26 Outubro 2016
Embora ninguém acredite que haverá uma eleição papal em breve, o consistório a acontecer no próximo mês para criar 17 novos cardeais, sendo 13 deles aptos a votar, é não obstante a coisa mais próxima que a Igreja Católica tem da convenção de Iowa, quando todos os candidatos estão em exposição.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 22-10-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Podemos estar em meio às eleições nos Estados Unidos, mas este não é o sentimento que impera na Roma eclesiástica no momento. O Papa Francisco está em boa forma, com saúde, sendo plenamente responsável e estando operante a um ritmo vertiginoso, não havendo indício algum de uma transição iminente.
Consequentemente, ninguém tem parado para pensar sobre os papabili, isto é, candidatos potenciais ao papado, porque a maioria crê que o posto não estará disponível tão cedo.
Por outro lado, há um consistório no próximo mês, quer dizer, um evento onde o papa cria novos cardeais, assim pelo menos em teoria o grupo de candidatos recebe sangue novo. Mais do que isso, praticamente todos os cardeais do mundo estarão em Roma para o evento, o que faz do consistório a coisa mais próxima, na Igreja Católica, de uma “convenção de Iowa”: um marco em uma campanha política em que todos os candidatos estão ficam à mostra e onde qualquer coisa é possível.
De um ponto de vista religioso, o consistório de 19 de novembro tem a ver com homens certo vestuário cuja cor simboliza a disposição deles de derramar o seu sangue para proteger o papado e a Igreja; um evento que tem a ver com a continuidade da Igreja através dos tempos; e um evento a respeito da função do papado como o símbolo e instrumento de unidade da família universal na fé.
No entanto, isso não significa que inexista um subtexto político – afinal de contas, a graça edifica-se sobre a natureza, não a substitui – e, portanto, aqui vão três coisas para observarmos no nível político neste período anterior que nos leva ao consistório.
Em geral, a primeira coisa que os analistas do Vaticano se perguntam é se um dado consistório injeta no grupo um candidato novo óbvio ao papado. Nesse caso, o consenso parece ser um “provavelmente não”.
Vendo a lista de nomes, parece claro que Francisco escolheu muitos destes cardeais para promover os recantos negligenciados do mundo, locais como Papua Nova Guiné, a República de Maurício e Bangladesh, lugares onde há um forte crescimento no número de fiéis, mas que também significa que estes prelados são relativamente desconhecidos.
Em outros casos, Francisco pareceu escolher homens em sintonia com a sua visão pastoral de Igreja, o que é claramente o caso, por exemplo, de suas escolhas nos EUA: Dom Joseph Tobin, de Indianápolis, Dom Blase Cupich, de Chicago, e Dom Kevin Farrell, ex-arcebispo Dallas e hoje presidente do Dicastério para a Família, os Leigos e a Vida.
Mesmo assim, parece ainda haver outros cardeais com o mesmo perfil, pessoas que são candidatos mais plausíveis. Entre os americanos, temos Sean O’Malley, de Boston, que possui a espiritualidade, o equilíbrio e os idiomas que os eleitores geralmente querem e, como um bônus, na qualidade de membro do Conselho dos Cardeais, possui um profundo conhecimento do funcionamento interno do Vaticano e do que é necessário para fazer a frente aí.
Se obrigássemos, num exercício de imaginação, os analistas do Vaticano a dizerem qual seria a aposta deles em um novo conclave, os nomes que provavelmente ouviríamos são cardeais já criados no passado.
De um lado “pró-Francisco”, além de O’Malley, provavelmente ouviríamos o nome de Oscar Rodriguez Maradiaga, de Honduras, ou talvez Luis Antonio Tagle, das Filipinas; por outro lado, provavelmente teríamos nomes como Robert Sarah, da Guiné, ou Marc Ouellet, do Canadá, ou ainda Péter Erdo, da Hungria, que também preside o Conselho das Conferências Episcopais Europeias.
Quanto a um compromisso que satisfaria aquilo que ambos os lados podem estar em busca em um próximo conclave, está o Cardeal Christoph Schönborn, da Áustria.
No entanto, se fôssemos obrigados a escolher um possível papa somente com base nos novos cardeais a serem criados no dia 19 de novembro, dois nomes parecem os mais prováveis: Dom Carlos Osoro Sierra, de Madri, e do Dom Carlos Aguiar Retes, de Tlalnepantla, México.
Ambos são pastores que lembram o estilo de Francisco no sentido de uma simplicidade pessoal e proximidade às pessoas comuns. Mas ambos também têm a reputação de ser um pouco firme em termos doutrinários, o que pode ser uma qualidade que muitos cardeais consideram desejável em um próximo conclave.
O voto pela “continuidade”
A partir de 20 de novembro, um dia depois do consistório, a divisão dos cardeais eleitores nomeados pelos últimos papas é:
• João Paulo II: 21
• Bento XVI: 56
• Francisco: 44
Em outras palavras, Francisco terá mais do que o dobro de cardeais escolhido por ele próprio no Colégio Cardinalício na comparação com os que herdou de João Paulo II, e estará se aproximando numericamente da quantidade de cardeais criados por Bento XVI.
Suponhamos que o próximo consistório aconteça no fim de 2018, onde mais 15 cardeais já terão completado 80 anos, e portanto terão deixado vago 15 lugares, e suponhamos que o Papa Francisco indique estes nomes. Quatro dos cardeais que vão se retirar por idade foram nomeações de João Paulo II, e 9 de Bento XVI, enquanto 2 são prelados elevados por Francisco em 2015.
A essa altura, a nova composição seria:
• João Paulo II: 17
• Bento: 47
• Francisco: 57
Ou seja, em pouco tempo Francisco terá nomeado aproximadamente a metade dos cardeais, entre os quais um irá lhe suceder. Cada vez mais, este grupo está se tornando o “seu” Colégio Cardinalício.
Isto, evidentemente, não garante que os cardeais elegerão um clone do Papa Francisco. Em março de 2013, Bento tinha nomeado uma maioria para o Colégio dos Cardeais, e claramente estes optaram por algo diferente voltando-se para Jorge Mario Bergoglio.
No entanto, como na maioria dos conclaves, a questão central é ter uma continuidade ou uma mudança diante do papado que acaba de terminar, e quanto mais Francisco tiver a chance de nomear homens que compartilham de sua visão de mundo, mais as chances haverá de uma “continuidade”.
Os americanos sabem que as mudanças demográficas deste país [os EUA], especialmente no tocante ao aumento de latinos, constituem um motivo importante do porquê a matemática eleitoral tem mudado a favor dos democratas.
No Colégio Cardinalício também. O Papa Francisco está promovendo uma espécie de inversão demográfica ao nomear cada vez menos autoridades vaticanas e europeias em geral, e mais Príncipes da Igreja vindos de países em desenvolvimento. Um resultado fundamental disso é: quando Francisco foi eleito, 35% do Colégio compunha-se de autoridades da Cúria Romana. Se um conclave acontecer logo depois de 19 de novembro, a parcela de prelados da Cúria será apenas de 28%.
Mesmo entre os países em desenvolvimento, Francisco tem dado preferência a elevar cardeais de lugares desconhecidos, refletido desta vez na escolha de um outro cardeal representante de um país insular: na vez passada foi Tonga, desta vez foi República de Maurício.
Diferentemente do que acontece nos EUA, entretanto, uma mudança demográfica no Colégio Cardinalício não significa que Francisco esteja ipso facto promovendo a sua própria agenda de reformas, pelo menos em certas frentes.
No mais – e o que vou dizer é, naturalmente, uma generalização que contém inúmeras exceções –, os católicos dos países em desenvolvimento tendem a ser mais tradicionais, em termos de fé e de prática, isso em comparação com os seus iguais europeus e norte-americanos.
Talvez o efeito mais imediato da mudança demográfica efetuada pelo papa seja simplesmente o de fomentar um grau maior de incerteza a respeito de coisas que podem acontecer num futuro conclave.
Francisco está criando um grupo de cardeais que nunca fizeram parte das polêmicas teológicas e políticas usuais no ocidente, pessoas que podem olhar para elas ou com tédio ou com frustração, e que talvez tragam um conjunto totalmente diferente de prioridades.
Em outras palavras, o que Francisco está fazendo é tornar a próxima eleição papal muito mais difícil de se prever e, portanto, muito mais fascinante de assistir.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
EUA. Considerações sobre a "convenção de Iowa" da Igreja Católica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU