Francisco, o profeta da teopatia. Artigo de Vito Mancuso

Imagem de São Francisco de Assis na Catedral de Gubbio, na Itália | Foto: Reprodução Itálica

22 Abril 2025

"Acredito que ele [Papa Francisco] foi o primeiro profeta a liderar a Igreja em dois mil anos de história. Não é coincidência o fato de ele ter sido o primeiro a adotar o nome do santo mais profético e mais irregular do calendário eclesiástico, Francisco de Assis, o louco que falava com lobos e pássaros e que desdenhava o poder e os poderosos", escreve Vito Mancuso, teólogo italiano, em artigo publicado por La Stampa, 21-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

O termo teologia é inadequado para o pensamento e, eu diria, também para a vida de Jorge Mario Bergoglio.

Em vez disso, outro termo precisa ser cunhado para ilustrar adequadamente o seu falar de Deus, seu representá-Lo, seu ser (para citar a famosa definição do Papa dada por Santa Catarina de Sena) “o doce Cristo na terra”. Este neologismo, não bonito, mas em minha opinião eficaz, é o seguinte: teopatia. Não teo-logia, mas teo-patia. Assim como se fala de simpatia e empatia para marcar a ressonância da emoção diante de outro ser humano ou de uma situação da vida, assim também, para o pensamento de Deus expresso pelo Papa Francisco em seus escritos e especialmente em sua vida, deve-se falar de teo-patia.

Ele não pensou Deus, ele o padeceu. Não foi a lógica, mas a paixão que constituiu o sinal de seu encontro com o Mistério do mundo capaz de produzir o Amor ao qual tradicionalmente nos referimos falando de Deus. Esse encontro apaixonado entre o Mistério, de um lado, e sua consciência e sentimentos, de outro, produziu no Papa Francisco tanto a doçura, o ímpeto e o entusiasmo quanto a indignação, o protesto e, às vezes, a raiva. Existe, de fato, um lado sombrio, um “Dark Side of the Moon”, como cantava o Pink Floyd, até mesmo na paixão por Deus.

Estou argumentando que Francisco não foi um teólogo (como foi Bento XVI), nem um pastor sábio (como João Paulo II), nem um intelectual penetrante e eventualmente hesitante (como Paulo VI), nem um legislador e diplomata (como Pio XII): não, Francisco foi um profeta.

Acredito que ele foi o primeiro profeta a liderar a Igreja em dois mil anos de história. Não é coincidência o fato de ele ter sido o primeiro a adotar o nome do santo mais profético e mais irregular do calendário eclesiástico, Francisco de Assis, o louco que falava com lobos e pássaros e que desdenhava o poder e os poderosos.

Apesar da suprema importância de São Francisco para a piedade cristã, nenhum Papa jamais havia se chamado como ele, justamente porque a espiritualidade representada pela pessoa de São Francisco não se concilia com o papel do Sumo Pontífice católico, necessariamente político e necessariamente poderoso.

Em vez disso, Bergoglio decidiu se chamar justamente assim, Francisco, e o resultado foi um pontificado sob a bandeira da profecia e da desestabilização, tanto externa à Igreja quanto, acima de tudo, interna. A profecia, de fato, necessariamente desestabiliza, perturba, inquieta, subverte, caso contrário, não é profecia. E justamente por esse motivo, justamente por ser profeta, que o Papa Francisco às vezes pareceu claramente inadequado para o papel de Sumo Pontífice, um papel que, muito mais do que profecia, exige prudência, diplomacia, paciência, visão de futuro, capacidade de escuta e diálogo, espírito de equipe, moderação.

O autêntico profeta não conhece nenhuma dessas qualidades: ele é habitado por um fogo devorador que arde em sua alma e o coloca em uma urgência espasmódica, o torna inquieto e inquietador, o torna um solitário, muitas vezes introvertido, às vezes incompreendido, e inevitavelmente lhe atribui um mau gênio, como o próprio Bergoglio reconheceu ao falar de sua relação com os médicos e que eu acho que pode ser estendido à sua relação com todos os seus colaboradores. O pontífice é chamado para ser um maestro de orquestra, o profeta, por outro lado, é um solista sublime.

É por isso que o Papa Francisco, quando falava ou escrevia sobre Deus, não se dirigia à razão de seus interlocutores, mas ao seu sentimento, à sua paixão, ao seu pathos. Ele não foi feito para os tratados teológicos, nem mesmo para as encíclicas que mesmo assim apareceram com sua assinatura, mas que evidentemente não foram o lugar onde ele manifestou sua essência peculiar, ao contrário, por exemplo, de Bento XVI, que era teólogo antes de ser Papa e que costumava entregar sua melhor parte à escrita, e ao contrário, para citar outro exemplo, do cardeal Martini, que era um biblista antes de ser bispo, e que por sua vez privilegiava a razão e a lógica ao falar e escrever sobre Deus. Bergoglio não, ele foi paixão. Ele foi feito para discursos de improviso, para telefonemas de improviso, para olhares amigáveis, para repreensões severas, para recordações familiares da vida cotidiana. Sua recusa em residir no apartamento papal simbolizava a quebra do mais geral comportamento papal. É por isso que alguns o amaram e sempre o amarão, enquanto outros não podiam suportá-lo e agora certamente se sentem aliviados pelo fato de que aquela irracionalidade que necessariamente decorre da paixão não está mais na direção da Igreja.

O Papa Francisco escreveu quatro encíclicas, ou melhor, três, porque a primeira, intitulada “Lumen fidei” e publicada no início do pontificado, em 29 de junho de 2013, na verdade havia sido escrita primeiro por Bento XVI e depois publicada apenas com alguns ajustes por Francisco (que havia sido eleito em 13 de março daquele ano e não teria tido tempo material para redigir o texto). Em seguida, vieram suas duas encíclicas sociais, “Laudato sì” em 2015 e “Fratelli tutti” em 2020, nas quais emerge o selo mais verdadeiro do Papa Francisco, que poderia ser definido justamente como um profeta social.

A profecia, de fato, conhece duas tendências fundamentais: a vertical, que se dirige aos homens para direcioná-los a Deus (como em Elias, Oséias, Jeremias), e a horizontal, que se dirige aos homens para torná-los justos e fraternos entre si (como em Isaías, Miquéias e Amós, este último definível como o primeiro comunista da história: se o comunismo não tivesse sido ateu e não se opusesse à religião, como teria sido diferente a história do mundo!) É claro que não se trata de duas tendências contrapostas, porque uma favorece a outra e vice-versa, mas ainda se trata de duas intenções subjacentes diferentes: uma que olha para o mundo porque primeiro voltou seu olhar para Deus, e a outra que olha para Deus porque primeiro voltou seu olhar para o mundo. Essa segunda tendência é que caracteriza a profecia do Papa Francisco: ele falava de Deus por amor ao mundo.

Sua última encíclica é de 2024 e se intitula “Dilexit nos”, “Ele nos amou”. Eis uma passagem: “É melhor deixar que surjam perguntas decisivas: quem realmente sou? O que procuro? Que sentido quero dar à vida, às minhas escolhas e ações? Por que razão e para que fim estou neste mundo? Como vou querer avaliar a minha existência quando ela terminar?”.

Francisco nos convidava a imaginar como avaliar a nossa existência quando o fim chegar, e agora que o fim chegou para ele, acredito que toda a sua existência pode ser avaliada como a de um profeta: de um homem que, como atesta a etimologia grega, “falava diante de” e, ao mesmo tempo, falava “a favor de”.

Ele falou diante de Deus em favor do mundo, e o fez com um estilo que era todo seu, inconfundível e irrepetível, às vezes doce e às vezes amargo, suave e intratável, conciliatório e pungente, mas sempre autenticamente humano, aliás, ítalo-argentino, e sempre autenticamente cristão, aliás, jesuíta. Sua teologia foi teopatia, e seu testemunho sempre renovará na consciência de todo ser pensante o pathos pelo Mistério do mundo.

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