Brasil 2025: “As expectativas são de melhoras”. Entrevista especial com João Carlos Loebens

Juros elevados e cortes sociais, no entanto, podem gerar estagnação e empobrecimento no país, diz auditor-fiscal da Receita Estadual do RS

Foto: Arquivo Agência Brasil

08 Janeiro 2025

A perspectiva socioeconômica para o Brasil em 2025 é de continuidade dos bons resultados alcançados no ano passado: aumento do emprego, diminuição da pobreza, crescimento econômico e aumento da renda real das famílias, resume João Carlos Loebens na entrevista a seguir, concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU por e-mail. A atual taxa Selic de 12,25%, elevada em 1% em dezembro de 2024, e o corte nos gastos públicos são, contudo, empecilhos para o desempenho socioeconômico. “Esse nível de juros e corte de gastos primários tende a gerar estagnação e empobrecimento do país e da sociedade brasileira, excetuados os super-ricos rentistas, que, de forma inversa, aumentam seus rendimentos e enriquecem”, adverte o auditor-fiscal.

Para Loebens, as duas medidas favorecem a transferência de recursos entre setores da sociedade: os rentistas são beneficiados pela elevação da Selic e as populações de baixa renda terão mais gastos em função da diminuição do investimento público. “O recente aumento em 1% da taxa Selic vai representar em torno de 50 bilhões de gastos públicos a mais para o pagamento de juros aos super-ricos donos dos títulos públicos. O ajuste/corte de gastos que o governo está fazendo é de aproximadamente idênticos 50 bilhões, que serão retirados dos pobres e das rendas mais baixas (escolas e hospitais públicos, usados principalmente pelos de baixa renda). Sem escola e hospitais públicos, as pessoas de baixa renda terão que pagar com renda do salário. Esses 50 bilhões do corte de gastos do andar de baixo serão repassados aos super-ricos do andar de cima, a título de juros da dívida (elevação de 1% da Selic)”.

Loebens também comenta os possíveis impactos da posse do presidente Donald Trump no Brasil. “A nova MAGA (Make America Great Again) como política governamental estadunidense significa que querem os Estados Unidos grande na América, o que implicitamente requer a redução ou pequenice dos demais. O Brasil vai estar no centro dessa turbulência, com ataques de diferentes tipos, em função desses interesses estrangeiros, com reflexos no Brasil e demais países, visando mantê-los como quintal estadunidense”, projeta.

João Carlos Loebens (Foto: Reprodução Jornal Dia a dia)

João Carlos Loebens é graduado em Administração de Empresas pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), especialista em Gestão Empresarial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em Administração e Gerência Pública e doutorando em Economia pela Universidade de Alcalá, na Espanha. É auditor-fiscal da Receita Estadual do Rio Grande do Sul.

Confira a entrevista.

IHU – Quais as expectativas socioeconômicas para o Brasil em 2025?

João Carlos Loebens – As expectativas são de melhoras. Em 2024, houve um aumento do emprego (queda do desemprego), uma diminuição da pobreza (melhora socioeconômica), o crescimento do PIB acima de 3% (segundo ano consecutivo, sendo que a média de crescimento dos sete anos anteriores foi de 0,4%), o aumento do investimento estrangeiro, crescimento de 3,6% da indústria, da renda real das famílias e vendas de Natal com alta acima de 10%. A tendência é que os resultados positivos continuem em 2025, apesar das dificuldades existentes.

IHU – Quais são os impactos socioeconômicos da elevação da taxa Selic pelo Copom e do ajuste fiscal proposto pelo governo? O que podemos esperar este ano com a combinação dessas políticas?

João Carlos Loebens – A taxa Selic foi elevada pelo Banco Central independente (e não pelo governo), ao patamar de segundo juro mais alto do mundo. O ajuste fiscal, que na verdade é um corte de gastos do andar de baixo da sociedade brasileira, foi imposto ao governo pelo Congresso por exigência do tal mercado, os super-ricos ou oligarcas brasileiros. O principal impacto da elevação (abusiva) dos juros e do corte de gastos é a trava no desenvolvimento ou crescimento do país, pois retira dinheiro das famílias e das empresas para canalizá-lo aos super-ricos rentistas, os donos do capital, muitos deles estrangeiros, que vivem do mercado financeiro sem produzir.

Esse nível de juros e o corte de gastos primários tendem a gerar estagnação e empobrecimento do país e da sociedade brasileira, excetuados os super-ricos rentistas, que, de forma inversa, aumentam seus rendimentos e enriquecem. Por exemplo, o recente aumento em 1% da taxa Selic vai representar em torno de 50 bilhões de gastos públicos a mais para o pagamento de juros aos super-ricos donos dos títulos públicos. O ajuste/corte de gastos que o governo está fazendo é de aproximadamente idênticos 50 bilhões, que serão retirados dos pobres e das rendas mais baixas (escolas e hospitais públicos, usados principalmente pelos de baixa renda). Sem escola e hospitais públicos, as pessoas de baixa renda terão que pagar com renda do salário. Esses 50 bilhões do corte de gastos do andar de baixo serão repassados aos super-ricos do andar de cima, a título de juros da dívida (elevação de 1% da Selic).

Espera-se uma conjugação de esforços para amenizar as consequências nefastas do aumento de juros e corte de gastos, para manter um mínimo de crescimento e melhora possível.

IHU – Em vez do corte nos gastos primários, o senhor tem defendido o ajuste nas contas públicas a partir da área tributária e dos juros. Essa proposta é viável e operacional? Como poderia ser implementada na prática?

João Carlos Loebens – O falado e demonizado “déficit primário” é resultado de receitas menos despesas. Se diminuir as despesas (corte de gastos), melhora o resultado. Isso é verdadeiro. Por outro lado, se aumentar as receitas, também melhora o resultado. No entanto, a imprensa hegemônica, dominada pelo mercado (super-ricos), só fala em diminuir as despesas, e não fala em aumentar as receitas. Por quê? Muito simples: porque o corte de gastos é somente nos gastos primários (escola e hospital públicos, que o pessoal de renda mais baixa usam), e não há previsão de corte de gastos no Bolsa Empresário (benefícios fiscais/renúncias) nem nos gastos com juros, que poderia ser denominado Bolsa Super-ricos Rentistas, muitos deles estrangeiros. Estender o corte de gastos para o Bolsa Empresário (redução e eliminação de renúncias fiscais/benefícios indevidos) e ao Bolsa Super-ricos Rentistas (redução dos juros abusivos) seria uma forma de aumentar a receita do governo.

IHU – Por quais razões esses arranjos que o senhor sugere não são propostos pelo governo?

João Carlos Loebens – Diria que os arranjos até são propostos pelo governo, mas não são aprovados pelo Congresso; são barrados e impedidos pelos deputados e senadores. O projeto econômico apresentado e escolhido nas últimas eleições para presidente do país não é o projeto econômico do bloco congressista denominado Centrão. Os deputados e senadores defendem preponderantemente os interesses dos financiadores de campanha, e não dos eleitores.

Muitas vezes, o próprio Judiciário, quando demandado, segue a mesma linha do Congresso como representante do poder econômico. Frequentemente, os apoios e financiamentos veem de interesses estrangeiros, que podem ser conflitantes ou até opostos aos interesses nacionais.

Um exemplo é o novo governo dos Estados Unidos a partir deste ano, nas figuras de Donald Trump e Elon Musk. A nova MAGA (Make America Great Again) como política governamental estadunidense significa que querem os Estados Unidos grande na América, o que implicitamente requer a redução ou pequenice dos demais. O Brasil vai estar no centro dessa turbulência, com ataques de diferentes tipos, em função desses interesses estrangeiros, com reflexos no Brasil e demais países, visando mantê-los como quintal estadunidense.

IHU – No documento sobre educação fiscal do RS, o senhor apresenta os dados da corrupção pública e privada em relação aos tributos. A corrupção pública é da ordem de 60 bilhões (3%) e a privada, de 600 bilhões (30%), oriunda da sonegação fiscal. Como o Estado pode reverter esse quadro?

João Carlos Loebens – Basicamente através do sistema legal, alterações e correções na legislação. As chamadas brechas no sistema legal não são, na verdade, brechas, e sim legislações propositalmente elaboradas e aprovadas pelo Poder Legislativo para criar essas denominadas brechas, que na prática favorecem somente os do andar de cima, resultando na frase: “quanto mais rico, menos imposto paga”. Isso vale tanto para a legislação nacional brasileira como para a legislação internacional, comandada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (países ricos) desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

O exemplo mais fácil de entender são os países chamados “paraísos fiscais”, que entendo deveriam ser denominados “paraísos fisco-criminais ou esconderijos fiscais”. Afinal, o principal serviço que vendem é a ocultação de dinheiro e patrimônio ilícito, provenientes inclusive da sonegação (desvio privado de recursos públicos), algo semelhante ao crime de receptação de furto.

IHU – A visão geral entre os brasileiros é que o Estado cobra muito imposto e esse dinheiro é mal administrado. Ao mesmo tempo, há uma resistência ao pagamento de impostos em todas as classes sociais. Como compreende esse fenômeno no país?

João Carlos Loebens – O mapa mental e os conceitos de cada pessoa são construídos a partir das informações que essa pessoa recebe. É normal escutar de pessoas que o maior problema do Brasil é a corrupção. Quando perguntadas por que motivo pensam isso, elas respondem que escutaram na imprensa. Lógico, referem-se à corrupção pública, porque a corrupção privada nem sequer sabem o que é.

Essas pessoas não têm a menor ideia do tamanho do problema, o quanto de dinheiro representa a corrupção em relação a outros problemas, nem sabem a diferença entre corrupção pública e corrupção privada. Mas escutaram milhares de vezes na imprensa, receberam mensagens no celular, e passa a ser verdade absoluta para elas que a corrupção pública é o maior problema. Diria que a resposta é: esse fenômeno se entende a partir da desinformação reinante.

IHU – Quais as dificuldades de entender a função social dos impostos num país como o Brasil?

João Carlos Loebens – Diria que a principal dificuldade é a educação, no sentido das pessoas obterem conhecimento e informações necessárias sobre o funcionamento de uma sociedade e evitar a desinformação, as fake news, tanto em relação à sociedade brasileira quanto em relação a outra sociedade qualquer mundo afora. Existe algum país do mundo sem imposto? Não existe. Então demonizar os impostos passa a ser uma incoerência, somente explicada por desconhecimento (ignorância, no sentido não saber) ou por interesses não declarados e intencionalmente ocultados.

O discurso contra a corrupção sempre é verdadeiro, é um discurso moral. O corrupto tem interesse em fazer o discurso anticorrupção para passar a ideia de que corruptos são os outros e, com isso, ocultar a corrupção própria. O discurso moral deve estar relacionado com a prática, senão vira hipocrisia.

Quando falamos em educação fiscal, normalmente o mapa mental da pessoa fica meio em branco; temos dificuldade para definir a que se refere. Às vezes, o pensamento remete para a figura da pessoa que fiscaliza e multa. No entanto, quando falamos de educação fiscal, o termo fiscal se refere a orçamento, ao orçamento fiscal, que é integrado pelas despesas (ou gastos públicos) e pelas receitas (públicas, basicamente os impostos).

Costumo dizer que a educação fiscal é um instrumento, uma ferramenta, que nos ajuda a entender a sociedade, a entender o mundo em que vivemos, e inclusive nos ajuda a nos entendermos a nós mesmos.

IHU – Deseja acrescentar algo?

João Carlos Loebens – Historicamente, no Código de Hamurabi (quatro mil anos) já havia condenação para o crime de furto e receptação. Poderíamos deduzir que daqui a quatro mil anos (no milênio 6.000) também haverá furto e receptação (corrupção), que resultam em benefício de alguns poucos como forma de enriquecer, inclusive usando os “benefícios das brechas legais”, criadas intencionalmente na legislação tributária. Comento isso não para ir pela linha do “sempre teve, então está ok”, mas para ajudar a escolher o lado certo da história, para dizer que sempre teve e sempre haverá, em menor ou maior escala, de acordo com os valores sociais e comportamentos daquela sociedade (sistema legal que aprovaram). Importa escolher o lado dos que combatem esse tipo de desvio humano historicamente presente na sociedade, apesar da desinformação e das fake news cada vez mais presentes no dia a dia.

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