28 Setembro 2018
"No Evangelho (Mc 9,38-43.45-47-48) temos uma instrução, pela qual Jesus procura ajudar os discípulos a se situarem no projeto do Reino de Deus.
"Esse novo modo de viver e constituir comunidade indica uma vida nova sem arrogância, competições, exclusivismos, sobretudo os relativos ao bem e a verdade. Ensina a acolher, apoiar e estimular a todos e todas sobre uma nova forma de atuar em favor da libertação do Povo; convida também a não excluir da dinâmica comunitária os pequenos e os pobres; convida ainda a tirarem da própria vida todos os sentimentos e atitudes que são incompatíveis com a opção preferencial pelos pobres. Mas vamos ouvir que apesar da opção inequívoca dessa proposta de Jesus, os discípulos continuavam a mostrar que não tinham ainda conseguido absorver os verdadeiros valores dessa construção do Reino.
A reflexão é da teóloga leiga Ivenise Santinon. Ela possui doutorado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2009), mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003) e Graduação em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1999). Atua como professora da Faculdade de Teologia, na PUC-Campinas, com atividade docente nas áreas da teologia, com ênfase na pastoral e na antropologia teológica. Estuda temas de teologia, ciências da religião, relações de gênero e da humanização.
Referências bíblicas
1ª Leitura – Nm 11,25-29
Salmo 18 (19)
2ª Leitura – Tg 5,1-6
Evangelho – Mc 9,38-43.45-47-48
Neste fim de semana em que celebramos o dia da Bíblia, a Palavra de Deus nos oferece uma luz que servirá para nortear diversas situações da nossa vida.
A liturgia deste 26º Domingo do Tempo Comum apresenta sugestões para que possamos participar, de forma plena, da grande comunidade “Reino de Deus”. E por isso, precisamos ser capazes de reconhecer e aceitar a presença e a ação do Espírito de Deus em todas as pessoas, sinais vivos do amor de Deus presente na sociedade e no mundo.
Na primeira leitura (Nm 11,25-29), assim chamado por ser uma lista de dados compilados em um recenseamento feito entre os membros das tribos de Israel, nos apresenta um conjunto de tradições sobre a estadia dos hebreus no deserto, e agora libertados do Egito. Ao longo do percurso pelo deserto, Israel vai fazendo também uma caminhada espiritual e vai se libertando da mentalidade de escravo, para adquirir uma nova cultura de maturidade e liberdade. Alí o Povo se revolta por não ter comida em abundância e murmura contra Jahweh. Moisés, cansado e desiludido, se queixa a Deus por estar difícil aguentar o fardo da condução daquele Povo rebelde (cf.vs.11-15). Então, Jahweh propõem a ele escolher setenta anciãos que, depois de ungidos pelo Espírito de Deus, o ajudarão na tarefa de conduzir o Povo pelo deserto (cf. vs.16-24). E a resposta de Moisés é aquela de um ser humano livre, de fé autentica, espírito aberto e que não está preocupado com o controle dos mecanismos de poder, mas com a vida e a liberdade do seu Povo. Ouviremos: “Estás com ciúmes por causa de mim? Quem me dera que todo o Povo fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles” (vs. 29).
Esse episódio nos ensina que o Espírito de Deus é livre e atua onde quiser, não se limita a fronteiras, regras, interesses pessoais ou privilégios de grupos. Moisés, o líder desse processo de libertação que trouxe os hebreus da terra da escravidão para a Terra da liberdade, foi capaz de reconhecer a sua debilidade ou a sua incapacidade de sempre conseguir “tudo” e aceitou a ajuda da comunidade, do seu povo. Dessa forma, já pensamos quando não aceitamos dividir responsabilidades e impedimos os outros de crescer? Já pensamos quando somos chamados a conduzir um novo projeto, sem nos deixarmos aprender com novas perspectivas?
Por isso, a nossa significativa a resposta no Salmo 18(19).
A segunda leitura (Tg 5,1-6) nos convida a não colocarmos a nossa esperança nos bens materiais, pois estes são perecíveis, não asseguram a vida plena a ninguém. Esse texto aponta para as injustiças cometidas por quem faz da acumulação dos bens materiais com a exclusiva finalidade de se autobeneficiar. Por isso, esta Carta de Tiago, na primeira parte (vers. 1-3), trata do problema da acumulação da riqueza. Os bens nos quais os ricos depositam toda a sua segurança e esperança perderão o valor. O texto diz: (“as vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se…” – vers. 2-3a); ou, pior ainda, serão uma testemunha de acusação, que denunciará o amor descontrolado dos bens materiais, o orgulho e a auto-suficiência, as injustiças praticadas contra os pobres. O destino final dos bens perecíveis é a destruição; e quem fizer dos seus bens materiais o seu próprio deus, a sua referência fundamental, não terá acesso à vida plena e eterna. Na segunda parte do nosso texto (vers. 4-6), o autor refere-se à origem desses bens acumulados pelos ricos. Para o autor, não há dúvidas: a riqueza provém da exploração dos pobres e não pagar o salário ao trabalhador é condená-lo à morte, bem como a toda a sua família (vers. 6).
Naturalmente, Deus não pode pactuar com a injustiça e, por isso, não ficará indiferente ao sofrimento do pobre e do oprimido. O clamor dos injustiçados chega até Deus e faz com que Ele atue. O texto compara o rico ao cevado que, engordando, apressa o dia da sua própria matança (vers. 5). A acumulação de bens materiais tornou-se hoje em dia, para tanta gente, o único objetivo da vida e o critério único para definir o seu sentido de vida. Contudo, aqueles que apostam tudo nos bens perecíveis facilmente constatam como essa opção não responde, em definitivo, à sua esperança de vida plena e não corresponde ao projeto libertador de Deus.
No Evangelho (Mc 9,38-43.45-47-48) temos uma instrução, pela qual Jesus procura ajudar os discípulos a se situarem no projeto do Reino de Deus. E nesse sentido, esse projeto é bem diferente daquele que conheceram por grupos no deserto e vivenciado por Moisés, no Antigo Testamento. Esse novo modo de viver e constituir comunidade indica uma vida nova sem arrogância, competições, exclusivismos, sobretudo os relativos ao bem e a verdade. Ensina a acolher, apoiar e estimular a todos e todas sobre uma nova forma de atuar em favor da libertação do Povo; convida também a não excluir da dinâmica comunitária os pequenos e os pobres; convida ainda a tirarem da própria vida todos os sentimentos e atitudes que são incompatíveis com a opção preferencial pelos pobres. Mas vamos ouvir que apesar da opção inequívoca dessa proposta de Jesus, os discípulos continuavam a mostrar que não tinham ainda conseguido absorver os verdadeiros valores dessa construção do Reino.
Portanto, a mensagem deste evangelho vem constituída por um conjunto de “ditos” de Jesus – originariamente independentes e que falam sobre diversas questões do cotidiano. Ela tem como objetivo apoiar e estimular todas as pessoas a se envolver nesse novo projeto de vida baseado na proposta libertadora de Jesus. Na segunda parte do texto (vers. 42-48), esses “ditos” indicam aos discípulos as atitudes que eles deverão ter para se comprometer plenamente com a comunidade do Reino. São usadas imagens expressivas, bem ao gosto dos pregadores da época, destinadas a impressionar profundamente os ouvintes. Não são expressões para se ler ao “pé da letra”, ou seja, de forma fundamentalista, mas para serem interpretadas e vividas de forma incisiva a ponto de nortearem as escolhas, sempre em vista da vivência da radicalidade do Evangelho. O segundo “dito” de Jesus (vers. 43-48) refere-se à absoluta necessidade de se dar a própria vida quando vermos atitudes incompatíveis com a opção por Cristo e sua proposta de construção do Reino de Deus.
O Evangelho deste domingo apresenta-nos esse grupo de discípulos ainda atrasados na aprendizagem do “caminho do Reino”. Eles não querem entender que para seguir Jesus é preciso cortar atitudes corruptíveis e injustas. E assim, as dificuldades que os discípulos apresentam não são estranhas a nós; elas fazem parte da nossa vida, das nossas opções diárias como cristãos e cristãs. Jesus mostra aos discípulos que a comunidade do Reino não pode ser uma seita arrogante, fechada, intolerante, fanática, que se acha exclusiva de Deus. O verdadeiro discípulo deve se esforçar todos os dias para testemunhar os valores do Reino e alegrar com os sinais da presença de Deus, evidente em tantos irmãos e irmãs de outras denominações religiosas e que conosco também lutam por construir um mundo mais justo e mais solidário. Assim como Moisés no deserto e os discípulos no Evangelho nós podemos hoje em dia nos preocupa com as dificuldades em seguir o projeto da construção do Reino de Deus, mas a liturgia deste fim de semana indica que devemos estar abertos a graça de Deus, aquela que acontece pelo seu Espirito presente em todas as pessoas. E o apelo de Jesus à sua comunidade é um apelo também a nós, hoje, no sentido de não nos deixar “escandalizar” (afastar a graça de Deus na comunidade do Reino). A partir da nossa opção preferencial pelos pequenos, pelos pobres, Deus nos faz pensar naquilo que falhamos e nas nossas atitudes que moralmente são reprováveis que marcam negativamente o povo. Muitas vezes não nos reconhecemos como responsáveis!
Concluindo: esses pobres que devem encontrar em nós a proposta libertadora de Cristo, feita a eles em primeiro lugar, estão sendo acolhidos com justiça ou encontram em nós a rejeição, a injustiça e a marginalização? Como cristãs e cristãs, estamos dispostos a assumir um projeto novo de vida segundo a proposta de Jesus, sem fazer distinção de pessoas?
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26º Domingo do Tempo Comum - Ano B - É preciso discernir os sinais e os caminhos do Reino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU