30 Outubro 2017
A Bolívia está há mais de uma década crescendo a uma média anual de 5% – muito superior à dos Estados Unidos e à dos países sul-americanos.
Apesar da crise no preço das commodities, o governo boliviano conseguiu manter o ritmo e foi cuidadoso para não desperdiçar o dinheiro que entrou após a nacionalização do gás e do petróleo em 2006.
A reportagem é de Cecilia Barría, publicada por BBC Brasil, 29-10-2017.
O país tem crescido muito graças às exportações de gás natural que vende ao Brasil e à Argentina, o que gera o risco de ancorar seu crescimento a esse recurso. E, embora tenha feito esforços para diversificar a economia (com a venda de diesel, estanho e soja), permanece a pergunta de quanto tempo vai conseguir sustentar seu modelo de desenvolvimento.
Apesar disso, o crescimento ocorrido nos governos do presidente Evo Morales, que está no poder há mais de 10 anos, tem sido chamado de "milagre econômico boliviano".
No ano passado, a Bolívia cresceu 4,3%, sendo seguida por Paraguai (4,1%) e Peru (4%). A lista segue com Colômbia (2%), Chile (1,6%) e Uruguai (1,5%).
O desempenho foi bastante alto se comparado ao dos Estados Unidos, que cresceu apenas 1,5%, e com a América Latina, que teve uma retração de 0,9%. O Brasil teve retração de 3,6% em 2016.
No campo político, a gestão de Evo tem sido elogiada por suas reformas inclusivas, mas duramente criticada por suas supostas tendências autoritárias, casos de corrupção e o nascimento de uma chamada "burguesia aymara" – em referência ao povo indígena do qual Evo faz parte.
Embora haja posições distintas em relação à atuação política do governo Morales, sobre a condução da economia os especialistas nacionais e internacionais convergem.
Segundo eles, estes são os três pilares do sucesso econômico da Bolívia:
Em 2006, quando Evo Morales decretou a nacionalização dos hidrocarbonetos (como gás e petróleo), a economia boliviana entrou em uma nova era.
Essa fase incluiu, em alguns casos, a transferência de empresas privadas para as mãos do Estado e, em outros, a renegociação de contratos com empresas estrangeiras que continuaram operando no país.
Uma dezena de multinacionais assinaram novos contratos com a estatal YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos), concordando em pagar uma taxa de entre 50% e 85% sobre o valor da produção, entre outras coisas.
"O governo aumentou consideravelmente as receitas do Estado", diz o economista Luis Pablo Cuba, professor convidado da Universidade Mayor de San Simón.
"A nacionalização e o imposto direto cobrado sobre os hidrocarbonetos foram alguns dos principais elementos que explicam o alto crescimento econômico", afirma.
A alta nas receitas foi acompanhada de fortes investimentos públicos e de um modelo de desenvolvimento produtivo baseado na demanda interna.
"Nos últimos 14 anos, o crescimento econômico foi impulsionado principalmente pelo explosão dos preços das matérias-primas, pelo aumento de impostos, pelos significativos investimentos públicos e pelo alto gasto em políticas sociais", disse um porta-voz do Fundo Monetário Internacional (FMI) à BBC Mundo.
"Durante a explosão das commodities, a pobreza diminuiu e o governo sabiamente guardou uma parte dos recursos, construindo uma grande reserva financeira'", afirma.
Essa poupança passou de US$ 700 milhões para US$ 20 bilhões, o que permitiu ao governo absorver o impacto da queda nos preços a partir de 2014.
A liderança da Bolívia no crescimento na América do Sul deve ser mantida neste ano e no próximo, segundo as projeções do FMI. Uma análise da economista Nicole Laframboise, publicada no blog do órgão, sugere que outro fator importante foi a queda no uso de dólares (que costumava ser usado em vez da moeda local) há cerca de dez anos.
"Isso ajudou a melhorar a efetividade da política monetária, contribuiu para a estabilidade do setor financeiro e permitiu que mais bolivianos tivessem acesso a crédito e a serviços financeiros", disse a economista.
Tanto economistas do FMI quanto analistas locais concordam que a estabilidade social contribuiu para o crescimento econômico.
Entre 2001 e 2005, a Bolívia teve cinco presidentes e um clima de alta polarização e conflito. O início do mandato de Evo também teve momentos complicados, como o processo constituinte e a oposição política se entrincheirando nas regiões ricas do país.
Mas o radicalismo dos primeiros anos foi diminuindo.
A isso se somam indicadores de inclusão social que favorecem a estabilidade. A pobreza diminuiu consideravelmente. Em 2004, 63% da população era pobre. Em 2015, esse índice passou a 39%.
A distribuição de renda também melhorou nesse período, de acordo com dados do FMI. A Bolívia passou de país mais desigual da América do Sul a uma posição média no continente.
Esses sucessos beneficiaram a imagem internacional de um país governado por um partido composto por organizações sindicais e centrais agrárias indígenas e camponesas – e que negociaram com o governo um acordo para evitar uma crise.
Adversários políticos do governo criticam o fato de alguns grupos foram excessivamente favorecidos pela entrada de dinheiro e que o crescimento, apesar de trazer benefícios, trouxe também a corrupção de políticos da situação.
Mesmo assim, a oposição reconhece que Evo tem tido uma política econômica segura e pragmática apesar do seu discurso radical - que inclui, por exemplo, a venda de gás através de contratos de longo prazo com cotação fixa, o controle da inflação e a manutenção das reservas fiscais.
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Como a Bolívia se tornou o país que mais cresce na América do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU