro sinal que não o de seu desaparecimento por três dias no ventre da terra, assim como Jonas havia desaparecido por três dias no ventre do monstro marinho. O sinal dado foi, portanto, o desaparecimento deste que é o Sinal por excelência! Jesus acaba de desaparecer, quando vem Tomé, representando todos estes de quem é um irmão gêmeo simbólico, por se sentirem acuados e sem saída. Ficou em suspenso por oito dias, em sua descrença. Oito dias, sete dos quais formam um todo completo (a semana), mais um oitavo que inaugura os tempos novos. Novos de verdade: o Cristo, que tantas vezes havia repreendido os que exigiam ver para crer, rende-se agora à decisão de Tomé. Cristo cede: Deus submete-se ao homem. Vejo neste relato uma imensa ternura. Teria Tomé atendido ao convite de Jesus? Teria tocado em suas chagas? Não me parece. Mas dirige-lhe palavras extraordinárias: primeiro, os dois pronomes possessivos, “meu”, que expressam todo o amor do discípulo: em seguida e, sobretudo, o “meu Deus”. É a única vez que, nos evangelhos, Jesus é explicitamente chamado de Deus.
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Meu Senhor e meu Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU