Guerra ignorada no Sudão gera crise humanitária com 16 milhões de deslocados: ‘Mídia brasileira não cobre’

Foto: Gregorio Cunha/Unmiss | ONU

Mais Lidos

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

07 Novembro 2025

País vive conflito desde 2023, com disputa de poder, componente étnico e interesses internacionais ligados ao ouro.

A informação é de Adele Robichez e Raquel Setz, publicada por Brasil de Fato, 06-11-2025.

Quase dois anos e meio após o início da guerra civil no Sudão, a situação humanitária continua se agravando e fica praticamente fora do noticiário da mídia comercial brasileira. O conflito opõe Abdel Fattah al-Burhan, que preside o país desde o golpe e exerce o governo sem legitimidade eleitoral, ao líder da milícia paramilitar Forças de Suporte Rápido (RSF), Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti.

Em entrevista ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Rodrigues explica que reduzir a guerra a uma disputa entre dois generais é insuficiente.

“A primeira coisa que é importante nós lembrarmos é que a maior parte dos países na África ainda têm a problemática do processo de descolonização”, afirmou. Ele lembra que a história recente do Sudão é marcada pela ditadura do ex-presidente Omar al-Bashir (1989–2019), que criou milícias armadas para reprimir grupos étnicos e políticos, abrindo o caminho para o surgimento de forças paramilitares com uma grande autonomia.

A região de Darfur, base da milícia RSF, concentra jazidas de ouro e outras riquezas minerais, um elemento central na guerra. “Na região de Darfur, há uma presença grande de minerais, principalmente o ouro. Portanto, o conflito tem um componente internacional”, explica.

Rodrigues destaca que a RSF conta com apoio dos Emirados Árabes Unidos e do grupo mercenário russo Wagner, que opera em troca de acesso ao ouro da região. Já o Egito apoia o governo militar sediado em Cartum, buscando estabilidade na fronteira e alinhamento político com o general Abdel Fattah al-Burhan. “Nós não podemos dizer que é um conflito de natureza apenas interna porque existem interesses estrangeiros influenciando os rumos da guerra”, reforça.

Além da disputa étnica, com a RSF identificada como força árabe contra grupos africanos autóctones, o conflito já provocou um deslocamento forçado em massa. “São 16 milhões de deslocados”, aponta o professor, somando refugiados em países vizinhos e pessoas que foram forçadas a deixar as suas casas dentro do Sudão. Ele alerta que essa população enfrenta um risco contínuo. “O entorno não é amigável. É uma situação trágica tanto para quem está na zona de conflito quanto para quem consegue fugir”, ressalta.

Questionado sobre violações de direitos humanos, Rodrigues afirma que há fortes indícios de crimes graves. “As evidências levam, de maneira muito contundente, que nós possamos afirmar que, sim, possa ser um genocídio. Porém, quem vai definir isso é o Tribunal Penal Internacional”, diz.

Segundo ele, o número exato de mortes é difícil de estimar, já que os corpos são descartados em valas comuns e rios, e o acesso de jornalistas e investigadores é extremamente limitado.

O professor também critica a cobertura da grande imprensa brasileira. “A mídia brasileira ou não cobre, ou cobre de maneira muito superficial, o que dá uma ideia de que é um bando de gente que está se matando. É uma cobertura muito problemática, até racista, desses conflitos na África”, caracteriza.

Para ele, iniciativas de comunicação que aprofundem o tema são fundamentais. “É importante que possamos compreender um conflito dessa magnitude. O Brasil se posiciona na ONU [Organização das Nações Unidas] e deveria acompanhar de perto isso”, defende.

Leia mais