21 Setembro 2015
Fonte: http://www.periodistadigital.com/religion/
João disse a Jesus: "Mestre, vimos um homem que expulsa demônios em teu nome. Mas nós lhe proibimos, porque ele não nos segue." Jesus disse: "Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu nome e depois pode falar mal de mim. Quem não está contra nós, está a nosso favor. Eu garanto a vocês: quem der para vocês um copo de água porque vocês são de Cristo, não ficará sem receber sua recompensa.
E se alguém escandalizar um destes pequeninos que acreditam, seria melhor que ele fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada no pescoço. Se a sua mão é ocasião de escândalo para você, corte-a. É melhor você entrar para a vida sem uma das mãos, do que ter as duas mãos e ir para o inferno, onde o fogo nunca se apaga. Se o seu pé é ocasião de escândalo para você, corte-o. É melhor você entrar para a vida sem um dos pés, do que ter os dois pés e ser jogado no inferno. Se o seu olho é ocasião de escândalo para você, arranque-o. É melhor você entrar no Reino de Deus com um olho só, do que ter os dois olhos e ser jogado no inferno."
(Correspondente ao 26º domingo comum, do ciclo B do Ano Litúrgico)
Jesus continua com sua dedicação de instruir os discípulos e discípulas.
O primeiro ensinamento do texto de hoje se encontra na resposta que Jesus dá a João. Lembremos que João foi apodado por Jesus como “filho do trovão”. Possivelmente pelo seu caráter.
No início do texto apresenta-se sua reação diante de um homem que "achava-se com direito" a expulsar demônios. João está incomodado porque esse “homem” atua como se fosse um discípulo de Jesus mas “não nos segue”.
Imaginemos a reação de João! Ele e os outros/as discípulos/as veem esse homem expulsar demônios. Reagem imediatamente! O evangelista, que é muito discreto, não coloca o diálogo entre os discípulos e essa pessoa, mas não deve ter sido muito agradável.
No domingo anterior, Jesus tinha-lhes dito que ser seu discípulo é ser servidor dos outros. Eles parecem ter esquecido essas palavras que falam da humildade, do serviço. Lembremos as palavras pronunciadas pelo Papa Francisco ao celebrar uma missa realizada em Cuba na Praça da Revolução: "O serviço nunca é ideológico, já que não serve às ideias, mas serve às pessoas".
Eles ainda não podem aceitar uma pessoa que está ajudando na construção de um reino de liberdade e não esteja com eles. Será que eles se achavam os únicos, os escolhidos, mas num sentido de exclusividade?
Este discípulo dá voz à mentalidade de alguns cristãos e cristãs, de todos os tempos, que acreditam que eles têm o monopólio sobre o nome de Jesus e a exclusividade na construção do Reino.
Esquece que sua pertença ao grupo de Jesus foi um dom de pura gratuidade, foi o Mestre quem os chamou (Jo 15,15), os que por ele foram reunidos não devem pensar que eles são os únicos em quem possa operar o Espírito Santo.
Deus continua chamando, movimentando a outros homens e mulheres para fazer o bem, além de que eles pertençam ou não à comunidade eclesial. (cfr. LG 33,34).
A resposta de Jesus é bem clara: "Não lhe proíbam, pois ninguém faz um milagre em meu nome e depois pode falar mal de mim".
O importante é se unir na construção do reino, não pertencer a um grupo ou outro. Expulsar demônios é um sinal de que o reino está no meio do povo, então a mirada de Jesus está no bem que se faz, na vida que se defende e se faz crescer. Isso é o que verdadeiramente importa.
Não seria esse o caminho para o diálogo eclesial, ecumênico e ainda inter-religioso? Hoje há um chamado contínuo para promover a reconciliação através do diálogo inter-religioso.
Unir forças com todos os homens e mulheres, de diferentes religiões e até com aqueles que dizem não ter religião, mas que querem trabalhar pelo bem do ser humano, pela transformação do mundo.
O segundo ensinamento: "quem der para vocês um copo de água porque vocês são de Cristo, não ficará sem receber sua recompensa".
Lembremos que para o povo da Bíblia, dar um copo de água era um pequeno gesto de acolhida.
Pelo qual Marcos está convidando a sua comunidade a praticar a hospitalidade e solidariedade. Neste momento há um grande apelo que clama aos céus pelos milhares de refugiados que fogem do seu país na procura de vida.
Um bonito exemplo o encontramos na vida de Christian de Chergé, um dos mártires de Tibhirine. Não importa a simplicidade do gesto, para Deus não passa despercebido.
Santa Teresinha, cuja festa celebramos nesta semana, dizia que a tarefa, por mais humilde que seja, feita na presença do Senhor, adquire aos seus olhos um valor infinito, cada vez que ela é feita por amor.
Um último ensinamento é sobre o tema do escândalo. Numa primeira leitura, as sentenças que o evangelista coloca em Jesus parecem duras demais.
Para a mentalidade judaica daquele tempo, mão, pé e olho eram sede dos impulsos pecaminosos e da concupiscência, associados especialmente à cobiça e à ganância.
A proposta do evangelho não é um convite à automutilação! Mas, sim, de uma maneira simbólica, propõe erradicar as raízes do escândalo, ou seja, romper radicalmente com tudo o que torna a pessoa gananciosa, egoísta, despótica ou tirana.
Participar do Reino de Deus é um dom que implica pela sua vez um estilo de vida que leva a marca da solidariedade, justiça e serviço.
Quem não vive desse jeito e se "arroga" o nome de discípulo/a de Jesus, incorre numa incoerência de vida que provoca escândalo e que muitas vezes leva ao afastamento da fé em Deus. É preciso levar a sério Jesus, como disse José Antonio Pagola numa de suas homilias.
No dizer do Concílio Vaticano II:"Pelo que os crentes podem ter tido parte não pequena na gênese do ateísmo, na medida em que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião" (GS 19).
Testamento de Dom Christian de Chergé
Prior do Mosteiro Trapista Nossa Senhora de Atlas, Argélia
Aberto no Domingo de Pentecostes de 1996
Quando se tem de enfrentar um A-DEUS...
Se acontecer um dia - e poderia ser hoje -
em que eu me torne uma vítima do terrorismo que agora parece pronto a engolir
todos os estrangeiros que vivem na Argélia,
gostaria que minha comunidade, minha Igreja e minha família
se lembrassem que minha vida foi DADA por Deus e a este país.
Peço-lhes que aceitem que o Único Mestre de toda vida
não desconheceu esta partida brutal.
Peço-lhes que rezem por mim:
pois como poderia ser eu digno de tal oferta?
Peço-lhes que consigam ligar esta morte às muitas outras mortes
que são da mesma forma violentas, mas esquecidas pela indiferença e o anonimato.
Minha vida não tem mais valor do que qualquer outra.
Nem também menos valor.
Em qualquer caso, ela não tem a inocência da infância.
Vivi o bastante para saber que sou também um cúmplice no Mal
que parece, infelizmente, prevalecer no mundo,
mesmo naquele mal que me mataria cegamente.
Gostaria que, quando vier o tempo, ter o momento de lucidez
que me permitira pedir o perdão de Deus
e de todos os seres humanos meus amigos,
e ao mesmo tempo perdoar com todo meu coração aquele que me matará.
Não desejo tal morte.
Parece-me importante declarar isto.
Não vejo, de fato, como poderia me alegrar
se este povo que amo for acusado indiscriminadamente de meu assassinato.
Responsabilizar um argelino, quem quer que seja,
seria um preço muito alto para pagar
para aquilo que talvez seja chamado "a graça do martírio",
especialmente se ele diz que agiu em fidelidade com o que acredita que seja o Islã.
Estou consciente da pecha que será jogada a todos os argelinos indiscriminadamente.
Também tenho consciência da caricatura do Islã que um certo islamismo encoraja.
É fácil salvar a própria consciência identificando-se nesta via religiosa
com as ideologias fundamentalistas de seus extremistas.
Para mim, a Argélia e o Islã são algo diferente: são um corpo e uma alma.
Disse isto bastante freqüentemente, creio eu,
sabendo que recebi aqui mesmo o verdadeiro caminho do Evangelho,
aprendido no joelho de minha mãe, minha primeira Igreja de fato,
na própria Argélia, e já inspirada com respeito por crentes muçulmanos.
Minha morte, claramente, parecerá justificar
aqueles que me julgam apressadamente ingênuo ou idealista:
"Deixe-o dizer-nos agora o que ele pensa sobre isto!"
Mas estas pessoas precisam compreender
que minha mais ávida curiosidade será então satisfeita.
Pois isto será o que serei capaz de fazer, se Deus assim o quiser -
imerso meu olhar naquele do Pai,
contemplarei com ele seus filhos do Islã da mesma forma como ele os vê,
todos radiantes com a glória do Cristo,
o fruto de sua Paixão, e cheio com o Dom do Espírito,
cuja alegria secreta será sempre de estabelecer a comunhão
e de remodelar a semelhança divina, brincando com nossas diferenças.
Por esta vida perdida, totalmente minha e totalmente deles,
agradeço a Deus que parece tê-la desejado inteiramente
para esta ALEGRIA em tudo e a despeito de tudo.
Neste AGRADECIMENTO, que resume minha vida inteira a partir de agora,
certamente incluo vocês, amigos de ontem e de hoje,
e vocês, meus amigos deste lugar,
junto com minha mãe e meu pai, minhas irmãs e irmãos e suas famílias --
cem vezes me foi dado a mais como prometido!
E também você, o amigo do meu momento final,
que não terá consciência do que estiver fazendo.
Sim, quero AGRADECER a você e este "A-DEUS" é para você
em quem eu verei a face de Deus.
E possamos nós dois encontrarmo-nos, os felizes bons ladrões no Paraíso,
se isto agradar a Deus, o Pai de ambos... Amen! In sha'Allah!
Algiers, 1 de dezembro de 1993
Tibhirine, 1 de janeiro de 1994
+Christian
BRAVO GALLARDO, Carlos. Galilea año 30. Para leer el Evangelio de Marcos. España: Ed. El Almendro, 1989.
KONINGS, Johan. Espírito e mensagem da liturgia dominical. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia, 1981.
MONASTEIRO, Rafael; RODRIGUEZ, Antonio. Evangelho sinóticos e atos dos apóstolos. São Paulo: Ed. AM. 1994.
SICRE, José Luis. O Quadrante. I – A Busca. São Paulo: Ed. Paulinas. 1999.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Evangelho segundo Marcos 9,38-48 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU